Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
16/09/2001 - 03h56

Márcio Santilli: Clima de confronto no planeta Terra

Publicidade

MÁRCIO SANTILLI
especial para a Folha

George W. Bush, logo após a posse na Presidência, anunciou que os EUA não ratificariam o Protocolo de Kyoto. A prioridade absoluta do seu governo seria, pelo menos até os atentados que destruíram o World Trade Center e atingiram o Pentágono, o reaquecimento da economia, não importando os impactos que essa estratégia traria para o ambiente, dentro e fora dos EUA.

A decisão de Bush, que preserva suas relações com a indústria do petróleo e outros segmentos da economia suja, causou protestos e indignação em todo o mundo. Essa posição representou um golpe no avanço das negociações internacionais visando a redução das emissões de gases de efeito estufa.

A conferência sobre clima (COP-6), que se realizou em Haia em novembro passado, já havia fracassado na tentativa de regulamentar e fazer avançar o processo de ratificação do Protocolo de Kyoto. Naquela conferência, os EUA ainda se dispunham a negociar. Com Bush, nem isso.

No entanto, na última parte dessa conferência, realizada em Bonn em julho, após o anúncio de Bush, a União Européia liderou as negociações para que se chegasse a um acordo mesmo sem os EUA. Foram feitas várias concessões ao Japão, Canadá e Austrália, aliados dos EUA nas negociações anteriores, para que fosse possível reunir apoio suficiente para a ratificação do protocolo. Para entrar em vigor, ele precisa ser ratificado por um conjunto de países que represente pelo menos 55% das emissões mundiais de gases-estufa.

O acordo de Bonn, que será detalhado e concluído na próxima conferência (COP-7), que se realizará mês que vem no Marrocos, implicará uma redução da meta de corte de emissões, que seria de 5,2% nos termos do que havia sido acordado em Kyoto, mas que agora não deve passar dos 2%.

Com os Estados Unidos fora do acordo e as metas gerais reduzidas, o MDL -ou Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, que prevê a participação de países em desenvolvimento- ficou enfraquecido. Menos recursos serão investidos pelos ricos em projetos nos países em desenvolvimento para compensar partes das suas metas de redução de emissões que não fossem alcançadas nos seus próprios territórios. Com o acordo de Bonn, a participação do Brasil nos esforços internacionais para combater o efeito estufa ficou muito limitada.

Se as medidas de Bush para reaquecer a economia americana não surtirem efeitos e a recessão se impuser, isso pode implicar redução do nível atual das emissões nos EUA. Mas não há garantia de que a recessão, com previsíveis efeitos globais, evite o aumento de atividades econômicas com alto volume de emissões. Assim como não se pode imaginar que, num contexto de recessão global, cresçam os investimentos em alternativas energéticas e os esforços para a redução do desmatamento.

Por outro lado, se as medidas tiverem sucesso e o crescimento econômico for retomado nos EUA, Bush terá maior respaldo interno para prosseguir na estratégia desenvolvimentista sem responsabilidade com o clima, relegando um passivo ambiental ainda maior para futuras gerações.

A indignação da opinião pública mundial diante da postura de Bush é mais
do que justificada, mas não é suficiente para apontar uma saída. A única solução efetiva para a crise do clima mundial é a redução das emissões.
Isso exige mudanças na matriz energética dos países, substituindo o uso de combustíveis fósseis, como carvão e petróleo, por outras fontes de energia. Exige, também, mudanças no uso do solo e redução do desmatamento e das queimadas. O setor energético produz 3/4 das emissões mundiais de carbono e as demais vêm do setor florestal e agrícola.

A posição de Bush questiona os fundamentos científicos do protocolo, atualizados por relatórios do IPCC, painel internacional que reúne cientistas de vários países e é reconhecido pela ONU. Afirma que as metas de redução fixadas em Kyoto não são realistas.

A ratificação do protocolo seria apenas um primeiro passo para a solução dos problemas climáticos. As metas de redução de emissões acordadas estão muito aquém das apontadas como necessárias pelos cientistas.

Pior seria um eventual fracasso do protocolo, pois ele é o único parâmetro jurídico internacional disponível para efetivar a Convenção do Clima, firmada no Rio de Janeiro em 1992. Se com o protocolo a perspectiva é precária, sem ele não haveria horizonte de solução para a situação do clima. Assim, espera-se que os membros da ONU levem adiante a sua ratificação e que os EUA revejam a sua posição no futuro.

Milhões de pessoas sentem na pele os efeitos das mudanças climáticas. Pesquisas indicam que até mesmo nos EUA a maior parte da população discorda da postura de George W. Bush. Seria desejável que o apoio político internacional que agora busca propiciasse uma revisão dessa política excludente e irresponsável.

  • Márcio Santilli é coordenador do Projeto de Mudanças Climáticas do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e ex-presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio)

    Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página