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08/10/2001 - 03h17

Países islâmicos temem revoltas e adotam cautela

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PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo

Poucos países islâmicos emitiram declarações sobre os ataques de ontem ao Afeganistão. O Irã declarou que os bombardeios eram "inaceitáveis" e matariam afegãos inocentes. Seu vizinho Iraque, alvo frequente de aviões dos Estados Unidos e do Reino Unido, descreveu o bombardeio como uma "agressão traiçoeira".

A Turquia, membro da Otan (aliança militar ocidental, liderada pelos EUA) e primeiro país muçulmano que pode vir a integrar a União Européia, manifestou seu apoio total à ação.

O Líbano disse que os ataques demonstrariam que os EUA têm uma "definição própria" de terrorismo. "A América é que define o terrorismo... de acordo com sua política e seus interesses? É uma questão perigosa", afirmou Ghazi al Aridi, ministro da Informação.

Beirute condenou os ataques a Nova York e aos arredores de Washington, mas disse que a "guerra contra o terrorismo" deveria priorizar o fim da ocupação israelense de territórios árabes.

Temendo uma reação violenta, os EUA fecharam todas as suas missões diplomáticas na Arábia Saudita por tempo indeterminado. Em comunicado, o governo pediu que diplomatas não enviassem seus filhos à escola hoje e restringissem seu movimento a "viagens estritamente essenciais".

A decisão veio um dia depois que um norte-americano foi morto na explosão de uma bomba na cidade de Khobar, onde um atentado suicida matou 19 militares norte-americanos cinco anos atrás. Muitos muçulmanos condenam a presença militar dos EUA no golfo Pérsico e sobretudo na Arábia Saudita.

O grupo extremista indonésio Frente de Defensores Islâmicos ameaçou "caçar" estrangeiros se Jacarta não romper relações diplomáticas com os EUA, que exortaram seus cidadãos a se prepararem para deixar o país.

Chanceleres da Organização da Conferência Islâmica, que reúne 56 países, vão se reunir no Qatar na próxima quarta-feira. Na ocasião, devem elaborar uma reação conjunta sobre os ataques.

"Expresso minha preocupação com essa vasta operação no Afeganistão e com esse ataque que pode resultar na perda de vida entre civis", afirmou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores do Irã, Hamid Reza Asefi. "Isso é inaceitável."

Para ele, a operação foi realizada "sem levar em conta a opinião pública mundial, especialmente a opinião no mundo islâmico".

O Irã teme que um conflito entre os EUA e o Taleban, grupo extremista que Teerã critica principalmente devido à perseguição a xiitas (minoria no Afeganistão e maioria no Irã), invada sua fronteira oriental. Teerã ordenou que suas Forças Armadas fechassem a fronteira com o Afeganistão (900 km) para impedir um fluxo ainda maior de refugiados -já há cerca de 2 milhões de afegãos no país.

O Irã havia dito que abateria qualquer avião dos EUA que invadisse seu espaço aéreo.

A reação dos muçulmanos vai depender da dimensão da operação militar norte-americana e pode incluir revoltas populares contra governos do Oriente Médio, segundo analistas ouvidos pela Folha. Os Estados pró-EUA no golfo Pérsico não são países onde as pessoas vão às ruas para protestar -as manifestações são quase sempre proibidas. Dessa forma, a insatisfação geral em relação ao alinhamento norte-americano com Israel aparece pouco.

Em entrevista apresentada pela rede de TV árabe Al Jazeera ontem, Osama bin Laden disse que "a América nunca mais sonhará e não viverá em paz até que a paz reine na Palestina".

Para o analista político Mohamad Mahr, "além da possibilidade de uma
onda de ataques de grupos extremistas sobretudo paquistaneses, existe o
temor de revoltas populares para derrubar governos considerados traidores". Segundo Mahr, "as imagens vão dar o tom dessa guerra mais que nunca, pois a promessa de um ataque cirúrgico não é levada a sério nos países islâmicos".

Na opinião de John Anthony, presidente do Conselho Nacional de Relações Árabe-Americanas, com base em Washington, os EUA podem perder credibilidade entre os países do golfo Pérsico, e governos da região podem enfrentar uma impopularidade crescente. Para ele, os ataques podem gerar uma situação embaraçosa para as autoridades e eventualmente provocar levantes.

"O Taleban sozinho é responsável pelos ataques contra os Estados Unidos? Há provas disso?", disse Manal, 22, estudante na Universidade Americana
do Cairo (capital do Egito).

"Qualquer ataque deveria vir por meio do Conselho de Segurança das Nações Unidas. Mas a América decidiu sozinha atacar os muçulmanos. Isso precisa ser totalmente refutado", afirmou o barenita Radwan.

"Resistência islâmica"
A Arábia Saudita e o Egito aparecem como dois países-chave na coalizão internacional antiterror, embora tenham dito que a cooperação deve "desvincular terrorismo de resistência islâmica contra a ocupação israelense".

Nos dias seguintes aos atentados na Costa Leste, Israel invadiu diversas cidades palestinas, como Jericó, Jenin e Ramallah. Diversos grupos extremistas islâmicos surgiram em meio ao conflito israelo-árabe ou em resposta à presença de tropas estrangeiras no golfo Pérsico, convocadas após a invasão do Kuait (1990). Outros combatem o regime de seu próprio país -caso do Egito.

Apesar de declarar publicamente seu apoio aos Estados Unidos e à sua coalizão antiterrorista, a Arábia Saudita, principal aliado do país no golfo Pérsico, rejeitou servir como plataforma de lançamento para ataques ao Afeganistão liderados pelos norte-americanos, mesmo após a intervenção de Donald Rumsfeld.

O país alegou que a Turquia e as ex-repúblicas soviéticas tinham melhores chances de satisfazer as necessidades logísticas dos EUA, mas o fato de ser o berço do islamismo, abrigando suas cidades mais sagradas -Meca e Medina-, desempenhou um papel fundamental na decisão. Sua política externa é observada por muçulmanos do mundo inteiro.

A Arábia Saudita participou ativamente da coalizão anti-Iraque na Guerra do Golfo (1991), servindo de base para Exércitos estrangeiros. Mas, na ocasião, o Iraque representava um perigo direto aos sauditas, pois Bagdá ameaçava invadir o vizinho e desestabilizar o golfo Pérsico.


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