Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
14/12/2000 - 07h21

Sobrenome sempre foi o trunfo de Bush

Publicidade

ELIO GASPARI, da Folha de S.Paulo

Na manhã do próximo dia 20 de janeiro o "Pequeno George", "Georgie", "Junior", "George Bush 2º", será George W. Bush, o presidente dos Estados Unidos. Chegará ao cargo aos 54 anos, com a experiência de ter governado o Texas, de viver numa família exemplar e de ter passado pela Universidade de Yale.

É neto de senador e filho de ex-presidente. Seu irmão Jeb governa a Flórida. Botou US$ 606 mil num time de beisebol e, dez anos depois, vendeu a posição por US$ 14,9 milhões. Com tudo isso, será o primeiro presidente em mais de cem anos a entrar na Casa Branca tendo perdido a eleição popular, com a vitória tisnada por uma batalha judicial.

Nos primórdios de sua campanha, desafiando a imagem de nulidade que o acompanha desde menino, ele dizia: "Quem gosta de mim vai gostar de mim. Quem não gosta de mim não vai gostar de mim. Sacou a profundidade?".
Completou em espanhol: "Vamos a ver".

George W. Bush tornou-se o homem mais poderoso do mundo amparado no sobrenome e perseguido por uma história de fraquezas, sofrimentos e fracassos. Aos 7 anos viu-se diante da morte da irmã Robin, sua companhia de brincadeiras. Pensava que ela estava apenas doente, mas descobriu que lhe esconderam um caso terminal de leucemia. Estava no colégio quando os pais foram buscá-lo: "Eu lembro de ter visto Robin no banco de trás. Pensei tê-la visto, mas ela não estava lá". De volta para casa, rasgou metade da sua coleção de figurinhas de jogadores de beisebol.

Foi mau aluno do primário à formatura. Sua passagem por Yale teve mais cerveja do que livros. Manteve-se longe da política numa época em que os gênios da escola batalhavam contra a Guerra do Vietnã. Um deles, Strobe Talbott (atual subsecretário de Estado), ganharia uma das mais prestigiosas bolsas de estudo do país e, graças a ela, viraria amigo de Bill Clinton, outro jovem liberal, que não tragava.

Enquanto Clinton e Talbott tornaram-se jóias da meritocracia americana, George W. Bush mantinha-se longe das passeatas. Drogas? "Talvez sim, talvez não. Qual é a importância?"

Enquanto Clinton e Talbott formaram seu círculo de relações a partir da universidade, Bush passou por Yale porque isso convinha a um bom moço do círculo de relações em que nascera.

Sua passagem medíocre e desinteressada por Yale serviu apenas para ressuscitar o interesse pela mais velha de suas sociedades secretas, a Caveira e Ossos (Skull & Bones). Ela o teria admitido em 1968.

Criada em 1832, teve entre seus sócios tanto presidentes (William Howard Taft) quanto grandes conservadores (William Buckley Jr.) e liberais (Averell Harriman). Protegida por um voto de silêncio, está envolta em lendas. No seu museu estaria guardada a caveira do índio Jeronimo, os noviços seriam imersos em lama e colocados nus em caixões. Devem também relatar aos veteranos todas as suas experiências sexuais. Tanto o senador Prescott Bush quanto seu filho George pertenceram à Caveira.

Descontado o folclore, com ou sem caveiras, George W. Bush foi amparado pelos laços protetores da velha e tradicional elite americana. Nos anos 50 ela ajudou George pai a montar sua empresa de petróleo, a bem-sucedida Zapata. As conexões salvaram-lhe o filho quando fracassou ao
tentar repetir o êxito. Livraram-no da falência, comprando-lhe a firma.
Mantido na folha de pagamento como consultor, George W. faturou US$ 120 mil em 1989. Uma concessão no emirado de Bahrein resgatou a lucratividade do negócio. Sem ter perfurado um só poço fora dos Estados Unidos, muito menos no mar, a empresa derrotou a Amoco.

Bush deixou de beber aos 40 anos, ao temer que isso viesse a prejudicar a eleição do pai. Casou-se aos 30, depois de ter sido dispensado por uma noiva milionária e independente.

Entre as namoradas de um período que chamou de "nômade" esteve Tina Cassini. Era filha da atriz Gene Tierney, parente torta do petromilionário que serviu de modelo para o personagem Jett Rink, representado por James Dean no filme "Assim Caminha a Humanidade".

George W. enfrenta esse pedaço do seu passado com o seu melhor estilo: "Quando eu era jovem e irresponsável, eu era jovem e irresponsável".

Já não era jovem quando o sobrenome o afastou da Guerra do Vietnã. Seu pai se alistara na Marinha e combatera na Segunda Guerra no Pacífico, onde seu avião foi derrubado.

George W. alistou-se e pilotou caças da Guarda Nacional do Texas, sob os céus do Texas. Seu melhor biógrafo, Bill Minutaglio, autor de "First Son" (primeiro filho), livro do qual foram tiradas quase todas as informações deste texto, informa: "Em Houston, os filhos das famílias politicamente poderosas informavam-se a respeito das vagas existentes na Guarda Nacional". O 147º Grupo de Caça, onde George W. serviu, foi apelidado de "Unidade do Champanhe".

Bebeu menos que Edward Kennedy. Quando bateu com o carro, atropelou uma lata de lixo enquanto uma barbeiragem do atual senador matou a secretária que o acompanhava. Galinhou menos que John, mas as famílias de políticos conservadores não geram lendas românticas.

A maneira como George W. Bush costurou (e teve costurado) o seu triunfo político começou em 1977. Começou disputando uma cadeira na Câmara dos Deputados. Ganhou a prévia do Partido Republicano derrotando o candidato apoiado por Ronald Reagan, futuro candidato a presidente. Perdeu essa eleição para o candidato democrata. Curiosidade: Bush tinha 8.000 votos de frente quando telefonou para o adversário dizendo: "Você levou". Perdeu -lisamente- por menos de 7.000 votos.

Surpreendeu a imprensa tornando-se mais conservador que o pai e teve a audácia de aproximar-se da direita cristã, de quem os republicanos cosmopolitas preferem guardar distância. Numa outra diferença, pega pesado. Transformou-se num craque para organizar campanhas e criou fama de não fazer prisioneiros.

Em 1993 sua família vivia um inferno astral. O pai fora despejado da Casa Branca pelo improvável Bill Clinton. Seu irmão estava metido num escândalo financeiro e a matriarca Dorothy Walker Bush, sua avó, acabara de morrer. Ele próprio fora acusado de ter participado de um esquema de manipulação de ações.

Nessa hora, com a popularidade de Clinton em alta, George W. decidiu disputar o governo do Texas, enfrentando Ann Richards, uma das maiores raposas do Partido Democrata. Ela parecia reeleita, fosse qual fosse o candidato republicano. Tinha o apoio da gente bonita, Sharon Stone inclusive.

A vovó de cabelos prateados (que também tinha bebido aquilo que a vida lhe dera direito) viu-se transformada numa ameaça à família texana. Semanas antes da eleição ela tinha 60% nas pesquisas. Contados os votos, George W. teve 54% e reelegeu-se com 69%.

Prometendo e entregando, jogou-se numa campanha pela descentralização do ensino público, defendeu a legislação "anti-sodomita", a pena de morte e cadeia, muita cadeia, para os delinquentes. Só neste ano o Texas executou 39 condenados, a maior marca desde 1862, quando o Minnesota enforcou, de uma só vez, o mesmo número de índios. Baixou de 16 para 14 anos a responsabilidade criminal em casos de delitos graves e criou 2.360 novas vagas nos centros de detenção de menores.

Defendeu cortes nos benefícios sociais e redução de impostos. Criou um dia de feriado tributário durante o qual uma família que gasta US$ 1.000 em roupas baratas deixa de pagar US$ 86 em impostos. Elevou substancialmente a capacidade de leitura e os conhecimentos de matemática das crianças. Hoje a garotada branca e negra do Texas está em primeiro lugar nos testes; os hispânicos, em sexto. Vetou uma lei que garantia a excelência do atendimento para os doentes de câncer. Deixou o Texas abaixo da média nacional americana nos indicadores de pobreza, atendimento médico e assistência social. Adora repetir: "O governo não detém o monopólio da compaixão".

Tinha tudo para dar certo e passou a maior parte de sua vida dando errado. Elegeu-se presidente dos Estados Unidos numa disputa embaralhada que jogou sobre a sua administração uma carga inédita de curiosidade. O que é que ele vai fazer? Como diz o próprio presidente eleito: "Vamos a ver".
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página