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27/05/2001 - 12h46

Putin investe na imagem e resgata o "orgulho russo"

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JOÃO CARLOS ASSUMPÇÃO, em Moscou

O estilo sisudo e reservado de ex-agente da KGB, o antigo serviço secreto da URSS, começa a ser deixado de lado. Pouco mais de um ano depois de ter vencido as eleições para presidente da Rússia, Vladimir Putin é outro. Ou, pelo menos, é outra a imagem que ele está tentando passar.

Como vários líderes do antigo regime comunista, o atual presidente decidiu investir com força no culto a sua personalidade. Só que de um jeito novo para os padrões locais.

O presidente russo tem aparecido em programas de TV e abordado não apenas projetos de governo e a situação econômico-social do país, como fazia até o ano passado, mas também sua vida pessoal, expondo com maior frequência sua mulher, Lyudmila, e suas filhas, Masha e Katya.

Tenta difundir a imagem de um homem de família, "que vive como todo mundo", conforme explicação de Andrei Illarianov, consultor econômico e um dos principais assessores de Putin, defensor do novo estilo adotado pelo líder russo.

O resultado é que, apesar de o país continuar indo mal, a popularidade do presidente vai bem -ele é tido como responsável pelo resgate do "orgulho de ser russo", segundo pesquisas de opinião.

""Ele está se expondo ao público como nenhum outro líder da Rússia ou da ex-União Soviética se expôs", disse Natalya Timakova, co-autora de um livro sobre o presidente russo.

"Ficamos conversando com ele, mais de 24 horas, em seis ocasiões, nas quais pudemos abordar desde questões pessoais, como família, infância e privações, até temas políticos, militares e econômicos", contou Timakova. "Ele se abriu de uma maneira impressionante. Nós perguntávamos o que queríamos, e ele respondia. Sem receio."

Em suas aparições públicas, não são raras as vezes em que Putin aparece contando piadas, boa parte das quais sobre os líderes comunistas da ex-URSS.

Embora diga que costuma usá-las para transmitir ""alguma lição de vida" a seus compatriotas, as brincadeiras estão servindo como um toque a mais para ""humanizar o presidente" e aumentar a popularidade de seu governo.

A piada preferida de Putin envolve Leonid Brejnev, que comandou a União Soviética entre 1964 e 1982, período conhecido como o da "grande estagnação", pelo imobilismo e pela corrupção que marcaram sua passagem pelo Kremlin.

"Numa visita à Casa Branca, ele gostou de uma ponte mostrada por Jimmy Carter (presidente dos Estados Unidos entre 1977 e 1981). E aí Carter lhe disse: "São cinco pistas de cada lado, mas, pelo projeto inicial, seriam dez". Brejnev ficou assustado e lhe perguntou: "Onde estão as pistas que faltam?" Carter lhe respondeu: "Estão todas aqui", e apontou para a mobília da Casa Branca."

"Quando Carter retribuiu à visita e veio a Moscou, Brejnev fez as honras da casa e lhe mostrou as principais atrações da cidade. Depois lhe perguntou: "Viu aquela ponte monumental?". Assustado, Carter disse que não vira ponte alguma. Mas Brejnev o acalmou, dizendo que não se tratava de problema de visão: "É que ela está toda aqui", explicou, apontando para o mobiliário do Kremlin."

Ao contar a piada, Putin pode dar a impressão de que está combatendo com eficácia a corrupção no país, uma das principais metas de sua administração.

Mas, pelo jeito, não é bem assim. O combate à corrupção não é considerado um ponto forte de seu governo, pelo menos de acordo com pesquisa encomendada pela TV6, um canal independente, propriedade do empresário Boris Berezovsky, ele próprio acusado de envolvimento com a máfia russa.

Mais corrupção

Para 45,6% dos entrevistados, a corrupção hoje na Rússia é tão forte como há dois anos, antes de Putin assumir o governo -ele se tornou presidente em dezembro de 1999, após a renúncia de Boris Ieltsin, tendo sido eleito em março do ano passado, com 52% dos votos, obtidos no primeiro turno. Para 25,4% dos que responderam ao questionário, a corrupção aumentou entre 1999 e 2001.

A porcentagem dos que acham que a corrupção caiu na gestão de Putin é menor -18,5%. Do total, 10,5% não quiseram ou não souberam responder à questão.

A situação econômica da população tampouco melhorou. De 3.448 pessoas entrevistadas para a pesquisa, 20,8% disseram viver hoje em condições piores do que em 1999, quando o país tentava se recuperar da grave crise que o atingira em agosto do ano anterior, mês em que decretou uma moratória da dívida externa e promoveu violenta desvalorização do rublo.

Para 8,4%, as condições de vida na Rússia de Putin são muito piores. Dos entrevistados, 39,3% acham que não houve mudança. Dizem ter melhorado de vida 16,1%, enquanto 8,2% acham que melhoraram muito. Não souberam ou não quiseram responder 7,2%.

Auto-estima

Mesmo assim, a popularidade de Putin continua em alta. Ainda de acordo com a pesquisa, por dois motivos principais. O primeiro, a nova campanha na Tchetchênia, iniciada em 1999, pela qual o Exército russo está combatendo os rebeldes separatistas, recuperando-se da guerra entre 1994 e 1996, quando teve que se retirar da região. O segundo, o fato de Putin estar recuperando a auto-estima da população russa.

Para 56,3% dos entrevistados, a principal característica de Putin é a firmeza na tomada de decisões, enquanto 51,8% dizem ter orgulho de serem comandados por um líder forte como ele.

"A Rússia tem problemas, mas ainda é a Rússia", disse à Folha o engenheiro Valentim Nemtsov, 32, que votou em Putin nas últimas eleições. ""As mudanças têm de ocorrer, mas não podem ser tão rápidas assim. A Tchetchênia é um símbolo disso. Se a gente deixasse os tchetchenos se separarem, estaríamos abrindo uma brecha para a Rússia acabar de vez. Iríamos ter o mesmo fim da Iugoslávia."

Youri Tarasov, 21, estudante de direito, é contrário à campanha na Tchetchênia, mas ainda assim defende o governo de Putin. ""Internamente, os problemas continuam e vão continuar por muito tempo. Antes a corrupção era centrada no Estado, agora se disseminou, porque o poder econômico se espalhou também. Mas, externamente, acho que ele [Putin" está indo bem. Consegue impor respeito. Bem ou mal, está mandando um recado: a Rússia tem de ser ouvida."

É o que também acha a psiquiatra Katerina Franz, 26, que mora há 18 em Moscou. ""Não sou contra os Estados Unidos nem acho que devamos criticá-los por criticá-los. Mas o mundo precisa de alguém que possa se contrapor ao que eles dizem. Se a história do partido único não deu certo na URSS, por que o mundo deve ter uma só nação fazendo as regras?", perguntou.

"Se os outros países não dizem nada, a Rússia tem de falar. E, sinceramente, acho que Putin seria um bom porta-voz."

 

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