Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
28/09/2001 - 04h58

Terror muda diplomacia dos EUA

Publicidade

MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

Os atentados suicidas ocorridos em 11 de setembro, que derrubaram o mito da invulnerabilidade americana, provocaram uma mudança radical na política externa dos EUA, obrigando a administração republicana de George W. Bush a abandonar sua veleidade de isolar-se do resto do planeta para desempenhar um papel verdadeiramente global.

Desorientada desde o final da Guerra Fria, a política externa americana hesitou entre o "intervencionismo humanitário" da era Bill Clinton e o isolacionismo incipiente dos oito primeiros meses do governo de Bush. Agora, após a morte de cerca de 6.000 pessoas na Costa Leste do país, ela ganhou um novo rumo: a luta contra o terrorismo internacional.

"Com o que ocorreu em 11 de setembro, a administração de Bush encontrou o princípio que vai orientar sua política externa. Esse princípio estava ausente desde o final do confronto bipolar da Guerra Fria", declarou à Folha James Lindsay, ex-diretor para questões globais e assuntos multilaterais do Conselho de Segurança Nacional dos EUA (1996-1997).

"Esse princípio será a luta contra o terrorismo global. Isso será a maior prioridade do governo de Bush -que, até então, estava quase sem rumo na esfera internacional- e irá influenciar decisões relacionadas a vários outros temas", acrescentou Lindsay.

Agindo rápido com o intuito de formar uma coalizão internacional para enfrentar a ameaça terrorista, Bush, seu gabinete e seus assessores contataram a maioria dos líderes políticos mundiais e propuseram-se a trocar informações confidenciais ligadas a grupos terroristas internacionais.

"Claramente, nas últimas duas semanas, houve uma mudança no que se refere ao unilateralismo. O governo dos EUA não pode mais pensar em basear-se somente no poderio americano para conseguir o que quer", analisou Ivo Daalder, especialista em segurança nacional e política externa dos EUA do Instituto Brookings.

"A administração republicana entendeu que enfrentar a ameaça terrorista requer um esforço multilateral e uma estreita cooperação internacional. Por causa da necessidade do momento, houve uma alteração de rumo bastante perceptível", acrescentou.

Escudo antimísseis
A construção de um sistema de defesa antimísseis era o ponto mais marcante do governo de Bush até os atentados suicidas. Desde então, ela deixou de ser a prioridade para tornar-se parte de um projeto mais abrangente de defesa nacional, que se insere na "guerra contra o terrorismo" anunciada pelo presidente.

"O escudo antimísseis tornou-se apenas uma parte da política externa dos EUA, deixando, assim, de ser sua única diretiva. A estratégia agora é mais abrangente. Como o país acabou de ser atacado, a idéia da defesa contra mísseis balísticos ganhou força, entretanto deixou de ser a estratégia dominante da política externa americana", indicou Daalder.

"Na verdade, o que mudou foi o contexto em que o sistema de defesa antimísseis será concebido. Afinal, por enquanto, a maior preocupação dos americanos é a de costurar uma grande aliança internacional. Assim, Bush e seus assessores sabem que não podem forçar a construção do escudo, pois isso certamente provocaria fissuras dentro da coalizão", completou o pesquisador.

Indubitavelmente, se insistir em construir o sistema de defesa antimísseis, Washington dificilmente conseguirá manter países que a ele se opõem dentro da aliança internacional. A China e a Rússia, por exemplo, expressaram sua veemente oposição ao projeto diversas vezes e são aliados fundamentais na nova campanha lançada por Bush.

Até agora, tanto Pequim quanto Moscou apóiam o combate ao terrorismo, contudo essa posição pode não ser definitiva. "A luta contra os terroristas ajudará a acalmar os velhos antagonismos existentes entre as potências globais, porém nada garante que isso seja uma tendência inabalável", explicou Charles Tilly, especialista em relações internacionais da Universidade Columbia.

Além disso, os EUA buscam aproximar-se de países localizados numa região em que a presença americana não era tão forte: a Ásia central. Para tanto, Washington levantou algumas sanções que pesavam sobre o Paquistão, cujo território é vital para uma eventual ofensiva militar contra o Afeganistão, e conquistou o apoio de seu presidente, o general Pervez Musharraf.

As ex-repúblicas soviéticas da região também são cortejadas e devem levar algum tipo de vantagem caso colaborem. Ademais, anteontem, o governo americano deu sua anuência a uma nova iniciativa de paz entre russos e tchetchenos e exortou os rebeldes a cortar relações com "grupos terroristas", o que deu força ao presidente Vladimir Putin, que vinha sendo criticado por usar força excessiva na república separatista.

No Oriente Médio, a administração americana pressionou os israelenses e
os palestinos a negociar um cessar-fogo, visando a incitar o mundo árabe e os Estados islâmicos a aderir à coalizão internacional antiterrorismo.

Lógica da Guerra Fria
Tilly teme, no entanto, que a guinada americana tenha consequências negativas na cena internacional. "Vários oportunistas políticos da atual administração querem aproveitar a situação para retornar a uma política de guerra, de confronto, como a que existiu durante a Guerra Fria."

"Contanto que possam usar meios militares de alta tecnologia na busca de seus objetivos, não pondo em risco um alto número de soldados americanos, esses oportunistas colocarão em prática operações como as realizadas na Sérvia [1999" e no golfo Pérsico [1991"", acrescentou Tilly.

Para ele, trata-se de uma nova forma de Realpolitik, que caracterizou o confronto dos EUA contra a URSS. "Será uma Realpolitik bastante peculiar. Ela não buscará defender exclusivamente os interesses americanos, como na Guerra Fria, pois a ameaça paira sobre todo o mundo ocidental e, talvez, sobre outros blocos."

Ora, há outra diferença crucial entre o momento atual e o mundo bipolar: à época, o "inimigo" era um Estado consolidado -a URSS. Agora a ameaça é difusa, quase invisível, como reconhecem os próprios americanos.


Leia mais no especial sobre atentados nos EUA
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página