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17/09/2001
-
04h33
GERALD THOMAS
especial para a Folha, em Nova York
Olhando em retrospectiva, parece que os grandes artistas do século 20 foram proféticos: a semelhança entre o Monolito e o WTC é assustadora. E, assim como nas cenas finais do filme de Clarke e Kubrick, o delírio psicológico está penetrando no miolo da estrutura social e política do mundo.
O futuro é a grande questão: vai ter guerra ou não? Que espécie de guerra será? Qual a nossa atitude pessoal diante da guerra? Ficar? Fugir? Escapar? Ajudar? Nesse domingo de sol lindo, olho pela mesma janela de onde vi tudo na terça-feira de manhã e não há nenhum sinal de guerra.
Nunca imaginei que fosse publicar um trocadilho (intraduzível) que cunhei para uma peça sobre os super-heróis impotentes há alguns anos: "A hole in the earth may contain the whole earth" (tentando traduzir: um buraco na terra pode conter a terra inteira).
É o caso do buraco deixado pelo ataque. O que será daquilo? Reerguer o WTC e dar-lhe o dobro do tamanho seria a versão de John Wayne. Fazer um parque no lugar seria a versão de John Lennon. Deixar exposta a ferida seria a imagem mais iconoclástica imaginável, mas a realidade é outra: o que fazer com aqueles milhares de escritórios que habitavam o WTC? O espaço comercial já é escasso e caro em Manhattan.
Os que não morreram no colapso das torres terão de recomeçar a vida em outro lugar. Onde?
O impensável já começou o seu curso. Quanto lucro será feito com essa terrível tragédia? Será que o capitalismo vai ser solidário com os eventos ou tão impiedoso como na história? O aluguel vai triplicar? Ou será que amanhã (segunda) a bolsa de valores abrirá com uma versão extraordinária da expressão "business, as usual"? Será verdade mesmo que Bin Laden teria triplicado a apólice de seguros que mantém com uma firma em Munique, com relação ao investimento que ele possui nas torres que
derrubou?
São tantas as versões que correm pelas ruas quanto o número de glóbulos que temos em nosso sangue. Quem imaginaria que, no cotidiano racista, os hispânicos dariam lugar para os árabes?
Os inimigos de ontem podem vir a ser nossos grandes aliados. Imaginem o orgulho de Bush filho se conseguir matar o "inimigo número um" que o Bush pai não conseguiu, há dez anos. Criados numa circunstância parecida de jogos de interesses políticos, Bin Laden, Saddam Hussein e a família Bush parecem estar lendo diretamente das páginas do "Anti-Édipo", de Deleuze e Guatari.
Quem imaginaria que o prefeito de Teerã mandaria um telegrama de solidariedade para o Giuliani?
Quem imaginaria o Giuliani como um herói da minha geração? Quem lucra com tudo isso? E quem pega carona com tudo isso?
Tony Blair (na melhor das intenções, coitado) já saiu na frente para dizer que está pronto pra fazer o necessário para "pegar" os culpados. Mas quando fala em desmantelar nações que abrigam terroristas, não posso deixar de vê-lo pensando no IRA.
Cada um traz a guerra para o seu próprio quintal. Meus pais, em Berlim, em 1938, também não acreditavam em guerra. Os amigos me perguntam o que vou fazer. "Não é hora de você sair daí já?" Não sei o que pensar. Numa hora dessas não me vejo como diretor, e sim como cidadão.
Cidadania e cultura em geral vão tomar rumos novos. Talvez volte a hora do "Living Theater", que tirou o teatro dos palcos e o levou para as ruas e centros nervosos de política, nos anos 60. A emoção abalada dos jovens que não entenderam, e talvez não entenderão nunca, o que aconteceu aqui, a não ser que a cultura se adapte aos acontecimentos e tente encontrar respostas para o tilt psicológico que o mundo jovem sofreu.
É muito fácil pegar o primeiro avião. Quem pensa assim talvez fique rodando dentro do pesadelo psicológico do Monolito para sempre. Jamais entenderemos do que somos feitos se não participarmos da reconstrução e enterdermos que de uma tragédia desse porte se extrai o valor real, verdadeiro, um dos poucos que a vida tem para oferecer.
Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
Gerald Thomas: 2001, uma odisséia no solo
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especial para a Folha, em Nova York
Olhando em retrospectiva, parece que os grandes artistas do século 20 foram proféticos: a semelhança entre o Monolito e o WTC é assustadora. E, assim como nas cenas finais do filme de Clarke e Kubrick, o delírio psicológico está penetrando no miolo da estrutura social e política do mundo.
O futuro é a grande questão: vai ter guerra ou não? Que espécie de guerra será? Qual a nossa atitude pessoal diante da guerra? Ficar? Fugir? Escapar? Ajudar? Nesse domingo de sol lindo, olho pela mesma janela de onde vi tudo na terça-feira de manhã e não há nenhum sinal de guerra.
Nunca imaginei que fosse publicar um trocadilho (intraduzível) que cunhei para uma peça sobre os super-heróis impotentes há alguns anos: "A hole in the earth may contain the whole earth" (tentando traduzir: um buraco na terra pode conter a terra inteira).
É o caso do buraco deixado pelo ataque. O que será daquilo? Reerguer o WTC e dar-lhe o dobro do tamanho seria a versão de John Wayne. Fazer um parque no lugar seria a versão de John Lennon. Deixar exposta a ferida seria a imagem mais iconoclástica imaginável, mas a realidade é outra: o que fazer com aqueles milhares de escritórios que habitavam o WTC? O espaço comercial já é escasso e caro em Manhattan.
Os que não morreram no colapso das torres terão de recomeçar a vida em outro lugar. Onde?
O impensável já começou o seu curso. Quanto lucro será feito com essa terrível tragédia? Será que o capitalismo vai ser solidário com os eventos ou tão impiedoso como na história? O aluguel vai triplicar? Ou será que amanhã (segunda) a bolsa de valores abrirá com uma versão extraordinária da expressão "business, as usual"? Será verdade mesmo que Bin Laden teria triplicado a apólice de seguros que mantém com uma firma em Munique, com relação ao investimento que ele possui nas torres que
derrubou?
São tantas as versões que correm pelas ruas quanto o número de glóbulos que temos em nosso sangue. Quem imaginaria que, no cotidiano racista, os hispânicos dariam lugar para os árabes?
Os inimigos de ontem podem vir a ser nossos grandes aliados. Imaginem o orgulho de Bush filho se conseguir matar o "inimigo número um" que o Bush pai não conseguiu, há dez anos. Criados numa circunstância parecida de jogos de interesses políticos, Bin Laden, Saddam Hussein e a família Bush parecem estar lendo diretamente das páginas do "Anti-Édipo", de Deleuze e Guatari.
Quem imaginaria que o prefeito de Teerã mandaria um telegrama de solidariedade para o Giuliani?
Quem imaginaria o Giuliani como um herói da minha geração? Quem lucra com tudo isso? E quem pega carona com tudo isso?
Tony Blair (na melhor das intenções, coitado) já saiu na frente para dizer que está pronto pra fazer o necessário para "pegar" os culpados. Mas quando fala em desmantelar nações que abrigam terroristas, não posso deixar de vê-lo pensando no IRA.
Cada um traz a guerra para o seu próprio quintal. Meus pais, em Berlim, em 1938, também não acreditavam em guerra. Os amigos me perguntam o que vou fazer. "Não é hora de você sair daí já?" Não sei o que pensar. Numa hora dessas não me vejo como diretor, e sim como cidadão.
Cidadania e cultura em geral vão tomar rumos novos. Talvez volte a hora do "Living Theater", que tirou o teatro dos palcos e o levou para as ruas e centros nervosos de política, nos anos 60. A emoção abalada dos jovens que não entenderam, e talvez não entenderão nunca, o que aconteceu aqui, a não ser que a cultura se adapte aos acontecimentos e tente encontrar respostas para o tilt psicológico que o mundo jovem sofreu.
É muito fácil pegar o primeiro avião. Quem pensa assim talvez fique rodando dentro do pesadelo psicológico do Monolito para sempre. Jamais entenderemos do que somos feitos se não participarmos da reconstrução e enterdermos que de uma tragédia desse porte se extrai o valor real, verdadeiro, um dos poucos que a vida tem para oferecer.
Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
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