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14/09/2001 - 04h00

Gerald Thomas: "Red Alert"

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GERALD THOMAS
especial para a Folha, em Nova York

Eu ia começar a escrever um artigo sobre o comportamento da vizinhança aqui em Williamsburg. Mas, de repente, com um único telefonema, surtei. "Surtar" acontece várias vezes ao dia, quando não se sabe mais nada. A imprensa americana está sob controle do governo e a mídia televisiva também. Não é censura, é "common sense". Precisa-se manter a população calma. Não se sabe ainda se o que aconteceu foi ato terrorista ou algo maior.

Explico esse último "surto": nesse minuto em que escrevo, a Times Square está sendo evacuada. E não pela polícia nem pela National Guard, e sim pelo Exército, com equipamentos e máscaras contra ameaça bacteriológica.

Essa é a situação psicológica hoje. Ninguém sabe o que é boato ou verdade. Uma certa histeria toma conta de todos a cada sirene que toca.
Mas tem algo mais sério: entre a madrugada e a manhã de ontem (sei de fonte absolutamente segura), a Costa Leste estava em "red alert".
Pessoalmente, recebi uma comunicação oficial de um departamento especial da segurança local de que eu deveria me dirigir calmamente para o abrigo nuclear do Battery Park Tunnel.

Só posso dizer que esse "silêncio temporário" brinca com os nossos nervos como se fôssemos uma máquina de "pinball". Esse "vácuo" invisível e intocável nos faz pensar, conjecturar e entrar em pânico a cada segundo.

De madrugada mesmo, enquanto recebia a noticia do "red alert", eu olhava pela janela para o Empire State Building que, durante o dia, foi evacuado por causa de um possível trote e vi um objeto voando baixo em direção a ele. Comecei a berrar. E berrei à toa. Era um helicóptero voando em sua altura normal e, depois que passou pelo prédio, me dei conta do estado de histeria em que estamos vivendo.

O telefone não pára. Além do meu advogado e sua equipe, estou começando a perceber que perdi outros amigos, moradores no pequeno aterro exclusivérrimo, chamado de World Financial Center.

Um grande amigo e vizinho meu (na verdade, o proprietário original do meu apartamento), Mike Lee, que combateu na Coréia e no Vietnã e hoje é um quase anarquista com um temperamento que varia de grande chefão da Máfia ao pai mais carinhoso do mundo, estava me dizendo hoje: "O que é difícil para o mundo entender é que o ataque traz conotações psicológicas e emocionais muito mais conectadas à perda de algum familiar querido do que um mero prédio".

A população está temerosa com os movimentos desse presidente despreparado. Sei que aqui atrás reside uma outra América ultraconservadora que adoraria que explodíssemos o mundo inteiro, que exibíssemos o verdadeiro tamanho do nosso pau ereto. Mas o que a população mais cosmopolita e educada da grande metrópole sabe é que não existe pau ereto algum. Vivemos um "Viagra Falls", a mais simples impotência.

O medo é que uma barata tonta esbarre num botão vermelho, o que representaria o fim de tudo. Ironicamente, durante a Guerra Fria, isso não aconteceu. Enquanto tínhamos inimigos "visíveis", a flexibilidade da barganha era enorme e dependia só do enxadrista econômico e de "fair play".

Mas o que fazer quando tento confortar os que ligam querendo respostas? Digo que está tudo calmo. E está. Mas sei que esse pode ser nosso último dia.

Quer saber? Vou para a esquina comer um belo balde de sorvete. E vou degustá-lo na beira do píer enferrujado aqui em frente, com a calça arregaçada e os pés na água morna do East River, como se fosse um daqueles pescadores malucos que jogam a rede no rio Tietê e esperam pegar um belo salmão já marinado.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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