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24/09/2001 - 16h06

Cheiros, sons e imagens perseguem sobreviventes após atentado

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LIGIA BRASLAUSKAS
da Folha Online

Ataques de pânico, medo, alto nível de estresse, aumento do preconceito. Esses são alguns dos distúrbios de comportamento apresentados pelos sobreviventes dos atentados ocorridos no dia 11 de setembro nos EUA, que destruíram as duas torres gêmeas do World Trade Center, em Nova York, e parte do Pentágono, nas proximidades de Washington.

Em entrevista à Folha Online, o psicólogo americano Jared Daniel Seltzer, 35, especialista em traumas, incluindo abuso sexual infantil e violência doméstica, da clínica de saúde mental da Universidade de Medicina e Odontologia de New Jersey, que está atendendo sobreviventes dos ataques terroristas que atingiram os EUA, além de profissionais das equipes de resgate e pessoas que têm amigos ou parentes desaparecidos, afirmou que o trauma causado pelo impacto de cenas como as que atingiram o país pode ter duração diferente em cada pessoa.

"Algumas pessoas necessitam de uma terapia a longo prazo, que pode levar meses ou anos, até que consigam superar uma catástrofe como essa. Realmente o tempo de tratamento ou superação depende de cada pessoa."

Segundo Seltzer, trabalhar com os sobreviventes do ataque terrorista causa muita pressão diária. O trabalho que ele tem feito desde a semana passada é muito diferente daquele que está acostumado a fazer diariamente.

"As pessoas estão chocadas, assustadas e falando o tempo todo sobre isso. Eu tenho visto um aumento de fobias, ataques de pânicos, paranóias, preconceito. Para muitos, esses sintomas vão passar, mas, para os que têm predisposição para problemas assim, será mais complicado."

As reações das pessoas que estão chocadas também são inúmeras. "Alguns falam que não acreditam que os prédios caíram. Outros experimentam emoções intensas quando falam sobre as imagens da mídia, quando falam de pessoas que se jogaram dos prédios. Uma paciente falou do orgulho dela por aqueles passageiros que lutaram com os sequestrados no avião que caiu na Pensilvânia. Para ela, era difícil lidar com a perda desses passageiros ´heróis` lutando pelo país."

Seltzer disse que, com os sobreviventes, ele tem utilizado um método chamado "Debriefing", que não pode ser considerado uma terapia, mas que, na opinião dele, parece bastante adequado para os pacientes. Ele explica que esse método ["Debriefing"] é uma técnica específica usada para auxiliar as pessoas a lidarem com sintomas psicológicos ou físicos que geralmente são associados a um incidente que é uma ameaça severa à segurança e à saúde. O "Debriefing" permite àqueles que sofreram o impacto do terrorismo processarem e refletirem sobre o assunto.

Ele explica que o método deve ser executado próximo ao local onde a pessoa foi afetada _neste caso, o mais próximo possível das torres gêmeas do World Trade Center (WTC)_ e dentro das primeiras 24 a 78 horas após o impacto do choque, para que o resultado seja mais efetivo.

Dois dias depois da tragédia de Nova York, Seltzer foi enviado para o local do atentado [WTC], não muito longe do ´ground zero` [o ponto exato onde houve o atentado, neste caso, as torres gêmeas], onde atendeu cinco pessoas, entre elas sobreviventes. No dia seguinte, ele atendeu outras duas pessoas.

"Estarei trabalhando com os sobreviventes e com grupos de trabalhadores das esquipes de resgate que atuam no 'ground zero'. Até agora eu atendi sobreviventes que estavam nas torres gêmeas, oficiais de polícia que escaparam com vida e familiares que ainda não encontraram seus parentes."

Reações
As reações das pessoas que passaram por um choque como o atentado do WTC são muitas. De acordo com Seltzer, as pessoas podem ter insônia, distúrbios alimentares, dor de cabeça, problemas de concentração, irritabilidade, agressividade, nervosismo. Os sobreviventes podem experimentar também "flashbacks" _como imagens, sons e cheiros_ associados ao atentado. "Eu ouvi um sobrevivente que escapou do WTC que está com medo de objetos inanimados que de repente 'vão' em sua direção", diz.

Ele explica que o sentimento de culpa também é um reação que os sobreviventes podem sentir. "Por exemplo, um bombeiro que perdeu seu sargento ou sua equipe durante os resgates pode se sentir culpado. Ele pensa que se, de alguma maneira, tivesse feito com que essas pessoas permanecessem com ele, elas sobreviveriam."

O "Debriefing" consiste em aproximar o paciente o máximo possível da causa e das situações do trauma para que, com isso, ele consiga exteriorizar as sensações e pensamentos ruins que o afligem. "Um importante componente é permitir ao paciente manifestar seus pensamentos, emoções e experiências associados ao acontecimento", explica Seltzer.

Segundo o psicólogo, o "Debriefing" prevê as reações que podem acontecer. "Isso ajuda a normalizar a situação. Os sobreviventes podem aprender que isso não é uma loucura pessoal, de dentro de sua cabeça, mas sim de fator externo."

Quanto ao resultado do "Debriefing", Seltzer diz que é, obviamente, variável. De acordo com ele, muitas pessoas envolvidas em catástrofes terão sintomas a curto prazo, como pesadelos e sentimento de ódio, mas poucos terão essas sequelas para o resto da vida. "Muita gente consegue lidar bem com traumas. Para essas pessoas, ele [o trauma] se transforma em um tipo de força. Mas, se a vítima já tem uma história de trauma anterior ou não lida bem com problemas desse gênero, o "Debriefing" pode não ser muito efetivo."

Crianças
Os efeitos do choque, mesmo que acompanhados de longe, podem ser traumáticos, principalmente em crianças. Seltzer conta que atendeu um menino do oito anos, filho de uma paciente sua, que estava muito impressionado por causa das cenas que viu na TV. "No dia do atentado ele parecia muito triste e chateado, a mãe foi buscá-lo na escola. A professora permitiu que a classe dela assistisse à tragédia na televisão", disse.

Por causa da intensidade do trauma, Seltzer diz que estendeu, por duas sessões, o tempo de atendimento ao menino. "Ele tem apresentado dificuldade na fala, na escola. Ele me disse que seus amiguinhos estão assustados e preocupados com o que aconteceu e que eles falam uns com os outros sobre o problema. Ele me disse que se sente triste."

Segundo o psicólogo, uma boa sugestão para aliviar o "susto" das crianças é limitar o tempo de exposição à TV. Ver, consecutivamente, cenas da tragédia, do choque do avião, de pessoas desesperadas se jogando dos prédios, da luta das equipes de salvamento, faz persistir o problema. Para ele, limitar o acesso a essas informações na TV, quando um adulto também está presente, é recomendável, principalmente para crianças menores.

"As crianças não têm uma boa noção de tempo e elas podem achar que a repetição de cenas gravadas estão, na verdade, acontecendo naquele momento, como se não tivesse acabado ou fosse um novo atentado."

Toda essa situação pode fazer com que as crianças fiquem mais dependentes da família, de pessoas adultas, buscando algum tipo de abrigo. "Muitos americanos começaram ou voltaram às aulas no início de setembro, e eu prevejo que algumas crianças podem apresentar fobias à escola ou evitar as aulas, principalmente as que estão nos primeiros anos."

Outra previsão de Seltzer é aumento da procura por terapia. "Eu acho que haverá um aumento de pessoas que procuram terapias nos próximos meses e anos que virão. Será o resultado das pessoas que não conseguiram trabalhar ou lidar adequadamente com seus pensamentos e sentimentos associados ao atentado."

Ele ressalta que ser sobrevivente de uma atentado não necessariamente significa que essa pessoa experimentará problemas psicológicos, muitos lidam bem com esse tipo de situação, retornam ao seu cotidiano e voltam à vida geralmente mais fortes.

Sorte
Esta é a primeira vez que Seltzer atua em uma situação desse gênero. Embora ele tenha participado de uma simulação de acidente aéreo em sua época escolar, ele diz que é difícil estar preparado para uma situação assim.

"Alguma vez nós estamos realmente preparados? Nada poderia jamais me preparar para o que aconteceu no dia 11 de setembro. Eu não me considero um ´expert´ no trabalho que venho desempenhando, entretanto, eu me orgulho e me sinto bem pela minha contribuição. Muitas pessoas não quiseram trabalhar com as vítimas do atentado, outros quiseram e não conseguiram."

Assim como os sobreviventes do atentado, Seltzer teve uma ajuda da "sorte" no dia 11 de setembro. Acostumado a ir trabalhar todos os dias usando o metrô como meio de transporte _ele mora a duas estações do WTC_, no dia do atentado, por alguma razão, decidiu ir em seu carro, o que acabou salvando sua vida.

Questionado sobre a possibilidade de voltar a utilizar aviões para viajar, Seltzer disse que vai continuar voando. "Tenho uma amiga que disse que nunca mais vai viajar de avião. Eu até posso pensar duas vezes, mas eu vou voar."

Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

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