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16/09/2001 - 04h21

Análise: Discriminação racial é o "calcanhar de Aquiles"

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FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Folha de S.Paulo, no Rio

Trinta e sete anos depois da promulgação da Lei dos Direitos Civis, que pôs fim à segregação racial nos EUA, o racismo ainda está no cotidiano dos americanos, com o surgimento de novos alvos de discriminação --como hispânicos e muçulmanos.

Para os negros, vítimas históricas do racismo, a hora é de cobrar reparações pela escravidão, principal bandeira do movimento negro hoje nos EUA. O país tem cerca de 34,6 milhões de negros -ou afro-americanos-, diz o censo realizado em 2000. Isso equivale a 12,3% da população americana, de 281,4 milhões de pessoas.

Relatório da Iniciativa de Relações Humanas Comparadas (grupo de pesquisadores que estuda a questão racial nos EUA, na África do Sul e no Brasil) fala do racismo como "o calcanhar de Aquiles da América", uma aresta originalmente apontada contra os negros, mas que hoje afeta também os hispânicos.

O relatório mostra, por exemplo, a disparidade na formação educacional: enquanto 82,7% dos homens brancos, em 1996, tinham pelo menos quatro anos de estudo no ensino básico, entre homens negros o número caía para 74,3%, e, entre hispânicos, para 53%.

O mesmo relatório mostra que, em 1997, a taxa de homicídios entre homens negros era de 65,1 (por 100 mil habitantes), enquanto, entre homens brancos, caía para 8,5 (por 100 mil habitantes).

Para os negros, é hora também de tentar garantir a continuidade das políticas de ação afirmativa (o conjunto de práticas implementadas com o objetivo de reduzir desigualdades motivadas por gênero, raça, origem, deficiência física ou outra condição de desvantagem).

A ação afirmativa estabelece metas para aumentar a participação desses grupos nas universidades e no mercado de trabalho.

Há um debate em curso nos EUA sobre a necessidade de manutenção desse tipo de política, que vem sendo acusada por seus críticos de promover uma discriminação ao contrário, criando divisões na sociedade.

A demanda por reparações foi o tom dos protestos dos ativistas negros americanos em Durban, na África do Sul, na Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a Discriminação Racial, a Xenofobia e a Intolerância Correlata, que terminou no dia 8 de setembro.

Os EUA foram, desde antes da conferência, contrários à discussão sobre reparações, por considerem o tema um "assunto doméstico". O governo temia, na verdade, que a discussão internacional numa reunião das Nações Unidas respaldasse uma onda de ações judiciais por reparações dentro do território americano.

Os EUA acabaram abandonando a Conferência de Durban, alegando discordar do tom das discussões sobre o Oriente Médio. Países árabes queriam que os documentos da conferência acusassem Israel, tradicional aliado dos EUA, de práticas discriminatórias contra os palestinos.

Muçulmanos e hispânicos
Mal acabou a conferência de Durban, os ataques terroristas da semana passada contra o World Trade Center e contra o Pentágono desencadearam uma onda de ódio racial nos EUA contra muçulmanos.

"Sinto que, embora esses ataques tenham sido desencadeados depois do atentado, vieram de grupos que já têm sentimentos de discriminação em relação a muçulmanos", afirma Louis Abdellatif Costillo, diretor do projeto "Comunidades Muçulmanas em Nova York", da Universidade de Columbia.

Segundo dados desse projeto, há hoje 600 mil muçulmanos na cidade de Nova York, 1 milhão na região metropolitana e cerca de 6 milhões nos EUA. Esses muçulmanos são de várias origens, desde brancos de ascendência européia (como Costillo) até negros de origem africana, passando por árabes e hispânicos.

Para Costillo, a discriminação contra os muçulmanos é velada, não direta. "Temos participado da política americana, de várias instâncias da sociedade e, com esse atentado, vimos que as pessoas não nos consideram americanos, mas estrangeiros no nosso próprio país", afirma.

Os hispânicos ou latinos que vivem nos EUA já superaram os negros em número. Segundo o último Censo americano, vivem hoje no país 35,3 milhões de hispânicos, 12,5% do total da população.

Os hispânicos também são beneficiados por políticas de ação afirmativa em licitações e empregos públicos e no preenchimento de vagas em universidades.

"Mas os hispânicos ainda vivem em situação de desvantagem, e melhorar a situação deles é hoje um dos desafios da política racial dos Estados Unidos", avalia Lynn Walker Huntley, coordenadora da Iniciativa Comparada de Relações Humanas e vice-presidente executiva da Fundação Sulista de Educação, uma organização sediada em Atlanta para desenvolver projetos de apoio à educação de negros e de outras minorias.

Huntley afirma, porém, que é preciso reconhecer os avanços no combate à discriminação nos EUA, e cita especialmente o fim da política de segregação. "Eu mesma estudei em escolas segregacionistas, e isso não existe mais hoje", diz Huntley.

A política oficial de segregação vigorou nos EUA, em diferentes graus em cada Estado, até 1964, quando foi promulgada a Lei dos Direitos Civis. Em alguns Estados, havia até Bíblias separadas para que brancos e negros fizessem seu juramento nos tribunais. Separados, mas iguais, era o lema oficial da política de segregação, com vagões de trem, escolas e bebedouros separados para negros.

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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