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04/09/2001 - 02h57

No Sudão, drama da escravidão atinge milhares de pessoas

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PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S. Paulo

A cada ano, milhares de sudaneses -em sua maioria mulheres e crianças- do sul do país são capturados, levados para o norte e forçados a trabalhar.

Grupos de defesa dos direitos humanos afirmam que há dezenas de milhares de escravos no Sudão, a maioria trabalhando para muçulmanos nas Províncias de Darfur e Kordofan.

As crianças contam histórias de violência, estupro e assassinato. "Fui capturada, amarrada e forçada a andar para o norte. No caminho, fui esfaqueada porque eu não conseguia acompanhar os outros. Muitos homens me estupraram. Meu senhor cortou meu órgão genital com uma tesoura", diz Ahok Akot Akot, 12.

Embora se negue a usar o termo escravidão, Cartum afirma ter posto em prática medidas para acabar com os "sequestros". Grupos oposicionistas dizem não ver nenhuma iniciativa.

Segundo várias ONGs que lidam com a questão, a maior parte das vítimas é cristã ou animista e originária do Estado de Bahr al Ghazal, perto da "fronteira" entre o norte e o sul.

Desde a década de 80, o país vive uma guerra civil entre forças leais ao governo, que quer impor o que vê como lei islâmica em todo o Sudão, e rebeldes do sul, que seguem o cristianismo e cultos animistas e lutam por mais autonomia. Estima-se que a repressão à rebelião no sul e a fome, agravada pela seca, tenham causado a morte de 1,5 milhão de pessoas e provocado o deslocamento forçado de 5 milhões desde o início da guerra. O país tem 27 milhões de habitantes.

A ONG de defesa dos direitos humanos Solidariedade Cristã Internacional (SCI), com sede na Suíça, afirma ter libertado mais de 11 mil cativos desde 1995.

"Pagamos em geral US$ 33 por pessoa, o preço de duas cabras, em dinheiro", diz o presidente da SCI, Hans Stuckelberger.

Os críticos da prática de comprar escravos para depois soltá-los afirmam que ela estimula o comércio de escravos.

"Com até US$ 50 por escravo em um país em que a maior parte das pessoas sobrevive com menos de US$ 1 por dia, essa prática estimula o tráfico e a criminalidade", diz o Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância e Adolescência).

Ex-escravo
Francis Piol Bol Bok tinha sete anos quando foi feito escravo. Na cidade de Gorian (sudoeste do Sudão), costumava ir ao mercado para vender ovos e feijão.

Num desses dias, a região foi invadida por "recrutadores", que amarraram as crianças a burros para a viagem que fariam em direção ao norte; as crianças consideradas pequenas demais eram colocadas em cestos puxados pelos animais. Todas foram levadas para um mercado de escravos em Kirio, onde havia centenas de recém-capturados; Bok foi ofertado ao irmão do líder dos "recrutadores".

"Aquele homem me levou para a casa dele e disse à família para me bater e me chamar de escravo, escravo", afirma Bok.

Depois de sete anos de maus-tratos, durante os quais teve de dormir com os animais do "senhor", o sudanês tentou fugir pela primeira vez. Com marcas na testa que o identificavam, foi rapidamente capturado e, em seguida, espancado.

"Eles me disseram que, se eu tentasse escapar novamente, eles me matariam", relata. "Mas eu sabia que eu teria de fugir. Quando você chega aos 16 ou 17 anos, eles começam a achar que você pode representar algum tipo de ameaça e o matam."

Logo após ter completado 17 anos, Bok fugiu e conseguiu uma carona com um caminhoneiro até alcançar a capital sudanesa, Cartum. Depois de ser torturado por agentes de segurança do governo, segundo conta, conseguiu escapar para o Egito. Em 1998, obteve o status de refugiado.

Hoje, com 21 anos, é membro do Grupo Americano Anti-Escravidão, baseado em Boston.

Leia mais no especial sobre a conferência da ONU

 

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