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23/09/2001
-
01h58
da Folha de S.Paulo
Não é possível falar em um só mundo islâmico, assim como não existe um mundo cristão homogêneo. Associar os supostos autores dos atentados ao World Trade Center a todos os muçulmanos é o mesmo que relacionar radicais protestantes que atacam crianças na Irlanda do Norte a todo o cristianismo. Movimentos extremistas em países islâmicos se apropriam da religião para preencher um vazio de opções políticas e sociais.
Isso é o que pensam dois dos mais importantes especialistas em islamismo, o norte-americano John Esposito e o britânico Fred Halliday. Em entrevistas à Folha, eles rejeitaram a teoria do "choque de civilizações", que antecipa um confronto entre os países muçulmanos e o Ocidente, provocado por diferenças culturais e religiosas. À ela, contrapõem a análise histórica e política.
Esposito, professor de religião e relações internacionais da Universidade Georgetown, em Washington, afirma que a tendência de identificar o islã como ameaça global veio substituir o comunismo, da mesma forma que o apelo à religião para mobilizar a população se seguiu à falência de modelos nacionalistas e socialistas adotados, após a independência, por países muçulmanos.
Para Fred Halliday, autor de "Islã: o Mito da Confrontação" e professor da London School of Economics, o extremismo religioso é uma forma de populismo:
"É uma reação demagógica contra o fracasso do Estado secular moderno, visto como ditatorial, corrupto e incapaz de resolver os problemas sociais e econômicos gerados pela rápida urbanização e o desemprego em massa. Tem elementos de antiimperialismo e uma predileção por teorias conspiratórias."
A Revolução Islâmica de 1979 no Irã, diz Esposito, foi um marco disso. "A revolução foi vista como a reafirmação da independência, da identidade e dos valores islâmicos, e como a rejeição de governos autoritários e da influência estrangeira excessiva."
Ambos advertem contra o risco de generalizações. "Há extremistas em todas as religiões. O assassino do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin é um exemplo de fundamentalista judeu que distorceu sua religião para justificar um assassinato", diz Esposito.
"Os maiores crimes do século 20 foram cometidos por comunistas e nazifascistas. Quem introduziu o terrorismo como arma no mundo contemporâneo foram irlandeses, armênios e indianos", afirma Halliday.
Autor de "Islã Político, Além da Ameaça Verde", entre outras obras, Esposito observa que a desvantagem, para os muçulmanos, é que sua realidade é desconhecida no Ocidente: "Quando você vê notícias sobre grupos cristãos radicais atacando clínicas de aborto nos Estados Unidos, você automaticamente sabe que isso não representa a corrente principal da religião. Mas, se você não sabe nada do islamismo e tudo que vê são radicais agressivos, pode confundir a minoria com a maioria."
Esposito afirma que o problema do uso indiscriminado do termo "fundamentalismo islâmico" é que, muitas vezes, ele inclui grupos que atuam dentro do sistema. "Isso permite que regimes autoritários se refiram a qualquer oposição como extremista, para justificar o uso da violência."
Paulo Daniel Farah, da Redação, e Nelson Franco Jobim, free-lance para a Folha, em Londres
Leia mais no especial Oriente Médio
Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
Especial: Radicalização ocupa vazio social e político no Islã
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Não é possível falar em um só mundo islâmico, assim como não existe um mundo cristão homogêneo. Associar os supostos autores dos atentados ao World Trade Center a todos os muçulmanos é o mesmo que relacionar radicais protestantes que atacam crianças na Irlanda do Norte a todo o cristianismo. Movimentos extremistas em países islâmicos se apropriam da religião para preencher um vazio de opções políticas e sociais.
Isso é o que pensam dois dos mais importantes especialistas em islamismo, o norte-americano John Esposito e o britânico Fred Halliday. Em entrevistas à Folha, eles rejeitaram a teoria do "choque de civilizações", que antecipa um confronto entre os países muçulmanos e o Ocidente, provocado por diferenças culturais e religiosas. À ela, contrapõem a análise histórica e política.
Esposito, professor de religião e relações internacionais da Universidade Georgetown, em Washington, afirma que a tendência de identificar o islã como ameaça global veio substituir o comunismo, da mesma forma que o apelo à religião para mobilizar a população se seguiu à falência de modelos nacionalistas e socialistas adotados, após a independência, por países muçulmanos.
Para Fred Halliday, autor de "Islã: o Mito da Confrontação" e professor da London School of Economics, o extremismo religioso é uma forma de populismo:
"É uma reação demagógica contra o fracasso do Estado secular moderno, visto como ditatorial, corrupto e incapaz de resolver os problemas sociais e econômicos gerados pela rápida urbanização e o desemprego em massa. Tem elementos de antiimperialismo e uma predileção por teorias conspiratórias."
A Revolução Islâmica de 1979 no Irã, diz Esposito, foi um marco disso. "A revolução foi vista como a reafirmação da independência, da identidade e dos valores islâmicos, e como a rejeição de governos autoritários e da influência estrangeira excessiva."
Ambos advertem contra o risco de generalizações. "Há extremistas em todas as religiões. O assassino do primeiro-ministro israelense Yitzhak Rabin é um exemplo de fundamentalista judeu que distorceu sua religião para justificar um assassinato", diz Esposito.
"Os maiores crimes do século 20 foram cometidos por comunistas e nazifascistas. Quem introduziu o terrorismo como arma no mundo contemporâneo foram irlandeses, armênios e indianos", afirma Halliday.
Autor de "Islã Político, Além da Ameaça Verde", entre outras obras, Esposito observa que a desvantagem, para os muçulmanos, é que sua realidade é desconhecida no Ocidente: "Quando você vê notícias sobre grupos cristãos radicais atacando clínicas de aborto nos Estados Unidos, você automaticamente sabe que isso não representa a corrente principal da religião. Mas, se você não sabe nada do islamismo e tudo que vê são radicais agressivos, pode confundir a minoria com a maioria."
Esposito afirma que o problema do uso indiscriminado do termo "fundamentalismo islâmico" é que, muitas vezes, ele inclui grupos que atuam dentro do sistema. "Isso permite que regimes autoritários se refiram a qualquer oposição como extremista, para justificar o uso da violência."
Paulo Daniel Farah, da Redação, e Nelson Franco Jobim, free-lance para a Folha, em Londres
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