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16/09/2001 - 04h18

Análise: Cinema é tratado como assunto estratégico

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JOSÉ GERALDO COUTO
colunista da Folha

A expressão "imperialismo cultural" está fora de uso, mas continua fazendo pleno sentido, pelo menos no que diz respeito à indústria audiovisual.

Os números são esmagadores: segundo dados da Comunidade Européia, 80% dos ingressos de cinema vendidos na Europa são de filmes norte-americanos. Na América Latina, a proporção é semelhante.

No ranking dos filmes mais vistos no mundo em todos os tempos, a produção não-americana mais bem colocada é o britânico "Ou Tudo ou Nada" (1997), em 126º lugar. E é preciso descer até o 157º posto para encontrar um filme cuja língua não seja o inglês: o italiano "A Vida É Bela" (1997).

Na música popular, outro terreno em que a indústria americana é muito forte, há uma contratendência em andamento.

De acordo com a Federação Internacional da Indústria Fonográfica (IFPI), a participação dos repertórios locais no total de vendas de música (CDs, fitas cassetes, discos) subiu de 58%, em 1991, para 68%, no ano 2000.

Mas a música pop anglófona continua sendo a que mais se ouve no mundo.
Ocupou, no ano passado, os dez primeiros lugares entre os discos mais vendidos.

Além disso, por mais que aumentem os repertórios locais, a veiculação segue cada vez mais concentrada. Calcula-se que 90% dos CDs vendidos na América Latina sejam de uma das cinco megaempresas multinacionais da música: BMG, EMI, Sony, Warner e Polygram.

Mas em nenhum terreno a hegemonia norte-americana é tão esmagadora quanto no da cultura audiovisual.

Embora possua o maior mercado interno do mundo, com nada menos que 38 mil telas (no Brasil, não chegam a 2.000), o cinema americano precisa do mercado externo para amortizar seus altos custos de produção e obter lucros. Precisa também dos mercados de vídeo, DVD e TV.

A saúde de Hollywood tem dependido cada vez mais das bilheterias obtidas no exterior (veja quadro). De acordo com Jack Valenti, presidente da Motion Pictures Association of America (MPAA), os filmes norte-americanos são exibidos em mais de 150 países. Os programas de TV americanos são transmitidos para 125 mercados.

Por isso o cinema é tratado como assunto estratégico nos EUA. A MPAA, instituição que representa os interesses da indústria cinematográfica como um todo, mantém representação na Casa Branca e escritórios em oito cidades do exterior, entre elas o Rio.

Num apelo ao Congresso dos EUA para que combata a pirataria, Valenti declarou orgulhosamente que as "copyright industries" (cinema, TV, vídeo, música, publicações e software de computador) obtiveram "saldo positivo de comércio com todos os países do mundo", num ano (2000) em que o país teve um déficit de quase US$ 400 bilhões.

Pirataria e resistência
A pirataria, que causou perdas de US$ 4,5 bilhões à indústria fonográfica e de US$ 2,5 bilhões à do cinema, é uma das grandes preocupações dos produtores americanos. A outra é o protecionismo cultural adotado por vários países, em especial a França.

O Brasil, timidamente, entrou nessa briga. Na semana passada, o governo baixou medida provisória criando uma nova taxa sobre remessa ao exterior de lucros com a exibição de filmes estrangeiros no país.

O Brasil aderiu também ao recém-criado Instituto Internacional para a Cinematografia e o Audiovisual Latino, que se pretende um instrumento para a afirmação dos cinemas nacionais de países latinos da América e da Europa.

Mas foi a França que, até agora, conseguiu os melhores resultados na resistência à hegemonia americana, combinando mecanismos de reserva de mercado (tanto de salas de cinema como de programação de TV) com medidas de fomento à produção nacional.

Os franceses argumentam que é necessário proteger a identidade nacional e a diversidade cultural contra o avassalador poder da indústria americana. Os norte-americanos reagem brandindo a velha bandeira do livre mercado.

Pressão ou competência
Durante as negociações do Gatt (Acordo Geral sobre Comércio e Tarifas), em que se discutia a taxação aduaneira dos chamados "bens culturais", a representante norte-americana, Carla Hills, disse a seus interlocutores da Comunidade Européia uma frase lapidar: "Façam filmes tão bons quanto seus queijos e vocês os venderão".

Ou seja, do ponto de vista de Hollywood, tudo se resume a uma questão de
competência. Os filmes americanos rendem porque são bons, certo?
Errado, respondem os protecionistas. Os filmes americanos rendem porque contam com uma poderosa máquina de propaganda e marketing, além de meios econômicos de pressão, como o famigerado "blindbooking", que é a imposição de filmes e programas de menor interesse como condição para a
venda dos mais procurados.

Um dado fornecido pela própria MPAA ressalta a importância do marketing no sucesso das produções americanas. No ano 2000, o custo médio de um filme de grande estúdio foi de US$ 54 milhões. Desse total, nada menos que US$ 24 milhões referem-se a gastos com publicidade.

Isso não significa que o argumento da competência americana seja inválido. Ninguém nega que Hollywood forjou ao longo das décadas um padrão de qualidade incomparável.

Não é só uma questão de dinheiro, mas de "know-how" e criatividade, forjados ao longo de um século.

Ironicamente, grande parte da glória de Hollywood se deve ao talento de estrangeiros, como o inglês Hitchcock, o austríaco Fritz Lang, o italiano Frank Capra e tantos outros, tradição que continua hoje com o australiano Peter Weir, o holandês Paul Verhoeven, o chinês Ang Lee.
Se existe algum lugar em que a América se confunde com o mundo, esse lugar é Hollywood.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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