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16/09/2001 - 04h10

Análise: Política externa acirra extremismos

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PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

Os atentados nunca teriam ocorrido se o conflito no Oriente Médio tivesse sido resolvido. O terrorismo não é um fenômeno de uma semana. Eu mesmo me surpreendi de que algo semelhante não houvesse se passado antes." A afirmação do rei Abdullah, da Jordânia, vai ao encontro da análise que cientistas políticos e especialistas em terrorismo fizeram à Folha, embora o monarca hachemita se expresse de forma bem mais enfática.

Nos últimos meses, Abdullah e o presidente do Egito, Hosni Mubarak, disseram reiteradas vezes a George W. Bush que o antiamericanismo alcançava níveis sem precedentes na região e que não descartavam atos de violência, apesar de não figurarem a dimensão da tragédia na Costa Leste.

À exceção do Iraque, os países islâmicos e os árabes condenaram publicamente as mortes, que podem chegar a milhares, mas a hostilidade em relação aos EUA cresce na região-berço de três importantes religiões monoteístas.

"Creio que os EUA sejam odiados no Oriente Médio, por causa de seu apoio acrítico, mais US$ 3 bilhões a US$ 4 bilhões por ano, sustentando incondicionalmente a ocupação israelense, incluindo o fornecimento de helicópteros, caças F-16 e mísseis usados para reforçar a ocupação", observa Phyllis Bennis, do Institute for Policy Studies, em Washington.

Enquanto se buscavam sobreviventes em Nova York, Israel invadia Jericó, primeira cidade palestina a se tornar autônoma na Cisjordânia (em 1994), com tanques e helicópteros. Em Jenin, ao menos 13 palestinos foram mortos e mais de cem ficaram feridos.

"Os EUA também são odiados porque armaram regimes repressores, que oprimem o próprio povo. Sem levar em conta o impacto das sanções na população civil do Iraque e os bombardeios quase diários ao país, que já duram dez anos. Tudo isso foi eliminado da cobertura jornalística nos EUA, mas não da consciência árabe."

Grupos extremistas surgiram em meio ao conflito israelo-árabe, que gerou ao menos cinco conflitos, ou em resposta à presença de tropas estrangeiras no golfo Pérsico, convocadas após a invasão do Kuait.
Outros combatem o regime de seu próprio país, como na Argélia, na Tunísia e no Egito.

Na Guerra Fria, os EUA apoiaram líderes anti-soviéticos, ditadores, incluindo sul-americanos, e o terrorista saudita Bin Laden.

"A cada nova guerra, os EUA se tornavam mais atrelados a Israel", diz o historiador israelense Avi Schlaim. Segundo o Jihad Islâmico, "os ataques são o resultado direto da política norte-americana".

Para o analista político Mohamad Mahr, "a estagnação do processo de paz fomenta o extremismo. Cerca de 1,2 milhão de palestinos vivem na faixa de Gaza, a maior "prisão" do mundo. É o ambiente ideal para o extremismo". Mahr afirma que "seria um ato de coragem repensar o papel do país na região, deixando de vetar o envio de observadores internacionais aos territórios ocupados".

Já Philip Heymann, ex-assessor do Departamento de Estado dos EUA, alega que "a política dos EUA no Oriente Médio não é muito bem-vista, mas não é possível prever se uma mudança na abordagem impediria a tragédia".

"Osamas"
"Precisamos dar prioridade à saúde, à educação e ao desenvolvimento econômico, ou novos "Osamas" vão continuar a surgir. Sem dúvida, o que outros povos pensam de nós deve ser levado em conta. Ser temido somente não é suficiente para garantir nossa segurança", afirma Jessica Stern, especialista em terrorismo e política externa de Harvard.

"Bin Laden teria dito na terça-feira que está pronto para morrer e que, se os militares norte-americanos conseguirem matá-lo, centenas de outros "Osamas" vão substituí-lo. Eu encontrei alguns desses "Osamas". Eles aparecem em muitos países e professam diversas religiões. Em geral, aderem a movimentos extremistas por um sentimento intenso de segregação", explica a especialista.

O islamismo não é a única religião que produz extremistas, de acordo com Stern, que cita ataques de judeus em Jerusalém, comuns antes da criação de Israel. Em 1946, 91 pessoas morreram na explosão do hotel King David.

"Qualquer um de nós é capaz de um comportamento extremista por uma causa que defendemos", argumenta o psicólogo norte-americano Clark McCauley, autor de "Pesquisando o Terrorismo".

O isolamento do Afeganistão, tal qual o do Iraque, favorece uma ideologia extremista. O Taleban, que controla quase todo o território afegão, patrocina execuções em praça pública, apedrejamentos e amputações. Sob seu jugo, as mulheres perderam os direitos civis e quase não têm acesso a atendimento médico público.

Para Amy Sands, diretora-assistente do Centro para Estudos de Não-Proliferação de Armas dos EUA e especialista em terrorismo, os ataques à Costa Leste tiveram como objetivo demonstrar a vulnerabilidade do país caso não modifique sua política externa.

Logo após a tragédia, foi reforçada a segurança em bases norte-americanas no Kuait. Adotaram-se medidas similares em todo o golfo Pérsico, onde os EUA mantêm até 25 mil tropas, que já foram alvo de bombas. Bases militares e embaixadas são constamente colocadas em alerta após receberem ameaças terroristas.

Em 1983, terroristas suicidas mataram 241 militares norte-americanos e quase cem franceses em Beirute, com uma diferença de sete segundos. Depois, vieram os ataques contra bases dos EUA na Arábia Saudita e a tentativa no ano passado de afundar o destróier USS Cole, no Iêmen.

De acordo com o xeque Jihad Hassan Hammadeh "atentados suicidas só são válidos em campos de batalha. Nesses locais, quem faz isso é visto como mártir. Em lugar que não é campo de batalha, a ação não é válida, apenas onde há uma guerra declarada. Aí a violência já está estabelecida".

Segundo a CIA, a natureza e a estrutura do terrorismo antiamericano mudaram radicalmente nos últimos anos. Atualmente, esse terrorismo é dominado por grupos independentes e descentralizados como o de Bin Laden.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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