Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
16/09/2001 - 04h22

Política externa agrava xenofobia

Publicidade

da Folha de S.Paulo, no Rio

Professor do Departamento de Estudos Afro-americanos da Universidade de Harvard, nos EUA, o filósofo negro Kwame Anthony Appiah diz que o racismo é "o pecado original" dos EUA.

Filho de pai ganense e mãe britânica, Appiah, 47, nasceu no Reino Unido, cresceu em Gana e é naturalizado americano. O autor de "Na Casa do Meu Pai: a África na Filosofia da Cultura" (Editora Contraponto, 1997) falou à Folha na sexta-feira, por telefone: (Fernanda Escócia)

Folha - Qual a sua análise sobre o racismo nos EUA?
Kwame Anthony Appiah
- O princípio de tudo é a escravidão. Os negros foram trazidos como escravos e, depois da abolição, foram mantidos em um sistema de subordinação. Quando se pergunta se um país é racista, é preciso lembrar duas coisas: uma é o racismo nas instituições públicas; outra é perguntar se os cidadãos de um país são racistas. Claramente, há racismo individual e ainda é verdade que algumas instituições públicas tratam as pessoas desigualmente até hoje.

Folha - Mas há racismo mesmo contra grupos não negros, que não passaram pela escravidão.
Appiah
- É verdade, a discriminação não é só entre brancos e negros, mas também, por exemplo, contra hispânicos. A divisão fundamental de raça nos EUA era a questão branco-negro. Há outros grupos que permanecem substancialmente discriminados, como chineses, indianos e vietnamitas. Há, claro, algum anti-semitismo individual. Estou novamente distinguindo o fato de que há atitudes individuais e uma prática, ainda que não oficial, das instituições. O tratamento diferenciado é considerado ilegal, mas há um nível de hostilidade racial sob a superfície da vida cotidiana.

Folha - O senhor viu motivação racial nos atos terroristas e nas respostas a eles?
Appiah
- O ato terrorista foi algo antiamericano, como nação, e talvez um pouco anticristão. Mas as respostas, claro, têm motivação racial. Nos últimos dois dias, vimos pessoas respondendo aos fatos que ocorreram atacando árabes e muçulmanos. Já havia hostilidade contra os árabes, mas não era consciente -é claro que estou dizendo isso porque não sou árabe, se eu fosse pensaria diferente. É também um reflexo da política externa americana no Oriente Médio.

Folha - O que o senhor achou de os EUA terem abandonado a Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, em Durban?
Appiah
- Foi terrível. Do ponto de vista político, foi um reflexo da administração Bush, muito unilateralista, que não caminha junto com ninguém. Eles vão ter de mudar. Os EUA estão agora pedindo ajuda da Rússia, da China, e é irônico que um país que passou os últimos nove meses se recusando a cooperar com outros países esteja pedindo ajuda.

Folha - O senhor considera então, que, apesar da tragédia, foi uma lição para o governo americano?
Appiah
- Sim. Digo isso com muito cuidado, porque nada justifica o que foi feito. Mas espero que, quando algo terrível acontece, coisas boas também aconteçam, que saiamos desse período de tristeza e raiva e possamos entrar numa política externa mais cosmopolita, menos isolacionista.

Folha - O senhor teme retrocesso no tratamento a todos os imigrantes e também com relação aos negros -que têm relação histórica com os muçulmanos nos EUA?
Appiah
- É cedo para falar em aumento generalizado da xenofobia. É claro que isso está ocorrendo contra árabes, mas ainda não se transformou numa hostilidade generalizada.
Quanto aos negros muçulmanos, é preciso dizer que é pequeno o grupo ligado a [Louis" Farrakhan [a chamada Nação Islâmica". A maioria dos negros muçulmanos pertence a grupos mais tradicionais. Mas é difícil avaliar se haverá hostilidade contra eles. A hostilidade e a xenofobia nos EUA estão mais ligadas à raça que à religião.
De qualquer modo, você não pode dizer aos negros americanos: "Vão para casa". Mesmos os racistas reconhecem que os negros são americanos.

Folha - O racismo é o calcanhar de Aquiles dos EUA?
Appiah
- Esse é um país muito protestante, e um dos ditos básicos é que o racismo é o pecado original. É claro que o racismo enfraquece o país nas posições externas, porque é difícil condenar problemas em Ruanda se você sabe que os EUA são um país dividido em casa. (FE)

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página