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05/11/2000 - 11h41

"EUA lideram graças a sua versatilidade", diz cientista político

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MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

Os EUA devem continuar tendo um papel preponderante na cena internacional do século 21, pois sua economia conseguiu se adaptar às novas tecnologias da informação com grande sucesso e seu "soft power" -influência cultural e ideológica de um país sobre o resto do planeta- é incomparável.

A análise é de Joseph Nye, doutor em ciência política e reitor da Kennedy School of Government da Universidade Harvard, que foi consultor do Departamento de Estado dos EUA de 1977 a 1979 e presidente do Conselho Nacional de Segurança.

Além disso, Nye é uma das maiores autoridades acadêmicas em relações internacionais, foi um dos fundadores de sua escola "neo-realista" e escreveu diversos livros, como "Bound to Lead: The Changing Nature of American Power" (Fadado a liderar: a transformação do poder americano, 1990) e "After the Cold War" (Depois da Guerra Fria, 1993).


Folha - Como o sr. compararia o poder norte-americano atual com o de outros impérios do passado?
Joseph Nye - O poder atual dos EUA difere do de impérios tradicionais do passado, pois não há controle formal. Durante o império do Reino Unido, no século 19, autoridades britânicas podiam estabelecer políticas educacional, de saúde e fiscal para países distantes, como Uganda e Índia.
Os EUA exercem uma influência global nos dias de hoje, isso é indiscutível, entretanto a existência da soberania formal dos outros países faz uma grande diferença em relação aos impérios tradicionais do passado.

Folha - O presidente dos EUA personifica esse poder?
Nye - O presidente tem menos poder do que parece. A Constituição do país criou um sistema no qual existe uma grande fragmentação de poder entre os três Poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário) e entre as esferas federal e estadual.

Apesar de ser o comandante das Forças Armadas, o presidente não pode declarar guerra nem alterar a política comercial do país sem o auxílio do Congresso. Portanto seu poder é bem menos importante e direto que o de imperadores clássicos, como Júlio César (romano).

Folha - Dez anos depois de "Bound to Lead...", suas críticas às conclusões de Paul Kennedy em "Ascensão e Queda das Grandes Potências" ainda são válidas?
Nye - Há dez anos, a maioria dos norte-americanos acreditava que o país era uma potência em decadência, que iria ser ultrapassada pelo Japão ou pela Alemanha. Kennedy reproduziu essa idéia nos últimos capítulos de seu livro e afirmou que os EUA estavam em declínio, como ocorreu com outros grandes impérios.

Escrevi em "Bound to Lead..." que essa análise não era correta e que os EUA têm grandes chances de continuar sendo uma potência preponderante na cena internacional do século 21.
Meus argumentos basearam-se em três pontos: na falsa analogia entre o Reino Unido do século 19 e os EUA do final do século 20 feita por Kennedy, no grande sucesso da adaptação da economia norte-americana às novas tecnologias de informação e no "soft power" dos EUA -ou seja, na influência cultural e ideológica do país sobre o resto do planeta.

E, em relação a este último aspecto, não há dúvidas de que os EUA alcançaram níveis de influência internacional jamais vistos. Basta observar que o cinema norte-americano atinge mercados em todo o planeta, que suas redes de fast food e seus programas de computador são um sucesso comercial mundial e que a propagação dos ideais democráticos nunca foi tão grande quanto nos dias de hoje. Nisto, aliás, os aliados dos EUA, principalmente europeus, também colaboraram.

Não vivemos mais num mundo no qual conta apenas o "hard power" (poder militar e econômico), como ocorria no século 19, e os EUA souberam adaptar-se a essa situação, foram versáteis, seu poder soube se transformar para continuar preponderante. Portanto, creio que meus argumentos permaneçam válidos.

Os EUA não são desafiados por nenhuma potência emergente hoje, como o Reino Unido foi pela Alemanha no final do século 19. Alguns autores citam a China como futura superpotência, mas creio que isso seja um exagero.

A China ainda é um país em desenvolvimento. Mesmo que continue apresentando os níveis impressionantes de crescimento econômico atuais, sua renda "per capita" será equivalente a 40% da norte-americana em 2025, pois sua população é imensa (pouco menos de 1,3 bilhão de habitantes). Por outro lado, a Alemanha já tinha superado a capacidade industrial do Reino Unido em 1900.

Folha - Que papel os EUA deveriam desempenhar na cena internacional atual?
Nye - Os EUA podem utilizar como exemplo a experiência do Reino Unido, que foi um Estado preponderante no século 19, porém não foi dominante.

O maior e mais poderoso país do mundo deve ajudar a criar bens públicos internacionais, como um equilíbrio de poder no campo da segurança e uma economia internacional livre e aberta à competição estrangeira. Além disso, deve procurar abrir espaços internacionais comuns; a liberdade nos mares e oceanos no século 19 deveria ser repetida para o mundo virtual de hoje.

Junta-se a isso o fato de que uma visão honesta e de longo alcance dos interesses nacionais norte-americanos tenha, obrigatoriamente, de incluir um papel que crie benefícios para outros países. O egoísmo não combina com relações pacíficas e construtivas entre Estados soberanos.

Folha - Que lições o sr. tirou de sua experiência como funcionário do governo dos EUA?
Nye - Quando trabalhei para o governo norte-americano, seja sob o comando de Jimmy Carter ou de Bill Clinton, percebi que o capital intelectual que havia desenvolvido no mundo acadêmico me foi de grande utilidade.

Tinha pouquíssimo tempo para refletir, para pensar em assuntos novos durante o tempo que trabalhei para o governo. Pressões para respeitar prazos e tomar decisões acertadas eram muito intensas.
Essa é a grande diferença entre a vida de um funcionário público de alto escalão e a de um acadêmico, que vive para refletir e conceber novas idéias. Também é por essa razão que gosto de combinar as duas atividades.

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