Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
23/10/2001 - 04h50

Biólogo afegão opera dos EUA o premiado Afghanistan Online

Publicidade

LÚCIO RIBEIRO
da Folha de S.Paulo

Dormindo com o "inimigo". A porta de entrada para o mais representativo canal virtual de divulgação da cultura e dos costumes do Afeganistão está localizada em plena Costa Oeste americana, na cidade de Foster City, na Califórnia.

Instalado no endereço www.afghan-web.com, o Afghanistan Online mora em solo virtual americano desde 1996 e ainda hoje é administrado por seu fundador, o afegão Abdullah Qazi, 27 anos, que chegou aos EUA em 1990 para estudar biologia e atualmente, com seu título de mestrado, trabalha em uma grande indústria de remédios californiana.

O Afghanistan Online nasceu de uma idéia de Qazi de criar um ponto de encontro para a comunidade afegã (especialmente) na América e, razão primeira, divulgar locais para o culto islâmico.

Hoje, vende de bonés a canecas com o emblema do Afeganistão, permite o download do hino de seu país, traduz a letra da música para o inglês, discute a questão da condição de vida da mulher afegã, convida a uma visita virtual ao destruído Kabul Museum e estampa orgulhoso em sua página inicial alguns dos vários selos conquistados por sua excelência no quesito "site multicultural".

Em sua homepage, ainda, logo abaixo da inscrição "Afeganistão, o país mais amistoso do mundo, possivelmente do universo", está escrita em vermelho uma nota em que afirma ser o Afghanistan Online um site particular operado de dentro dos EUA, que não tem nenhum compromisso com o governo afegão, não apóia nenhum ato de terrorismo e condena a prática de tais atos.

Em tempos de guerra, o site e seu criador têm sofrido ameaças de retaliação, tanto no campo virtual quanto no mundo real. Por conta disso, e embora muito pouco das coisas do Afeganistão escape do site, Qazi prefere não levar à web as questões do pós-11 de setembro. No máximo, reproduz notícias na seção "news". Sua sala de bate-papo está fechada.

À Folha, por e-mail, Abdullah Qazi falou sobre seu site. E sobre a guerra entre suas duas pátrias, a verdadeira e a adotiva.

Folha - Como um afegão vivendo nos EUA, de que modo você descreveria seus sentimentos em ver o país que escolheu para morar atacando o país em que você nasceu?
Abdullah Qazi -
Sinto-me profundamente devastado, porque eu não quero ver as inocentes e já sofridas mulheres e crianças do Afeganistão sendo mortas nesse ataque a bombas americano. O povo afegão tem vivido em meio a guerra e caos já faz 20 anos. Essa guerra vai destruir ainda mais o país, já bem destruído.

Folha - Tendo em vista os ataques terroristas em Nova York e no Pentágono, você concorda com essa "revanche" americana? Acha que essa é a melhor maneira de combater o terrorismo?
Qazi -
Primeiro, eu queria dizer que desde 1994 muitos afegãos tinham avisado os americanos sobre o que o Taleban e Osama bin Laden eram capazes de fazer, o perigo que eles representam para os povos de todo o mundo.

Os americanos não só não se importaram com isso como permitiram que o Taleban espalhasse o terror dentro do Afeganistão. Pessoas importantes do Afeganistão também avisaram aos americanos sobre o Paquistão e os jogos sujos que eles praticavam em meu país. O Paquistão praticamente criou e financiou o Taleban, em benefício próprio.

Muitos acreditam que o governo do Paquistão quer tirar proveito do Taleban para restaurar a chamada "inviolabilidade da Fronteira de Durand", o acordo que respeita a linha fronteiriça de Afeganistão e Paquistão.

Jornalistas estrangeiros têm presenciado evidências de que o Taleban consegue fundos para o seu exército através de contrabando de drogas com o Paquistão.

Folha - O que você e a comunidade afegã que frequenta o afghan-web.com discutem como melhor solução para essa questão do combate americano ao terrorismo?
Qazi -
Eu não acho que bombardeio indiscriminado seja a resposta. Os americanos precisam trabalhar conjuntamente com o ex-rei do país, Zahir Shah, e também com os grupos de oposição que formam a Frente Unida e a Frente Islâmica de Salvação do Afeganistão (UNIFSA).

A imprensa ocidental chama essa coalizão de Aliança do Norte, o que é errado. Essa união é muito muito mais abrangente e é composta por vários partidos políticos que não aparecem para a mídia ocidental, de tão subterrâneos e perseguidos que são, mas bem importantes no atual contexto da luta contra o Taleban.

A única chance de paz só nasceria no Afeganistão se o Taleban fosse completamente afastado do poder. Mas, também, que não se permitisse ao Paquistão nunca mais continuar seus jogos políticos no Afeganistão.

Folha - Sobre o site que você dirige, o Afghanistan Online, o quanto ele é importante para a comunidade afegã que vive na América?
Qazi -
Eu o construí em 1996, como um site pessoal. A idéia era que ele servisse de ponto de encontro para a comunidade afegã, para troca de idéias, divulgação de cultos ao islã. Mas desde então ele cresceu muito. Hoje serve como divulgador da cultura afegã, sua história, política, sociedade, línguas, esportes, comida, economia. O site ajuda os afegãos que vivem na América (EUA) a ficarem em contato com suas origens.
Recebe por volta de 85 mil visitas por dia, a maioria de afegãos ou relativos que vivem nos EUA, Canadá, Europa e Austrália. Há bastante visitantes do Paquistão, Arábia Saudita, Índia, Japão e mesmo da Rússia. Quem opera o site somos eu e meus irmãos, Mustafa e Mir, aqui da Califórnia.

Folha - Como a vida de você e de seus amigos afegãos mudou depois de 11 de setembro?
Qazi -
Não tivemos mais paz. Temos recebido muitos e-mails e cartas de ameaça a nossas vidas, insultando o povo afegão e nossa religião. O servidor do nosso website também tem sofrido vários problemas por causa da tentativa de ataque de hackers.

A ameaça não se limita apenas à nossa vida on line. As pessoas nos olham feio na rua, fazem sinais racistas e gritam para irmos embora dos EUA. A única coisa que nos resta contra tudo isso é deixarmos sempre claro, no Afghanistan Online, que condenamos o que ocorreu no dia 11 de setembro. E esperar que isso um dia acabe.


Leia mais:
  • Conheça as armas usadas no ataque

  • Saiba tudo sobre os ataques ao Afeganistão

  • Entenda o que é o Taleban

  • Saiba mais sobre o Paquistão

  • Veja os reflexos da guerra na economia
  •  

    Publicidade

    Publicidade

    Publicidade


    Voltar ao topo da página