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19/10/2001 - 04h59

Análise: Por que temer o Afeganistão _e por que não é preciso temê-lo

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MICHAEL RADU
do Foreing Policy Research Institute

Boa parte das análises que vêm sendo feitas das ações militares conjuntas de americanos e britânicos contra o Taleban e a Al Qaeda no Afeganistão parece aceitar, sem questioná-las, as opiniões majoritárias sobre as perspectivas de êxito militar nesse país.

Mas as principais premissas em que se baseiam essas opiniões majoritárias não passam de mitos que foram se desenvolvendo com o passar dos anos, ou por desconhecimento dos fatos ou por má-fé. Os fatos, como veremos, simplesmente não os fundamentam.

MITO NÚMERO 1
Os EUA certamente serão derrotados no Afeganistão, como foram britânicos e soviéticos.

O mito de que os EUA estão fadados a seguir o mesmo caminho das duas grandes potências que sofreram derrotas desastrosas no Afeganistão no passado, o Reino Unido (1838-42) e a União Soviética (1979-89), vem ganhando ampla aceitação.

No primeiro caso, os britânicos tentaram mas não conseguiram impor um rei fantoche impopular, o xá Shuja, em Cabul. Com isso, promoveram a união de todas as facções afegãs divididas, que se juntaram então apenas quando ameaçadas pela possibilidade de um governo central efetivo. A praça forte britânica em Cabul foi totalmente eliminada, com baixas enormes e prejuízos tremendos para o prestígio britânico.

O Reino Unido voltaria a combater o Afeganistão em 1878-80 e em 1919, mas essas foram operações em boa parte limitadas, já que Londres se dera conta de seu erro e optara por uma política de manipulação (muitas vezes financeira) dos diferentes grupos afegãos. O sucesso dessa política ficou manifesto pela transformação do Afeganistão num Estado "amortecedor" eficaz entre as ambições concorrentes dos impérios britânico e russo.

A experiência soviética no Afeganistão foi igualmente malfadada, e provocou tanta amargura na então URSS que contribuiu para sua queda. Mas as razões disso guardam tanta relação com fatores presentes do lado soviético -muitos soldados mortos por doenças que poderiam ter sido prevenidas, táticas militares não apropriadas e moral nacional baixa- quanto a fatores específicos do Afeganistão.

Ademais, a própria ideologia do marxismo-leninismo que vinha de reboque com os tanques soviéticos era rejeitada por todos os setores da população.

Um fato importante a lembrar é que, diferentemente do Reino Unido no século 19 e da União Soviética no século 20, os EUA não têm interesse nem razões geopolíticas para querer controlar o Afeganistão, muito menos ocupá-lo. E, a não ser que tenha havido um fracasso total de comunicação, todos os afegãos sabem disso.

MITO NÚMERO 2
O terreno do Afeganistão torna a moderna tecnologia militar em grande
medida irrelevante.

As implicações desse mito são: a) que uma força militar praticamente da Idade da Pedra derrotaria uma potência do século 21; e b) que o terreno do país é o mesmo em toda parte e tem importância igual em todo o Afeganistão.

Embora boa parte do país de fato seja montanhosa e extremamente difícil para a condução de operações de infantaria, algumas áreas chaves -a fronteira com o Uzbequistão, a planície de Shamali, ao norte de Cabul, e todo o sudeste do país, em volta de Candahar e na própria cidade- são perfeitamente operacionais para forças transportadas por helicóptero.
Essas também são as áreas em que está a maior concentração de forças do Taleban.

Quanto às áreas de terreno montanhoso realmente difícil, a pior delas, o corredor Badakshan Wakhan, está sob o "controle" da Aliança do Norte -em todo caso, certamente não sob o do Taleban.

O estratégico vale do Panjhir segue, como sempre, sob controle tadjique, assim como toda a área que circunda Herat, embora não a cidade propriamente dita.

É apenas no leste montanhoso no país, em volta de Jalalabad e da fronteira paquistanesa, que os habitantes de etnia pashtu podem -se o preço pago for o adequado-continuar com seu apoio ao Taleban/Al Qaeda. Mas terá este último o dinheiro e a aura de sucesso necessários para continuar a exercer seu controle, após os impiedosos ataques aéreos dos EUA e britânicos?

MITO NÚMERO 3
Esta é uma campanha militar irregular para a qual os EUA não estão bem preparados.

Muitos dos diversos ex-oficiais militares, analistas civis e jornalistas que hoje oferecem suas "opiniões especializadas" vêm afirmando que as forças americanas vão enfrentar uma ação de guerrilha interminável nas montanhas e planícies do Afeganistão. De modo geral, eles baseiam suas afirmações na experiência soviética. Mas isso é equivocado.

Diferentemente dos soviéticos, cuja base de apoio era limitada a um grupo muito pequeno de intelectuais urbanos e oficiais militares educados e doutrinados na União Soviética, vulneráveis à propaganda política comunista, atéia e secular, os EUA não proclamam nem abrigam quaisquer objetivos culturais ou religiosos (nem anti-religiosos).

Por isso a Aliança do Norte -composta por muçulmanos sunitas, mas moderados- e os hazaras, xiitas, não vêem nada de errado em ter a força aérea dos EUA atuando como sua própria força aérea contra o Taleban.

As implicações disso devem ser óbvias. Enquanto as forças especiais americano-britânicas podem e devem desempenhar um papel-chave, a maior parte da caçada a Bin Laden e sua turma será conduzida pelos próprios afegãos, assim que o Taleban perder o controle sobre as principais cidades e regiões.

E onde um guerrilheiro do Taleban lutaria, se eles fossem vistos como perdedores e deixassem de beneficiar-se do apoio militar paquistanês?

MITO NÚMERO 4
É impossível encontrar Osama bin Laden no Afeganistão.
Essa teoria se baseia em todas as falácias acima enumeradas. Ela parte da premissa de que os militantes árabes (ou estrangeiros) da Al Qaeda pudessem encontrar refúgio dentro do Afeganistão sem que a população local conhecesse seu paradeiro ou agisse com base no repúdio costumeiro dos afegãos por todos os estrangeiros, especialmente a rejeição mais recente a essa categoria de estrangeiros, os islâmicos.

Na verdade, qualquer afegão digno de sua história e suas tradições tribais não hesitaria em se unir aos vencedores (ou seja, os contrários ao Taleban) e capturar ou matar Bin Laden, especialmente se isso o fizesse enriquecer ou fizesse o seu grupo enriquecer.

Assim, vale indagar onde, e por quanto tempo, um estrangeiro e seu grande grupo de "árabes" poderiam se esconder num país cuja população quer e precisa de assistência, dinheiro e alimentos do exterior e, além disso, é historicamente xenófoba?

MITO NÚMERO 5
Como a Frente Unida é composta em grande medida de minorias étnicas, ela não pode formar um governo estável em Cabul; logo, não existe qualquer alternativa realista e de longo prazo ao Taleban.

Essa é uma tese defendida por Islamabad -mas o fato é que Islamabad não é exatamente um observador objetivo. As falhas dessa teoria são muitas.

Para começar, conforme observado acima, as minorias étnicas que compõem a Frente Unida, reconhecida pela ONU como o governo do Afeganistão, coletivamente compõem a grande maioria da população afegã.

Em segundo lugar, os pashtus não são "tribos do sul", como o secretário Rumsfeld começou a chamá-los. Usando a frase de George Bernard Shaw, eles são "um povo separado por uma língua comum". A confederação durrani, no leste e no sul, é a base de poder do Taleban.

Mas -e este é um "mas" de grandes proporções- a confederação ghilzai, no leste (que tem Jalalabad como seu centro), está insatisfeita com os acordos de divisão do poder entre os durranis e o Taleban. Eles são representados de maneira igual no Paquistão.

Vem daí o desafio, reconhecidamente ousado, lançado por Pervez Musharaff ao Taleban. O ex-rei Zahir Shah é pashtu, é reconhecido (provavelmente apenas temporariamente, como são e sempre serão as coisas no Afeganistão) e, desde que tivesse algum apoio financeiro, provavelmente seria capaz de unir à sua volta uma parcela suficiente de seu povo para conseguir se livrar da gangue de estrangeiros de Bin Laden.


  • Tradução de Clara Allain

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