Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
09/10/2001 - 03h28

Análise: Pobreza merece coalizão mundial

Publicidade

JAMES D. WOLFENSOHN
especial para o "Le Monde"

Os terríveis acontecimentos de 11 de setembro levaram muitos de nós a refletir sobre os meios a serem adotados para a construção de um mundo melhor e mais seguro. A comunidade internacional já pôs mãos à obra com vigor, enfrentando o terrorismo diretamente e reforçando a segurança.
Também constatamos o surgimento de uma verdadeira colaboração para impedir o mergulho numa recessão mundial. Tudo isso constitui prova de uma crescente disposição de cooperar com vistas a oferecer aos problemas internacionais respostas também em escala internacional.

Precisamos ir ainda mais longe, porém. O mais grave problema de longo prazo para a comunidade mundial interessada em construir um mundo melhor é o combate à pobreza e a promoção da inclusão social em todo o mundo.
Esse imperativo ganha urgência especial hoje, quando sabemos que, devido aos atentados terroristas, o crescimento vai cair muito nos países em desenvolvimento, empurrando outros milhões de seres humanos para a pobreza e condenando dezenas de milhares de crianças à morte por desnutrição, doenças e miséria.

A pobreza não é fonte de conflitos ela própria, imediata e diretamente, e menos ainda de terrorismo. Em lugar de reagir a sua carência com a violência em relação a outros, a imensa maioria das populações carentes em todo o mundo devota toda sua energia à luta cotidiana para garantir sua renda, alimentos e perspectivas de futuro para seus filhos.

Apesar disso, sabemos que a exclusão pode engendrar conflitos violentos. Estudos aprofundados nos ensinam que, em muitos casos, as guerras civis têm sido fruto não tanto da diversidade étnica (o bode expiatório habitual) quanto de uma série de fatores, dos quais um dos mais importantes -é preciso reconhecer- é a pobreza. Assim, os países que já sofrem conflitos tornam-se refúgio para terroristas.

Nosso objetivo comum precisa ser o de erradicar a pobreza e promover a inclusão e a justiça social, visando integrar todos os marginalizados à economia e à sociedade mundiais.

Podemos chegar a isso tomando medidas que contribuam para a prevenção de conflitos. Tomemos o exemplo da Iniciativa para a Bacia do Nilo. A escassez de água constitui uma ameaça ao desenvolvimento e à paz no norte da África e no Oriente Médio. Essa iniciativa reúne dez países da bacia do Nilo, oferecendo-lhes oportunidade de cooperar num programa de uso e valorização durável dos recursos hídricos. É um bom exemplo de ação multilateral que visa prevenir conflitos e combater a pobreza diretamente.

Do mesmo modo, podemos contribuir para fazer com que a paz lance raízes em sociedades que acabam de emergir de um conflito. Na Bósnia, por exemplo, a ajuda internacional leva diferentes comunidades a colaborar localmente em projetos de pequena escala que geram empregos e superam as barreiras étnicas.

Outro caso em que isso pode ser feito é o de outros países que estão saindo de um conflito, como Timor Leste e Ruanda, onde a comunidade internacional contribui para a reconstrução da infra-estrutura, para a reinserção social e profissional dos combatentes e ajuda o Estado a reencontrar a capacidade de gerir a economia. Talvez sejam necessários anos de esforços intensos para que o trabalho dê certo, mas um fracasso nos condenaria a uma espiral interminável de violência.

É impossível prevenir conflitos e instaurar a paz sem contar com estratégias de integração e promoção da coesão social. Criar um lugar para cada um significa fazer com que cada um possa encontrar trabalho remunerado e que as sociedades evitem aprofundar ainda mais as desigualdades de renda que ameaçam a estabilidade social.

Mas a inclusão vai muito além do acesso à renda. Ela também significa fazer com que as camadas mais pobres tenham acesso a educação, saúde e serviços essenciais, como água potável, saneamento básico e eletricidade. Isso significa permitir que os indivíduos participem das decisões que afetam suas vidas. É isso que entendemos por inserção.

Mas será que podemos de fato fazer a pobreza retroceder? A história recente nos permite acreditar que sim. O número total de pessoas que vivem na pobreza, que não parou de crescer ao longo de 200 anos, começou a cair há 15 ou 20 anos. Ao longo desse período, o número de indivíduos pobres caiu em cerca de 200 milhões de pessoas, ao mesmo tempo em que a população mundial aumentou em 1,6 bilhão de pessoas. Esse resultado pode ser atribuído diretamente à melhora das políticas adotadas pelos países em desenvolvimento.

Além disso, os avanços obtidos estão longe de limitar-se aos indicadores de renda. A educação e a saúde também melhoraram. De 1970 para cá, a proporção de analfabetos em países em desenvolvimento caiu de 47% para 25%, e, desde 1960, a expectativa média de vida passou de 45 para 64 anos.

Mesmo assim, não devemos subestimar os problemas que ainda faltam ser superados. Metade dos habitantes do mundo em desenvolvimento (cerca de 2 bilhões de pessoas) vive em países que registraram crescimento muito limitado nos últimos 20 anos. Além disso, centenas de milhões de pessoas continuam à margem do crescimento, mesmo nos países em desenvolvimento que apresentam resultados relativamente satisfatórios. É por isso que bem mais de 1 bilhão de pessoas -ou seja, cerca de 20% da população mundial- ainda vivem com menos de US$ 1 por dia.

O problema, que já é imenso, não pára de crescer. Nos próximos 300 anos a população mundial vai superar a marca dos 6 a 8 bilhões de pessoas, e esse crescimento se dará quase inteiramente nos países pobres. Desde a tragédia de 11 de setembro, tornou-se mais importante do que nunca fazer frente a esses desafios e empreender uma ação multilateral. O que, então, devemos fazer?

Em primeiro lugar, é preciso aumentar a assistência externa. É possível que isso se torne muito mais difícil no contexto de uma economia internacional em desaceleração, mas as necessidades nunca foram maiores e as apostas em jogo nunca foram tão importantes. A ajuda prestada à África caiu de US$ 36 por pessoa, em 1990, para US$ 20 hoje. Ora, pode ser justamente a África, continente que hoje faz esforços consideráveis para melhorar sua situação, a mais atingida pela retomada de ataques terroristas. Não devemos nos esquecer da África pelo fato de outros problemas estarem chamando nossa atenção.

Em segundo lugar, é preciso reduzir os obstáculos ao comércio. Mais do que nunca é necessário seguir adiante com a organização da cúpula da OMC (Organização Mundial do Comércio), que deve ser um ciclo de desenvolvimento inspirado sobretudo pela preocupação de colocar o comércio internacional a serviço do desenvolvimento e da redução da pobreza. Para os países pobres, uma liberalização comercial substancial vale dezenas de bilhões de dólares -mas sabemos que, em épocas de tensão conjuntural, as pressões protecionistas se intensificam. Precisamos resistir a essas pressões.

Em terceiro lugar, é preciso adotar como nosso alvo a ajuda ao desenvolvimento, para garantir que tenhamos bons resultados. Isso significa que é preciso melhorar o clima dos investimentos, elevar a produtividade, acelerar o crescimento e gerar empregos. Também significa que é preciso tirar os pobres da marginalização e investir em seu futuro, para que eles possam participar plenamente do crescimento.

Para concluir, é essencial buscar uma solução internacional para os problemas mundiais. Isso inclui a luta contra o terrorismo, a criminalidade internacional e a lavagem de dinheiro, mas também a luta contra as doenças contagiosas, como a Aids e a malária. É preciso construir um sistema equitativo de trocas mundiais, manter a estabilidade financeira para evitar crises bruscas e profundas e proteger os recursos naturais e o meio ambiente, do qual tantos pobres dependem para sua sobrevivência.

Sobretudo, é necessário que os países em desenvolvimento assumam o comando, que concebam seus próprios programas e façam suas próprias escolhas.

Também precisamos conseguir a participação do setor privado, da sociedade civil, dos grupos religiosos e das entidades que coletam fundos internacionais e nacionais.

Nossa coalizão precisa ter envergadura mundial para combater o terrorismo e, é claro, também para lutar contra a pobreza.

Cabe a nós decidirmos se vamos encarar o desafio que nos está sendo lançado. Algumas gerações tiveram essa coragem; outras, não. Nossos pais e avós superaram os horrores indescritíveis da Segunda Guerra Mundial não fechando-se sobre eles mesmos, mas conjugando seus esforços para erguer um sistema internacional.

Já as escolhas feitas ao término da Primeira Guerra Mundial foram desastrosas. De nossa escolha depende não apenas nosso futuro, mas também a possibilidade que terão nossos filhos e netos de viver em paz.

  • JAMES D. WOLFENSOHN é presidente do Banco Mundial

  • Tradução de Clara Allain

    Leia mais:
  • Conheça as armas usadas no ataque

  • Saiba tudo sobre os ataques ao Afeganistão

  • Entenda o que é o Taleban

  • Saiba mais sobre o Paquistão

  • Veja os reflexos da guerra na economia
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página