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18/01/2007 - 02h30

Equador reverá contratos com petrolíferas e admite moratória

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FABIANO MAISONNAVE
enviado especial da Folha de S.Paulo a Quito

O novo ministro da Energia do Equador, Alberto Acosta, afirmou ontem que o governo Rafael Correa buscará primeiro se aproximar de empresas estatais, caso da venezuelana PDVSA, deixando em segundo plano as empresas de capital misto, como a brasileira Petrobras, e as totalmente privadas.

Acosta disse ainda que projetos de petróleo ainda não implantados precisam "de uma discussão muito séria" --caso do bloco 31 da Petrobras, localizado num parque nacional da Amazônia e que espera a licença ambiental. A prioridade, segundo ele, é melhorar a produção dos campos ativos.

Defensor tanto da renegociação dos contratos com as petroleira e da dívida externa, Acosta disse que o pedido de moratória é uma opção. Ontem, seu colega da Economia, Ricardo Patiño, disse que o país só pagará os US$ 135 milhões em bônus que vencem em fevereiro caso tenha dinheiro. Ele reforçou também a proposta do presidente Correa, que participa hoje da cúpula do Mercosul no Rio, para criar um tribunal internacional independente para a arbitragem de contenciosos sobre dívida externa.

Aos 58 anos, Acosta é considerado o principal economista de esquerda do Equador, com grande influência em Correa e em sua equipe econômica. Seu livro mais importante, "Breve História Econômica do Equador", foi publicado no Brasil pelo Itamaraty. Leia, a seguir, trechos da entrevista concedida à Folha em seu gabinete:

FOLHA - O programa de governo de Correa prevê a revisão de futuros empreendimentos petroleiros, onde está o bloco 31 da Petrobras. O sr. já tem uma posição?

ALBERTO ACOSTA
- Espero receber, nas próximas horas, um informe detalhado sobre o bloco 31. Não posso me pronunciar a respeito porque não conheço a informação. Entendo que ainda não há uma decisão a respeito. Teremos conhecer a informação e teremos de falar com a ministra do Meio Ambiente.

FOLHA - Mas continua o princípio de que os projetos dentro de reservas ambientais têm de ser revisados?

ACOSTA
- É uma decisão que temos de assumir como país, não só de governo mas da sociedade em conjunto. Nós temos de ser sumamente responsáveis com nossas riquezas naturais e com as comunidades que habitam essa zona. A realidade da Amazônia equatoriana no nordeste é muito complexa. A atividade petroleira realizada ali há mais de 30 anos gerou um série de problemas graves no equilíbrio ecológico e nas comunidades. Então, para nós, a ampliação da fronteira petroleira tem de ser em outro tipo de parâmetro. Por isso, defendemos uma política de regionalização da atividade petroleira para aumentar os níveis de exploração de petróleo. É prioritário melhorar os atuais campos da [estatal] Petroecuador, isso é fundamental. O país vê com preocupação como os campos de extração de petróleo maduros estão caindo em termos de extração. Hoje, a linha de extração de óleo é de 165 mil barris, quando há um ano era de mais de 200 mil barris. E esse é o problema que temos de abordar.

Temos uma política para os campos marginais e também temos de ver qual será a política para as empresas petroleiras.

Nos demais campos, como o ITT e o bloco 31, entre outros, eu creio que o Equador precisa de uma análise de uma discussão muito séria. É preciso ver o tema ambiental e o tema das comunidades.

FOLHA - Como se dará a renegociação dos atuais contratos com petroleiras estrangeiras?

ACOSTA
- O presidente Correa disse com clareza que é necessário, em algum momento, revisar os contratos petroleiros. Nós estamos fazendo neste momento um estudo preliminar para ver a situação dos contratos petroleiros e lhe digo que o que nos interessa muito é a segurança jurídica. Mas a segurança jurídica que as partes têm de sentir cômodas com o marco contratual. Se você tem uma segurança jurídica que prejudica uma das partes, isso não vai prosperar. Nós vemos com preocupação que inclusive há leis que podem estar aprovadas dentro dos cânones normais, mas não são necessariamente convenientes para os interesses nacionais. Todos esses elementos serão oportunamente informado. O que queremos é que as empresas --se for necessário revisar os contratos-- tenham a suficiente sensibilidade para sentar na mesa de negociações.

FOLHA - O sr. considera justo o que as empresas petroleiras pagam ao Estado?

ACOSTA
- Quando começamos a exportar petróleo, em agosto de 1972, até princípios dos anos 1990, a empresa Texaco deixava para o Estado uma participação de 87%. Hoje, é o contrário, as companhias levam cerca de 80%, em alguns casos mais. Desde essa perspectiva, é necessário avançar uma renegociação dos contratos.

FOLHA - O governo equatoriano assinou vários acordos com a Venezuela, prevendo investimentos em áreas como refinaria. Não há um risco em depender tanto de uma empresa, a PDVSA, para investimentos?

ACOSTA
- Estamos interessados em ter muito boas relações com a Venezuela mas também com o Brasil, Peru, Chile, Colômbia e Argentina. Nosso desejo é avançar nos processos de integração energética. Inicialmente, podemos caminhar por uma via bilateral, mas logo poderíamos caminhar pela via multilateral. Temos algumas idéias e algumas propostas para trabalhar no âmbito da integração das empresas latino-americanas. Começaremos com as empresas estatais. A Petrobras é uma empresa mista, tem a maioria das ações em mãos do setor privado, mas não haverá inconveniente em buscar nexos para nos projetar no futuro.

FOLHA - PDVSA e Petrobras, portanto, são vistas de forma diferenciada?

ACOSTA
- Primeiro, veremos como nos aproximar das empresas estatais. Aí estão PDVSA, Enarsa (Argentina) e Enap (Chile), que são empresas estatais propriamente ditas. Logo, viriam as empresas mistas e depois as privadas, mas não se trata apenas de prioridades, veremos quais os benefícios que poderemos obter. O que nos interessa é obter benefícios para o Equador e, obviamente, que nossos sócios também tenham benefícios.

FOLHA - Correa manifestou interesse em entrar no Mercosul. Não é estranho pertencer a dois blocos?

ACOSTA
- Não há nenhuma contradição. Eu acredito que a CAN (Comunidade Andina de Nações) tem de funcionar junto com o Mercosul. Esse é o esforço. Seria muito importante que a Venezuela voltasse à CAN, que o Equador permaneça na CAN e que os dois blocos constituam base da união latino-americana.

FOLHA - Mas isso envolveria a desistência do Peru e da Colômbia para um acordo comercial com os EUA.

ACOSTA
- Mas acredito que os EUA vão desistir primeiro. Eles terão de voltar a conversar com os seus vizinhos, e isso é bom para todos.

FOLHA - O governo já definiu como será a estratégia para renegociar a dívida externa?

ACOSTA -
Entendo que o ministro da Economia já tem uma estratégia, estão definindo os detalhes. Creio que isso é indispensável para o Equador e para os demais países da região. Eu queria ressaltar, e aproveito a oportunidade, o que disse o presidente Correa na posse, quando falou de dívida externa. Ele falou da necessidade de apoiar a constituição de um Tribunal Internacional de Arbitragem de Dívida. Creio que é algo fundamental. É uma mensagem não para os equatorianos e equatorianas, mas para os demais países da América Latina e do mundo. Quando se analisa o tema da dívida externa, se conclui que não há uma instância onde se possa processar reclamações sobre o endividamento externo. Por exemplo, se há uma dívida corrupta, se há uma dívida odiosa contratada pelas ditaduras, se há uma dívida abusiva, que tem elevadas taxas de juros, se há uma dívida impagável, não há nenhum tribunal imparcial para negociar isso. É preciso ir a Clube de Paris, onde os credores são juiz e parte. No Banco Mundial, no FMI, os juízes são credores e parte. A proposta é estabelecer um tribunal internacional que garanta um serviço da dívida de acordo com o desenvolvimento nacional. Por isso, dizia o presidente Correa que primeiro é preciso atender ao investimento social e depois o pagamento da dívida. Isso estabelece o capítulo nove da Lei de Insolvência dos EUA para as municipalidades.

Em segundo legar, é preciso ver um mecanismo para descartar todas as dívidas corruptas, odiosas. Nisso trabalhou o então senador brasileiro Fernando Henrique Cardoso, fez toda uma auditoria muito importante.

FOLHA - Há possibilidade de moratória?

ACOSTA -
Em uma negociação de dívida, a moratória está sempre na mesa. Se, em algum momento, não for possível chegar a um bom acordo, é preferível uma boa e honesta moratória que seja benéfico para o credor e para o devedor em vez de acordos que gerem dificuldades.

FOLHA - Muitos analistas dizem que a relação da dívida externa com o PIB, que está em 25%, é mais baixa que a média da América Latina e, portanto, não seria uma prioridade para o Equador. Além disso, espantaria investimentos externos.

ACOSTA -
Não creio que seja um mau sinal para os investimentos estrangeiros. Esses investimentos vão a países onde se podem fazer negócios. Os investimentos sérios não se orientam pelo risco-país, que não mede o grau de desenvolvimento do país, mede apenas o grau de submissão do governo em relação ao pagamento da dívida. Não é importante ver a dívida em relação ao PIB, mas qual é o montante de recursos que destinamos para o serviço da dívida. Nós temos um problema muito sério da dívida externa, mas sobretudo a dívida interna. E estamos numa economia dolarizada. Portanto, o pagamento da dívida interna também tem um peso e significação maior.

O tema da dívida não é apenas de sustentabilidade, é de legitimidade e de legalidade. Quando abordarmos esses dois princípios, chegaremos a soluções definitivas. Legitimidade e legalidade como ponto de partida para um Tribunal Internacional de Dívida Soberana.

FOLHA - O sr. é um dos principais críticos da dolarização do Equador, em 2000. No governo, o sr. proporá uma mudança da política cambial?

ACOSTA -
Não é um tema que corresponde ao ministro da Energia. A minha posição diante da dolarização não mudou um ponto, se mantém, sou muito crítico, mas essa é uma decisão que corresponde ao cidadão Rafael Correa. Ou à economia: o que acontece se, em algum momento, muda o cenário internacional e se produz um problema grave? Eu não o desejo. De qualquer maneira, minha posição é clara: crítica, mas eu respeito a decisão do governo nacional.

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