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16/09/2001 - 03h57

Conhecimento tradicional em colisão com acordos globais

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ANA VALÉRIA ARAÚJO
NURIT BENSUSAN

especial para a Folha de S.Paulo

Celebrada no âmbito da Eco-92, a Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB) equiparou a condição dos países possuidores de biodiversidade à dos países detentores de tecnologia, criando mecanismos de repartição equitativa de benefícios do uso sustentável dos recursos biológicos.

A CDB trouxe importantes inovações para a proteção da biodiversidade do planeta, reconhecendo que a sua conservação se deve, em grande parte, aos conhecimentos de povos indígenas e comunidades locais.

A convenção já conta com 181 assinaturas e 168 ratificações. Quase todos os países do mundo são hoje membros da convenção, sendo a mais expressiva exceção os Estados Unidos, que, embora a tenham assinado, até hoje não ratificaram o instrumento. Ainda assim, participam como observadores, influenciando ativamente as negociações da convenção, em especial nas suas interfaces com os direitos de propriedade intelectual, expressos sobretudo no acordo Trips (abreviação em inglês para Aspectos Relacionados ao Comércio de Direitos de Propriedade Intelectual).

O Trips foi formulado em 1993. Para sua confecção, os países membros do Gatt (Acordo Geral de Tarifas e Comércio) concordaram em adaptar suas legislações nacionais sobre patentes de seres vivos, entre outras coisas. Os dispositivos do Trips também abarcam produtos farmacêuticos, sendo todas as suas discussões fixadas sob a perspectiva do aproveitamento comercial da biodiversidade. Todos os países membros da OMC são membros do Trips.

Muito se tem argumentado sobre as incompatibilidades entre os dois instrumentos internacionais, concentradas principalmente na implementação do dispositivo do Trips que trata do patenteamento de seres vivos e dos artigos da convenção que tratam do conhecimento tradicional e do acesso a recursos genéticos.

Em 1996, por exemplo, a Índia apresentou documento no Comitê de Ambiente e Comércio da OMC assinalando que esses acordos são conflituosos e irreconciliáveis. O grupo de países africanos tem enfatizado que direitos de propriedade intelectual são contrários a práticas tradicionais. A União Européia, embora tenha ratificado a CDB, não abre mão de defender o interesse de seus países na área de biotecnologia.

O Brasil, que partilha da posição da União Européia, ao adotar a sua lei de patentes dificultou, na prática, o reconhecimento das vantagens que lhe garante o seu potencial de biodiversidade. Isso na medida em que o amplo reconhecimento de patentes não se harmoniza com a transferência de tecnologia e a proteção aos conhecimentos tradicionais.

Os EUA defendem a idéia de que os acordos tratam de temas diferentes e que, portanto, não há conflito, nem necessidade de compatibilização, principalmente porque não são membros da CDB. As posições dentro do Trips dão uma dimensão da diferença de peso entre os dois acordos, o que pode ser agravado durante o processo atualmente em curso de revisão do Trips.

Há posições diversas com relação à revisão do Trips, sendo certo que os países industrializados tendem a pressionar pela manutenção do texto ou por meras alterações de linguagem. O Brasil, nesse contexto, tem defendido a inclusão, no artigo que trata do patenteamento dos seres vivos, de mecanismos de reconhecimento do conhecimento tradicional e de repartição efetiva de benefícios, entre outras coisas. Essa é uma tentativa que, somada à posição de outros países, poderia evitar que a CDB, nesse processo, seja relegada a um segundo plano.

Ana Valéria Araújo é advogada e Nurit Bensusan é bióloga, ambas do Instituto Socioambiental (ISA)

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