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09/10/2001
-
03h35
FERNANDA DA ESCÓSSIA
da Folha de S.Paulo, no Rio
A economista política Sara Roy, do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade Harvard, teme que o bombardeio ao Afeganistão sirva de pretexto para que os EUA ataquem países como Iraque, Síria, Líbano, Irã e Líbia alegando perseguir terroristas.
Roy, que falou à Folha ontem, por telefone, lembrou ainda que os EUA já apoiaram o Taleban. "Há alguns anos, nós os chamávamos de defensores da liberdade, e não de terroristas."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Como a sra. avalia os ataques ao Afeganistão?
Sara Roy - Foi um erro muito grave. Vai gerar reações no mundo árabe e muçulmano, em uma região em que a política externa dos EUA tem um papel prejudicial. Isso será percebido como um ataque ao mundo árabe e ao islã.
Folha - Qual é a solução correta?
Roy - Os EUA deveriam se engajar em uma coalizão internacional para trazer os autores dos atentados à Justiça, por canais variados, legais, financeiros, institucionais, políticos. Mas não bombardeando outro país e, claramente, permitindo que civis sejam feridos.
Folha - Os EUA estão lançando bombas e comida, tentando dizer que os ataques não são contra o povo, mas contra o governo. É possível separar isso?
Roy - Acho que não. O Taleban é um regime horrível, mas sinto que os EUA precisam achar um alvo. É muito mais difícil ir atrás de pessoas que estão se escondendo e conhecem muito bem o terreno, então o governo americano estendeu a definição de terrorismo aos países que escondem essas pessoas. O que é incrível, já que fomos instrumento para apoiar o Taleban e dar-lhe poder. Quando essas pessoas lutavam contra a União Soviética, há alguns anos, nós os chamávamos de defensores da liberdade, e não de terroristas. O lançamento de comida é uma tentativa de mostrar que seu alvo não são os muçulmanos, mas o governo. Isso é um exercício de nonsense e estupidez. Jogar comida para pessoas que você está bombardeando é como colocar um band-aid numa grande ferida que você abriu.
Folha - Que dimensões o conflito pode atingir e quais serão as consequências para a estabilidade no Oriente Médio?
Roy - Não diria que será a Terceira Guerra Mundial, mas haverá um crescimento da animosidade contra os EUA. Meu medo é que os EUA estendam os ataques contra o terrorismo a outros países. Isso seria uma insanidade absoluta. Claro que o Iraque é o principal alvo, o Líbano, a Síria e o Irã poderiam ser alvos, a Líbia, o Sudão... Os EUA podem usar esse pretexto para estender o conflito a países do Oriente Médio, e isso seria extremamente perigoso.
Folha - A sra. vê o risco de uma onda terrorista no mundo?
Roy - Esse é um problema que existe e pode crescer. Mas quero enfatizar que a resposta militar não é a melhor. A melhor forma é atacar as causas, a pobreza mundial, repensar as nossas relações no Oriente Médio. Temos de repensar nossa política contra o Iraque, onde 5.000 mil crianças morrem por mês como resultado das ações militares dos EUA, quase o mesmo número de vítimas das ações de setembro.
Folha - Quais as consequências para a questão palestina?
Roy - A longo prazo, não irá mudar. A dinâmica política fundamental dos EUA na questão permanecerá inalterada. A curto prazo, pode haver pequenas mudanças, com os EUA tentando formar uma coalizão com vários países árabes -o que é difícil, já que o principal aliado dos EUA é Israel. Isso é o que tem levado a uma pequena discussão entre [o primeiro-ministro de Israel, Ariel" Sharon e [o presidente dos EUA, George W." Bush, que tem dito que apoiará um Estado palestino.
Mas a questão não é se os americanos apoiariam um Estado palestino, mas que tipo de Estado eles apoiariam e em que termos.
Folha - Países árabes pressionarão por uma situação melhor para os palestinos, em uma espécie de troca?
Roy - É difícil saber. Em muitos desses países, o sentimento das populações é diferente do sentimento dos governos, como no Kuait, na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes. Os governos fazem a política que têm de fazer, a política do poder. Os sentimentos dos povos são de forte apoio aos palestinos, mas muitos governos não querem um Estado palestino na região, porque temem que ele se torne a primeira democracia árabe do Oriente Médio, o que seria assustador para a região, cheia de regimes autoritários.
Mesmo assim, os países árabes podem pressionar os EUA a tentar algum tipo de acomodação entre Israel e os palestinos. Se essa guerra insana que os EUA começaram for mantida por um período longo, inflamando paixões na região, toda a dinâmica do Oriente Médio pode mudar. Só não se altera o fato de que, se os EUA não mudarem sua política, isso pode levar a alguma explosão na área.
Folha - O que é preciso mudar?
Roy - Isso requer humildade, repensar a nossa política externa: as sanções contra o Iraque, o apoio a Estados repressivos, reacionários e fundamentalistas. Temos de repensar a questão palestina, nosso comportamento unilateral -é a primeira vez que só um país se torna tão poderoso-, nossa relação com o Oriente Médio e os países em desenvolvimento na América Latina, Ásia e África.
Leia mais:
Conheça as armas usadas no ataque
Saiba tudo sobre os ataques ao Afeganistão
Entenda o que é o Taleban
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Veja os reflexos da guerra na economia
Especialista teme ataque dos EUA a outros países
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da Folha de S.Paulo, no Rio
A economista política Sara Roy, do Centro de Estudos do Oriente Médio da Universidade Harvard, teme que o bombardeio ao Afeganistão sirva de pretexto para que os EUA ataquem países como Iraque, Síria, Líbano, Irã e Líbia alegando perseguir terroristas.
Roy, que falou à Folha ontem, por telefone, lembrou ainda que os EUA já apoiaram o Taleban. "Há alguns anos, nós os chamávamos de defensores da liberdade, e não de terroristas."
Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
Folha - Como a sra. avalia os ataques ao Afeganistão?
Sara Roy - Foi um erro muito grave. Vai gerar reações no mundo árabe e muçulmano, em uma região em que a política externa dos EUA tem um papel prejudicial. Isso será percebido como um ataque ao mundo árabe e ao islã.
Folha - Qual é a solução correta?
Roy - Os EUA deveriam se engajar em uma coalizão internacional para trazer os autores dos atentados à Justiça, por canais variados, legais, financeiros, institucionais, políticos. Mas não bombardeando outro país e, claramente, permitindo que civis sejam feridos.
Folha - Os EUA estão lançando bombas e comida, tentando dizer que os ataques não são contra o povo, mas contra o governo. É possível separar isso?
Roy - Acho que não. O Taleban é um regime horrível, mas sinto que os EUA precisam achar um alvo. É muito mais difícil ir atrás de pessoas que estão se escondendo e conhecem muito bem o terreno, então o governo americano estendeu a definição de terrorismo aos países que escondem essas pessoas. O que é incrível, já que fomos instrumento para apoiar o Taleban e dar-lhe poder. Quando essas pessoas lutavam contra a União Soviética, há alguns anos, nós os chamávamos de defensores da liberdade, e não de terroristas. O lançamento de comida é uma tentativa de mostrar que seu alvo não são os muçulmanos, mas o governo. Isso é um exercício de nonsense e estupidez. Jogar comida para pessoas que você está bombardeando é como colocar um band-aid numa grande ferida que você abriu.
Folha - Que dimensões o conflito pode atingir e quais serão as consequências para a estabilidade no Oriente Médio?
Roy - Não diria que será a Terceira Guerra Mundial, mas haverá um crescimento da animosidade contra os EUA. Meu medo é que os EUA estendam os ataques contra o terrorismo a outros países. Isso seria uma insanidade absoluta. Claro que o Iraque é o principal alvo, o Líbano, a Síria e o Irã poderiam ser alvos, a Líbia, o Sudão... Os EUA podem usar esse pretexto para estender o conflito a países do Oriente Médio, e isso seria extremamente perigoso.
Folha - A sra. vê o risco de uma onda terrorista no mundo?
Roy - Esse é um problema que existe e pode crescer. Mas quero enfatizar que a resposta militar não é a melhor. A melhor forma é atacar as causas, a pobreza mundial, repensar as nossas relações no Oriente Médio. Temos de repensar nossa política contra o Iraque, onde 5.000 mil crianças morrem por mês como resultado das ações militares dos EUA, quase o mesmo número de vítimas das ações de setembro.
Folha - Quais as consequências para a questão palestina?
Roy - A longo prazo, não irá mudar. A dinâmica política fundamental dos EUA na questão permanecerá inalterada. A curto prazo, pode haver pequenas mudanças, com os EUA tentando formar uma coalizão com vários países árabes -o que é difícil, já que o principal aliado dos EUA é Israel. Isso é o que tem levado a uma pequena discussão entre [o primeiro-ministro de Israel, Ariel" Sharon e [o presidente dos EUA, George W." Bush, que tem dito que apoiará um Estado palestino.
Mas a questão não é se os americanos apoiariam um Estado palestino, mas que tipo de Estado eles apoiariam e em que termos.
Folha - Países árabes pressionarão por uma situação melhor para os palestinos, em uma espécie de troca?
Roy - É difícil saber. Em muitos desses países, o sentimento das populações é diferente do sentimento dos governos, como no Kuait, na Arábia Saudita ou nos Emirados Árabes. Os governos fazem a política que têm de fazer, a política do poder. Os sentimentos dos povos são de forte apoio aos palestinos, mas muitos governos não querem um Estado palestino na região, porque temem que ele se torne a primeira democracia árabe do Oriente Médio, o que seria assustador para a região, cheia de regimes autoritários.
Mesmo assim, os países árabes podem pressionar os EUA a tentar algum tipo de acomodação entre Israel e os palestinos. Se essa guerra insana que os EUA começaram for mantida por um período longo, inflamando paixões na região, toda a dinâmica do Oriente Médio pode mudar. Só não se altera o fato de que, se os EUA não mudarem sua política, isso pode levar a alguma explosão na área.
Folha - O que é preciso mudar?
Roy - Isso requer humildade, repensar a nossa política externa: as sanções contra o Iraque, o apoio a Estados repressivos, reacionários e fundamentalistas. Temos de repensar a questão palestina, nosso comportamento unilateral -é a primeira vez que só um país se torna tão poderoso-, nossa relação com o Oriente Médio e os países em desenvolvimento na América Latina, Ásia e África.
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