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17/09/2001 - 04h47

Análise: Bush caminha para uma armadilha

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ROBERT FISK
do "The Independent"

A retaliação é uma armadilha. Em um mundo que deveria ter aprendido a seguir as regras da lei e não as da vingança, o presidente Bush parece estar se encaminhando diretamente para o desastre que Osama bin Laden preparou.

Não há dúvida sobre o que aconteceu na semana passada. Foi um crime contra a humanidade. Não podemos entender a necessidade que os EUA têm de retaliação a não ser que aceitemos esse fato sinistro e terrível. Mas o crime foi cometido justamente para provocar esse golpe cego e
arrogante que o Exército norte-americano está preparando. (Veja especial da Folha Online com tudo sobre os atentados nos EUA).

Osama bin Laden -a cada dia fica mais evidente a sua culpabilidade- me falou do seu desejo de acabar com o regime pró-americano no Oriente Médio, desde a Arábia Saudita até o Egito, a Jordânia e outros países do Golfo.

Com o mundo árabe se afogando em corrupção e ditaduras -a maioria apoiada pelo Ocidente-, a única ação que poderia levar os muçulmanos a atacar seus próprios líderes seria uma ofensiva brutal e indiscriminada dos EUA. Osama bin Laden tem pouca sofisticação em relações internacionais, mas é aluno atento da arte e do horror da guerra.

Os tchetchenos aprenderam essa lição. E o homem responsável por grande parte das mortes na Tchetchênia -o homem de carreira da KGB, cujo Exército está estuprando e assassinando os insurgentes sunitas muçulmanos- agora está sendo convidado pelo presidente Bush para participar da sua "guerra contra as pessoas". Vladimir Putin certamente deve ter um bom senso de humor para poder apreciar as ironias cruéis que acontecem hoje.

Os americanos não precisam procurar além da guerra fútil de Ariel Sharon contra os palestinos para compreender a tolice da retaliação. No Líbano sempre foi assim. Um guerrilheiro do Hizbollah matava um soldado israelense, e os israelenses em retaliação atiravam contra uma aldeia, matando um civil. E o Hizbollah expulsou os israelenses do Líbano.

Enquanto George W. Bush prepara suas forças, as autoridades norte-americanas explicam pomposamente que essa é uma guerra "pela democracia e pela liberdade", que se trata de homens que estão "atacando a civilização". Mas essa não é a razão do ataque contra os EUA. Se o que ocorreu foi um apocalipse árabe-muçulmano, então ele está intimamente ligado aos acontecimentos no Oriente Médio e ao poderio americano na região. Os árabes gostariam de ter um pouco da democracia e da liberdade sobre as quais Bush lhes fala. Em vez disso, eles têm um presidente que ganha as eleições com 98% dos votos (o amigo de Washington, o egípcio Hosni Mubarak) ou uma força policial palestina, treinada pela CIA, que tortura e às vezes mata seu povo dentro da prisão. Agora não: é à "nossa" democracia e liberdade que Bush e Tony Blair se referem, não o vasto espaço de terror e injustiça em que o Oriente Médio se transformou.

Ato de terrorismo
Há 19 anos começou o maior ato de terrorismo da história moderna do Oriente Médio. No dia 16 de setembro de 1982, os aliados paramilitares de Israel começaram três dias de orgia, estupros, esfaqueamentos e assassinatos nos campos de refugiados palestinos de Sabra e Chatila, matando 1.800 pessoas. O fato aconteceu logo após a invasão israelense do Líbano para expulsar a OLP do país, com o aval do secretário de Estado americano, Alexander Haig, e custou 17.500 vidas libanesas e palestinas, quase todas civis. Provavelmente três vezes o número de vítimas do World Trade Center. Mas eu não me lembro de nenhum discurso comovente sobre a democracia ou a liberdade.

Não, Israel não deve ser culpado pelos acontecimentos do dia 11. Mas o erro dos EUA por não agir corretamente no Oriente Médio, suas vendas promíscuas de mísseis àqueles que os empregariam contra civis, sua falta de consideração pelas mortes de dezenas de milhares de crianças iraquianas por causa das sanções cujo principal apoio é dado por Washington -tudo está intimamente relacionado com a sociedade que produziu os árabes que trouxeram aos EUA o terror.

Nos próximos dias será feito um esforço para esquecer o motivo dos atentados, e as atenções estarão voltadas para quem e como foi executado. A CNN e a maioria da mídia já obedecem a essa nova regra essencial da guerra.

Essa tentativa de censurar as realidades da guerra deve ser combatida. Vejam a lógica. O secretário de Estado dos EUA, Colin Powell, insistia na sexta-feira que sua mensagem ao Taleban é simples: eles têm de assumir a responsabilidade por abrigar Bin Laden. "Vocês não podem separar suas atividades das atividades dos perpetradores do crime", avisou ele. Mas os americanos se recusam a associar sua própria reação aos acontecimentos com as suas atividades no Oriente Médio.

Não é de estranhar que os palestinos estejam com medo. Nos últimos dias, cerca de 20 palestinos foram mortos na Cisjordânia e em Gaza -o que estaria nas capas dos jornais se não fosse pelo ataque aos EUA. Se Israel se envolver nesse novo conflito, os palestinos se tornarão, por consequência, parte do "terror mundial" contra o qual Bush estaria supostamente indo à guerra. Embora Iasser Arafat não tenha conexões com Osama bin Laden.

Repito: o que aconteceu em Nova York foi um crime contra a humanidade. E isso significa policiais, detenções, justiça, toda uma nova corte internacional em Haia, se for necessário -mas não mísseis, bombas de "precisão" e vidas muçulmanas sacrificadas em vingança pelas vidas ocidentais. Mas a armadilha já foi instalada. Bush -e talvez todos nós- estamos neste momento marchando rumo a ela.

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