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15/09/2001
-
03h22
GERALD THOMAS
especial para a Folha, em Nova York
Um dos problemas menos comentados nessa tragédia são as pessoas que estão desaparecidas. Não falo dos mortos desaparecidos. Falo dos que sofreram ataques de pânico e amnésia perante o ataque e estão perdidos, vivos, mas perdidos, perambulando.
Andando pelas ruas do East Village, em Manhattan, vê-se em quase todo poste de luz uma foto e informação de pessoas que sequer estavam perto da área chamada de "ground zero".
A polícia estima em quase mil essas pessoas dentro da ilha de Manhattan, apáticas em algum ponto obscuro, quem sabe debaixo da George Washington Bridge, lado oposto do local do ataque.
São os zumbis. Ando pelas ruas olhando bem na cara das pessoas, consciente de que uma entre elas pode ser a foto no poste. É difícil dizer. A expressão de vazio está na cara de quase todos os jovens. Os mais velhos têm algo de revanche em sua Gesthalt.
Há aqueles que sentem orgulho pelo tamanho do machucado que a nação sofreu, sem que sua fundação ou seus princípios tenham sido abalados. E há aqueles que fazem fila para aplaudir os verdadeiros heróis, ou seja, bombeiros, polícia e equipes de salvamento.
Sim, eles merecem a maior ovação do mundo, seu único lema é a sobrevivência da população. Isso é uma coisa muito americana e que poucas outras nacionalidades entendem. É uma espécie de heroísmo que muitas vezes vejo sendo ridicularizado por nações com menos auto-estima. Mais uma vez provam que são -e merecem ser- a espinha dorsal de uma sociedade cultivada, evoluída.
Infelizmente, os políticos não são assim. É difícil acreditar no que dizem. Existe um "acting", um jogo sendo jogado o tempo todo, o incessante jogo de interesses, suas lutas internas e seus conchavos, mesmo perante tamanha tragédia. Ao contrário dos verdadeiros heróis da brigada de incêndio, os políticos têm de mostrar seu serviço por meio da retórica.
Esse império das meias-verdades é tão traiçoeiro que os dois evidentes "inimigos número 1" do país foram financiados, numa triste ironia do passado, pelo dinheiro ganho pela retórica e pelo jogo de interesses desses políticos.
É o caso de Bin Laden, usado contra os russos no Afeganistão, e o de Saddam Hussein, colocado lá para "afundar" o fundamentalismo fanático do aiatolá Khomeini.
Todos são íntimos e esse ataque há de revelar uma caça à própria cria que se soltou e se rebelou violentamente. Tragédia ainda maior é o curso da própria história, suas justificativas mentirosas, vidas descartáveis e valores efêmeros.
Bin Laden e Hussein também são zumbis, já que se escondem na sombra e vivem em tocas kafkianas, escapando e vagando como eternos covardes.
O nova-iorquino teve mais uma prova do orgulho que reina entre o povo dessa cidade e seus verdadeiros heróis fardados. E, passado o primeiro impacto desse inesquecível capítulo da história, o que estará em jogo será a conotação que o termo "reconstrução" tomará nos próximos dias.
Reconstruir não é erguer novos prédios ou limpar as ruas.
A "reconstrução" será um árduo processo. Ele depende do embasamento cultural de seus líderes.
Fiquei de manhã fazendo "relief work" perto do "ground zero". Caía um dilúvio como raramente vi. Terror e dilúvio e nenhum Noé ou arca à vista. Ninguém parava de trabalhar. E de bom humor.
O solo ficou mais pesado pela chuva e várias estruturas de metal "derrapavam", ferindo as equipes de salvamento, que não deram o braço a torcer um só momento. Parabéns a todos, santo Deus.
Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
Gerald Thomas: "Nação Zumbi"
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especial para a Folha, em Nova York
Um dos problemas menos comentados nessa tragédia são as pessoas que estão desaparecidas. Não falo dos mortos desaparecidos. Falo dos que sofreram ataques de pânico e amnésia perante o ataque e estão perdidos, vivos, mas perdidos, perambulando.
Andando pelas ruas do East Village, em Manhattan, vê-se em quase todo poste de luz uma foto e informação de pessoas que sequer estavam perto da área chamada de "ground zero".
A polícia estima em quase mil essas pessoas dentro da ilha de Manhattan, apáticas em algum ponto obscuro, quem sabe debaixo da George Washington Bridge, lado oposto do local do ataque.
São os zumbis. Ando pelas ruas olhando bem na cara das pessoas, consciente de que uma entre elas pode ser a foto no poste. É difícil dizer. A expressão de vazio está na cara de quase todos os jovens. Os mais velhos têm algo de revanche em sua Gesthalt.
Há aqueles que sentem orgulho pelo tamanho do machucado que a nação sofreu, sem que sua fundação ou seus princípios tenham sido abalados. E há aqueles que fazem fila para aplaudir os verdadeiros heróis, ou seja, bombeiros, polícia e equipes de salvamento.
Sim, eles merecem a maior ovação do mundo, seu único lema é a sobrevivência da população. Isso é uma coisa muito americana e que poucas outras nacionalidades entendem. É uma espécie de heroísmo que muitas vezes vejo sendo ridicularizado por nações com menos auto-estima. Mais uma vez provam que são -e merecem ser- a espinha dorsal de uma sociedade cultivada, evoluída.
Infelizmente, os políticos não são assim. É difícil acreditar no que dizem. Existe um "acting", um jogo sendo jogado o tempo todo, o incessante jogo de interesses, suas lutas internas e seus conchavos, mesmo perante tamanha tragédia. Ao contrário dos verdadeiros heróis da brigada de incêndio, os políticos têm de mostrar seu serviço por meio da retórica.
Esse império das meias-verdades é tão traiçoeiro que os dois evidentes "inimigos número 1" do país foram financiados, numa triste ironia do passado, pelo dinheiro ganho pela retórica e pelo jogo de interesses desses políticos.
É o caso de Bin Laden, usado contra os russos no Afeganistão, e o de Saddam Hussein, colocado lá para "afundar" o fundamentalismo fanático do aiatolá Khomeini.
Todos são íntimos e esse ataque há de revelar uma caça à própria cria que se soltou e se rebelou violentamente. Tragédia ainda maior é o curso da própria história, suas justificativas mentirosas, vidas descartáveis e valores efêmeros.
Bin Laden e Hussein também são zumbis, já que se escondem na sombra e vivem em tocas kafkianas, escapando e vagando como eternos covardes.
O nova-iorquino teve mais uma prova do orgulho que reina entre o povo dessa cidade e seus verdadeiros heróis fardados. E, passado o primeiro impacto desse inesquecível capítulo da história, o que estará em jogo será a conotação que o termo "reconstrução" tomará nos próximos dias.
Reconstruir não é erguer novos prédios ou limpar as ruas.
A "reconstrução" será um árduo processo. Ele depende do embasamento cultural de seus líderes.
Fiquei de manhã fazendo "relief work" perto do "ground zero". Caía um dilúvio como raramente vi. Terror e dilúvio e nenhum Noé ou arca à vista. Ninguém parava de trabalhar. E de bom humor.
O solo ficou mais pesado pela chuva e várias estruturas de metal "derrapavam", ferindo as equipes de salvamento, que não deram o braço a torcer um só momento. Parabéns a todos, santo Deus.
Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
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