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13/09/2001 - 09h23

Gerald Thomas: "The Day After"

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GERALD THOMAS
especial para a Folha de S.Paulo

Às 5h, sem conseguir dormir e tomado pelo assunto que dominou meu dia e fez da minha janela o espetáculo mais horrendo que já vi, não resisti e resolvi atravessar a ponte a pé.

Tinham fechado as pontes, os túneis e os metrôs. Todos os acessos a Manhattan estavam bloqueados. Enquanto atravessava a ponte de Williamsburg a pé, não parava de olhar para o meu lado esquerdo, onde, um dia antes, ainda estavam as torres do WTC.

Quanto mais perto, mais o cheiro se tornava insuportável. Desci pela Delancey e fui contornando pelo Bowery e Chinatown, Park Row, sabendo que o policiamento mais ostensivo estava na Broadway e na Church Street.

Finalmente cheguei ao local. Acho que o impacto foi ainda maior. Mais uma vez, nenhuma palavra traduz aquilo. Eram centenas (talvez milhares) de "rescue workers" trabalhando sob luzes brancas de geradores. O lugar parecia nevado de cinza.

Só quando cheguei percebi a dimensão real da coisa. A horrenda proporção que eu não havia visto da minha janela durante o dia, nem mesmo durante a transmissão da TV. Downtown Manhattan é um enorme escombro.

Tudo em volta do que era o WTC foi lambido, destruído ou semidestruído junto. Eu contei umas 14 torres derretidas e carros desfigurados em posições que nem o mais conceitual dos artistas conceituais conseguiria criar.

Sentei na calçada empoeirada. Cobri a minha cara por causa da poeira e das cinzas e do fedor de morte e fiquei, aos prantos, catando alguns papéis que voavam.

Li trechos de cartas pessoais, arquivos de empresas, encontrei relógios, carteiras, pedaços de escritório. Mas o que mais me impressionou foi uma mesa praticamente intacta. Ela parecia ainda conter a alma de quem a usava.

Só me lembro de uma calma e um silêncio iguais quando visitei o campo de concentração de Auschwitz. No Holocausto, perdi oito parentes. No de ontem (até onde sei), perdi meu advogado e toda a sua equipe, cujo escritório ficava no 56º andar da torre 1.

Andei pela região que hoje é chamada de World Financial Center, onde moram vários amigos, mas tudo tinha se transformado em escombro. Voltei a pé e cheguei de Williamsburg por volta das 8h. Tomei um café da manhã no Read Cafe. Não havia música ali (sempre há) e ninguém falava. O café estava mais amargo, e a volta para casa, mais triste.

Em breve voltaria ao Brasil, para iniciar um novo semestre de trabalhos no Sesc do Rio. Mas não tenho coragem de deixar isso para trás. Algum senso estranho de patriotismo e de dever cívico parece me manter aqui. No dia seguinte, isso parece ainda mais nítido e macabro do que enquanto o evento acontecia.

"Message without a bottle"
Dentro da tragédia existe sempre um lado lúdico. Há algumas horas, comecei a notar um movimento estranho em frente à minha casa. Pessoas corriam em direção ao rio. Pensei no pior, talvez outro ataque ou coisa semelhante.

Nada disso. As pessoas estavam correndo porque começaram a aparecer, flutuando na margem do rio, destroços que eu suponho sejam do impacto da explosão do segundo avião contra o WTC.

Desci e fui checar. De fato, eram milhares de pedacinhos de madeira, restos de mesas, móveis, plástico de computador, carpetes incinerados, papéis e mais papéis.

A população catava esses pedaços de triste lixo histórico como se fossem pequenas lembranças e lembretes de um episódio inesquecível. Certamente esse "lixo" será exposto com orgulho do lado dos retratos e dos troféus que servem para nos lembrar o quanto somos feitos de saudades.


Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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