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25/02/2007 - 09h02

Brasileiros voltam ao Líbano sob tensão

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TARIQ SALEH
colaboração para a Folha de S.Paulo, de Beirute

Era para ser o verão perfeito. E os libaneses estavam otimistas. Praias e montanhas tinham sido invadidas por milhares de turistas, e a capital, Beirute, com suas ruas tradicionais e estilo de vida exótico, estava radiante. Mas a guerra entre Israel e Hizbollah mudou tudo.

Para muitos brasileiros que viviam no país, o pesadelo de deixar suas casas e fugir para o Brasil foi traumático. Agora, seis meses após a guerra, quem voltou sente um país tenso.

A universitária Amanda Kaddissi, 18, é uma dos que voltaram. Ela também era mais uma otimista no dia 12 de julho, data de seu aniversário. Moradora de Sehaile, ao norte de Beirute, Amanda estava pronta para aproveitar o verão quando percebeu que algo estava errado.

"Quando voltei para casa, fiquei sabendo que Israel começara a bombardear o Líbano. Meu presente de aniversário foi a guerra", ironizou a santista. Amanda fez parte do grupo de brasileiros, juntamente com seus pais e irmãs, que foi retirado pela Embaixada brasileira, levado para a Turquia e de lá para o Brasil. Mas a decisão de retornar foi difícil. "Decidimos voltar porque nossas vidas estavam aqui. No Brasil, ficamos num apartamento alugado. Meu pai tinha o trabalho aqui, nós tínhamos nossos estudos."

Em setembro, a família voltou. "Quando entrei na faculdade, vi que todos haviam mudado. O clima não era mais o mesmo, as pessoas estavam mais deprimidas", afirma.

Para ela, o pós-guerra foi ainda pior, porque deixou as pessoas desesperançadas em relação ao futuro. Amanda não sentiu que o cotidiano voltara ao normal. "Toda a crise política estava presente entre as pessoas. Onde eu ia, via libaneses que eram amigos começarem a brigar por causa de facções políticas", lamenta. "Tenho medo de uma guerra civil."

Desde dezembro, a oposição ao premiê Fuad Siniora, liderada pela milícia radical xiita Hizbollah e apoiada por Síria e Irã, pressiona por mais poderes e pela formação de um governo de unidade nacional.
Militantes dos partidos de oposição mantêm acampamentos próximos à sede do governo exigindo a renúncia do sunita Siniora, considerado por eles pró-ocidental. No fim de janeiro, houve confrontos entre oposição e simpatizantes do governo nas ruas. Quatro pessoas morreram, e dezenas foram feridas. No último dia 13, uma bomba na cidade cristã de Birkfaya matou três pessoas.

Desconfiança

De volta ao Líbano no mês passado, Diana Bazi, 29, designer gráfica, lembra dos dias cinzentos da guerra. Moradora de Balloune, também ao norte de Beirute, ela se viu sem emprego quando a empresa em que trabalhava fechou por causa do conflito. Sua vida foi radicalmente mudada. "Antes eu passeava, trabalhava na região de Beirute, conhecia pessoas e conversava. Hoje tudo mudou, tenho até medo de sair", desabafa a goiana de Anápolis.

A decisão de deixar o Líbano durante a guerra veio quando Israel bombardeou uma ponte perto de sua cidade. "Para mim foi traumático, tive medo de pegar um ônibus e ser atingida." Ela e uma irmã rumaram para a Turquia. "Meus pais e meu irmão ficaram, pois não queriam deixar a casa."

Se no Brasil, sem trabalho, Diana não se sentiu bem, voltar ao Líbano não significou dias melhores. Com a antiga empresa fechada, ela continua desempregada. "Não faço nada, fico em casa e vejo televisão. Com a violência e a ameaça de conflito aqui dentro do país, não sei que vou fazer", diz.

Ela também acha que as pessoas mudaram. "Os libaneses que conheço estão mais quietos, tristes e tensos." Para Diana, há uma desconfiança geral. "Eu mesma não sei mais em quem confiar, porque qualquer pessoa pode ser militante de alguma facção política." Ela pensa em retornar ao Brasil. "O Líbano não tem um presente, então não tem um futuro."

Segundo o pesquisador brasileiro Roberto Khatlab, há 21 anos no Líbano, mais de 3.000 brasileiros foram removidos durante a guerra. "Foi a maior operação de repatriação brasileira desde a Segunda Guerra." Os dados estão contidos no relatório "Imigração, reimigração, retirada", publicado pelo Centro Libanês de Pesquisa de Imigração da Universidade de Notre Dame. Mas não há dados sobre brasileiros que voltaram.
"Muitos ficaram no Brasil, outros voltaram, mas não houve contato para que pudéssemos cadastrá-los", diz Khatlab.

Outro brasileiro que retornou foi o estudante de Engenharia de Computação e Comunicação Anas Ihsan Mohamad Ali, 21, de Soultan Yakoub, no vale do Bekaa, leste do país.

"Não tenho medo de uma guerra contra Israel, mas um conflito dentro do país entre libaneses seria o fim", afirma, lembrando a guerra civil que durou de 1975 a 1990.

O estudante do ABC paulista retornou ao Líbano porque faltava um ano de curso para se formar. "No Brasil não conseguiria transferir meu curso. Resolvi voltar ao Líbano." No retorno, em setembro, Ali não se surpreendeu com a divisão política. "Antes da guerra eles já estavam divididos, e agora o país está tomado por muito ódio entre as duas partes."

Quando a guerra começou, Ali ia para o aeroporto para uma viagem de férias à Holanda. No caminho, soube do bombardeio ao aeroporto. Imediatamente voltou ao Bekaa e ficou cinco dias em Chtaura até ir, de táxi, até a Síria.

"Soube que minha cidade havia sido atacada", diz, afirmando que não perdoaria os governantes se jogassem o país numa nova guerra civil. "Deus me livre, fugiria de novo."

Especial
  • Leia o que já foi publicado sobre brasileiros no Líbano
  • Leia o que já foi publicado sobre a guerra entre Líbanoe Israel
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