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25/12/2000 - 00h47

História domina o debate político na Alemanha

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ROGER COHEN
do "THE NEW YORK TIMES"
em Berlim
publicado na Folha de S.Paulo

Talvez fosse inevitável para os políticos alemães confrontarem o passado no retorno do retiro em Bonn para uma capital emotiva como Berlim. Mesmo assim poucos esperavam que a história e a identidade da Alemanha se tornassem a linha de frente da batalha política entre o PSD (social-democratas, governo) e a CDU (democratas-cristãos, oposição).

Mas é exatamente isso o que está acontecendo na metade do mandato de quatro anos do chanceler (premiê) Gerhard Schroeder. Os democratas-cristãos adotaram a nação, o patriotismo e o que vagamente chamam de cultura alemã como nova bandeira; os social-democratas os acusam de flertar com os valores nazistas.

Na raiz desse conflito está um fato central da atual política alemã: Schroeder apoderou-se com sucesso da plataforma da CDU. Ao direcionar seu partido claramente para o centro, abraçando os valores do mercado e adotando a linguagem dos grandes negócios, Schroeder deixou a oposição de centro-direita procurando uma agenda.

Numa análise mais profunda, o conflito reflete as mudanças que vêm ocorrendo, desde o fim da Guerra Fria, na visão que a Alemanha tem de si mesma.

A unificação e a transferência da capital de Bonn para Berlim, uma mudança sentimental, gerou o desejo entre alguns alemães de questionar os tabus pós-guerra que cercam o orgulho nacional.

"O que está ficando claro hoje em dia é que nossa identidade ainda é insegura", disse Hans von Stackelberg, um diplomata alemão. "Bonn representava um afastamento de muitas coisas, entre elas da história. Agora estamos diante dela", afirmou.

O encontro é, obviamente, incômodo. Os democratas-cristãos intensificaram os apelos por uma rejeição do "multiculturalismo" de uma Alemanha com 7 milhões de estrangeiros em favor de um orgulho nacional alemão ainda não claramente definido.

"Só quando pudermos falar novamente de um conceito como pátria alemã sem gerar críticas é que seremos levados a sério por nossos parceiros internacionais", disse recentemente a líder da CDU Angela Merkel.

Trata-se de um comentário pouco comum para um partido que passou vários anos sob o comando do ex-chanceler Helmult Kohl, que defendia a União Européia como a cura necessária para o nacionalismo germânico. Mas ele marca a distância que os democratas-cristãos percorreram desde a partida de Kohl para encontrar uma idéia boa de voto.

Eberhard Diepgen, o prefeito democrata-cristão de Berlim, expressou o novo pensamento do partido ainda mais claramente. Segundo ele, famílias muçulmanas vivendo na Alemanha devem reconhecer os valores culturais do cristianismo e do humanismo. "Isso não é uma rejeição da fé islâmica. É uma limitação ao Estado islâmico", afirmou.

Entre os mais de 7 milhões de estrangeiros que vivem na Alemanha -cerca de 9% da população- há mais de 2 milhões de turcos, muçulmanos em sua grande maioria. Foi essa forte presença turca que provocou, em parte, o atual debate sobre a identidade cultural alemã.

Irritado com o tom da campanha democrata-cristã, Schroeder vinculou recentemente, de forma implícita, os democratas-cristãos aos nazistas.

A comparação traçada pelo chanceler é uma mostra das paixões que o tema desperta.
"A última vez que a Alemanha cedeu às seduções do nacionalismo, social-democratas sofreram e morreram combatendo o fascismo", disse Schroeder, enfatizando que a Alemanha precisa ser mais internacional e mais moderna, evitando sucumbir a idéias ultrapassadas de uma "Leitkultur" (cultura guia) alemã.

Essa palavra, profundamente perturbadora para muitos alemães porque a noção de uma cultura guia evoca lembranças da ideologia de Hitler, foi registrada na plataforma eleitoral dos democratas-cristãos.

De certa forma, o atual debate surpreende. Ao reformar a lei da cidadania, no ano passado, para facilitar o acesso dos estrangeiros que vivem no país à cidadania alemã, o país parecia ter superado a velha visão de uma nacionalidade definida apenas pelos laços étnicos e de sangue.

"Coisas que já estavam claras estão ficando confusas novamente", disse ao jornal "Sueddeutsche Zeitung" o respeitado historiador Heinrich Winkler. "Depois da reforma da lei da cidadania, o conceito alemão de nação não é mais um conceito étnico-linguístico-cultural. É político", acrescentou.

Isso pode ser oficialmente verdade. Mas os democratas-cristãos estão, obviamente, apostando que no coração dos alemães comuns persistem ressentimentos e mágoas suficientes para tornar sua plataforma sedutora.

Algumas evidências respaldam essa visão. Roland Koch, o governador do Estado de Hesse, ganhou a eleição no ano passado combatendo justamente as leis mais liberais de cidadania. Mas os democratas-cristãos continuam atrás dos social-democratas nas pesquisas de opinião por pelo menos cinco pontos percentuais.

Muitos empresários que tradicionalmente apóiam os democratas-cristãos ficaram irritados com o tom do partido, porque estão conscientes da necessidade da Alemanha de atrair talentos internacionais.

Num relatório no mês passado, o Instituto Alemão para a Pesquisa Econômica disse que o número de imigrantes de fora da União Européia precisa aumentar para que a força de trabalho do país se mantenha estável à medida que os alemães vão envelhecendo.

É precisamente esse tipo de imigração, no entanto, que os democratas-cristãos dizem levar a uma "sociedade multicultural" e a "valores arbitrários". Na opinião deles, os social-democratas tornaram-se os "aliados de uma pátria perdida".
 

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