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28/09/2006 - 09h27

Reforma agrária é novo front de Morales

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FABIANO MAISONNAVE
enviado especial a Guarayos (Bolívia)

Em meio à turbulência com as multinacionais para implantar a nacionalização do gás e com a oposição para destravar a Assembléia Constituinte, o presidente boliviano, Evo Morales, abriu mais um enorme front político. Desta vez, na isolada região de Guarayos, cerca de 260 km ao norte de Santa Cruz -dos quais apenas 100 km são asfaltados.

A origem do impasse é o primeiro projeto de reforma agrária do governo socialista --e o adversário, os grandes produtores de soja do departamento de Santa Cruz, o mais rico do país.


Como no caso da nacionalização do gás, o pontapé inicial foi dado com a ajuda do Exército, em 29 de agosto, quando soldados e policiais escoltaram a entrada de cerca de 300 sem-terra ligados ao MST boliviano --inspirado no homônimo brasileiro-- nas fazendas La Madre e La Isla (1.290 hectares), exploradas respectivamente por Freddy Salazar e Carlos Paz.

"É um ato de abuso do Estado e de tremenda injustiça, cujos danos afetam o conjunto de plantações em Santa Cruz, porque deixaram de receber crédito", disse à Folha Mauricio Roca, presidente da CAO (Câmara Agropecuária do Oriente), principal entidade do setor agropecuário do país.

O projeto do governo Morales prevê um grande assentamento de 20 mil hectares, dos quais 4 mil hectares serão administrados pelo governo por se tratar de áreas úmidas e lagoas -a região, bastante plana, lembra o Pantanal brasileiro. O restante será dividido entre as cerca de 300 famílias.

Disputa

A ação federal provocou imediata reação do governo de Santa Cruz, principal foco da oposição a Morales. Hoje, o governador Ruben Costas irá à mesma região de Guarayos, Província de Santa Cruz, lançar um projeto de reforma agrária que prevê a distribuição de 20 mil hectares de terras --tamanho igual a Morales-- de grandes fazendeiros da região.

Um mês depois da ação do governo, no entanto, parte das famílias continua no acampamento montado na fazenda La Madre, formado por cerca de 50 precárias choupanas.

"Vamos entrar quando colherem a soja", disse à Folha a sem-terra Mariela Heredia, 20, mãe de três filhos entre 2 e 5 anos, lembrando o compromisso do governo com os acampados. Casada com um trabalhador rural --o pagamento para esse trabalhador é de R$ 6 por dia--, era uma das poucas presentes no acampamento, sem energia, água encanada ou escola para as dezenas de crianças. Os demais, diz, estavam melhorando o acesso ao local.

Desconfiada e lacônica, ela não escondeu a ansiedade ao perguntar ao comandante Rodas, que acompanhou a reportagem, quando terminaria a colheita. "Não sei. Em dois, três meses", responde Rodas. Junto com outros 19 policiais, o subtenente estava na área havia 12 dias, quando a previsão inicial era ficar apenas quatro dias.

Isolado e sem condução, o contingente policial depende da comida fornecida por Paz, que emprestou os galpões da fazenda para eles dormirem.

Evitar confrontos

A função da polícia, no momento, é evitar confrontos entre produtores rurais e sem-terra. Depois, serão eles os encarregados de promover a saída dos fazendeiros, provavelmente no fim de dezembro. Desocupação que, promete Paz, não será sem resistência.

"Não vou deixar me tirarem [a terra]", afirma o produtor em sua casa de dois andares, em Santa Cruz. Na parede, uma reprodução da Mona Lisa. No chão, a pele de uma onça morta na fazenda. "Defenderei com a minha vida o que é meu." Além da fazenda La Isla, onde tem 550 hectares de soja plantados, ele cria gado em outra propriedade de 470 hectares no sul.

Paz alega que comprou as terras legalmente em 1998 e mostra documentos do Inra --o Incra boliviano-- para mostrar que já ocupava a terra em 2004 quando, em auditoria, foi considerada "fiscal" (pública), ainda no governo Carlos Mesa.

Foi a convite de Paz que a reportagem visitou a região --as despesas da viagem de 12 horas entre a ida e a volta feita de caminhonete foram pagas pela Folha. Ali, seus funcionários mostraram os 7 km de barreiras de contenção de água, investimento que teria sido realizado por ele. De acordo com ele, grande parte da fazenda é inviável para um assentamento, pois fica até três metros embaixo d'água na época das chuvas. "Se fizerem casa lá, vão morrer afogados", afirma.

Para Paz, a escolha da fazenda foi uma vingança contra sua família, pois seu irmão, que tem uma fazenda na região, sofreu uma invasão, mas conseguiu que a polícia retirasse os sem-terra, em 2005. O outro motivo seria uma estratégia quase militar: "Essa região é importante porque se unirá a San Julián, onde o Evo tem um reduto. O objetivo é cercar Santa Cruz."

O repórter Fabiano Maisonnaveviajou à cidade de Santa Cruz a convite da empresa aérea Aerosur

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