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11/11/2001 - 03h00

Guerra do Afeganistão pode levar a becos sem saída

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IGOR GIELOW
da Folha de S.Paulo, no Paquistão

A campanha militar liderada pelos Estados Unidos no Afeganistão chega hoje à sexta semana. Sem uma ofensiva diplomática efetiva, a guerra pode levar a alguns becos sem saída.

Apesar dos avanços dos rebeldes da Aliança do Norte, com a neve começando a atingir a região norte afegã vai aumentando a vantagem do Taleban, a milícia fundamentalista que virou alvo por abrigar o terrorista Osama bin Laden e sua rede Al Qaeda, acusados pelos ataques de 11 de setembro nos EUA.

Há uma série de cenários possíveis, e é leviano apostar todas as fichas em apenas um deles. A Folha ouviu especialistas na região, e não há unanimidade.

Com o apoio aéreo dos Estados Unidos, as forças da fragmentária Aliança do Norte parecem estar perto de suas primeiras vitórias em cinco anos.

"Eles podem tomar as duas cidades [Mazar-e-Sharif e Cabul]. Mas eles podem mantê-las?", pergunta o general da reserva Mirza Aslam Beg, que foi comandante do Exército paquistanês entre 1988 e 1991 e se opõe à ação militar.

Ele diz acreditar que os EUA tenham entrado nessa guerra já derrotados: "Qualquer força que avisa que só mandará suas tropas especiais admite que seus soldados regulares não aguentariam o tranco", diz Beg. E lembra que a Aliança do Norte tem entre 15 mil e 20 mil homens, contra quase 50 mil do Taleban.

Para o intelectual Fateh Muhammad Malik, que apóia a ofensiva, os americanos subestimam o Taleban. "Os EUA nada sabem sobre a região e a resistência de suas pessoas."

Para o general Beg, os americanos são a versão atualizada dos soviéticos, que ocuparam o Afeganistão entre 1979 e 1989.

"Eles só teriam uma vitória militar agora se mandassem, como Moscou mandou, 100 mil homens para ocupar Cabul. Ainda assim, não há como vencer em um longo prazo", afirmou o oficial.

Perguntando-se o mesmo a um veterano daquela campanha, o tenente-coronel da reserva russo Mikhail Malenko, a resposta é mais dura. "Não há como ganhar com campanha aérea e contando só com os rebeldes", diz ele, que serviu na região de Shindaid entre 1984 e 1986.

Ele acha que a aplicação de tropas terrestres seria imprescindível se o objetivo dos EUA for limar de vez o poderio do Taleban.

A tomada de Mazar-e-Sharif poderia abrir um corredor para operações reforçadas por tropas e equipamentos vindos do Uzbequistão, onde o Pentágono tem tropas.

"De todo modo, os EUA estão cometendo o mesmo erro que nós. Não estão contando com os cenários políticos, achando que a força resolverá tudo."

Etnias múltiplas
Aí entra o nó. O primeiro problema é que a Aliança do Norte é constituída por etnias diversas, como uzbeques, hazaras e tadjiques, mas poucos pashtus _a etnia que abarca cerca de 40% da população afegã, inclusive a liderança do Taleban, e que se concentra no sul.

Segundo: os Estados Unidos e o Reino Unido, aproveitando-se da péssima imagem internacional do Taleban, demonizaram de vez o grupo. Dia sim, dia não, o presidente George W. Bush lembra que o grupo não deixa mulheres estudarem em nome de sua leitura do Alcorão.

Só que a administração norte-americana se esquece de que boa parte do regime de terror do Taleban foi aceita sem muita luta, em especial no sul pashtu.

Independentemente do que veio depois, o Taleban foi visto como uma promessa de estabilidade. Islamabad, apostando em ter um aliado contra uma Índia cada vez mais hostil devido às disputas sobre o território da Caxemira, investiu e apoiou os fundamentalistas.

Então, fica muito complicado falar em governo pós-Taleban ignorando a existência do grupo. O ex-rei Mohamad Zahir Shah, visto pelo Ocidente como peça-chave para liderar a transição afegã, ainda está tentando conquistar apoios no sul pashtu. Outros esforços falharam, como o envio do comandante Abdul Haq _que acabou morto.

''Nós temos em mente que qualquer governo terá de compreender todos os setores da sociedade afegã'', concede o porta-voz da ONU em Islamabad, Hamid Abdeljaber.

O que ele não diz ter em mente é o tempo que será necessário para desalojar o Taleban. O grupo não é o Exército do Iraque. Não tem linhas de comunicação e suprimento, que o Pentágono diz estar destruindo há seis semanas, tão definidas. Suas forças agem de forma dispersa, em unidades de no máximo cem homens que, com alta mobilidade, só são alvo fácil para oponentes no solo apoiados por helicópteros _algo que, oficialmente, não ocorre desde 19 de outubro devido à forte resistência apresentada.

O inverno, limitando ataques aéreos e parando ofensivas terrestres, deverá encorajar movimentos políticos.

Aí entra em campo a Organização das Nações Unidas, por meio de seu enviado Lakhard Brahimi, que deve finalizar nesta semana uma proposta para um cessar-fogo envolvendo o envio de tropas de manutenção de paz.

Brahimi conversou com diversos envolvidos, mas oficialmente não com o Taleban. Assim, não se sabe ainda qual o papel que ele reserva ao grupo. Cabe lembrar que, em sua costura pelo fim da guerra civil no Líbano (1975-90), o mesmo Brahimi optou por uma divisão do poder político pelos grupos rivais.

Mas há como reintroduzir o Taleban nas conversas? "Não vejo como isso possa acontecer, em especial com a situação militar tão indefinida", diz o ex-embaixador Husain Haqqani, que foi conselheiro do premiê paquistanês deposto Nawaz Sharif.

O Paquistão poderia ser um mediador, mas está sob pressão norte-americana para cortar de vez laços com a milícia. E viu seu politicamente infeliz chamado a um "Taleban moderado" ser rechaçado, em especial pela Rússia e pelo Irã, potências regionais que apóiam diferentes facções da Aliança do Norte.

Logo, o nó político segue sem solução à vista. E o prolongamento da situação pode levar a sequelas perigosas, como o desgaste interno do presidente Pervez Musharraf por causa de seu apoio aos EUA. No Ocidente, poucos cenários são tão assustadores quanto Musharraf caindo e deixando sua dúzia de ogivas nucleares nas mãos de extremistas.

Hoje, isso é paranóia para subir a audiência. O presidente mantém apoio sólido no comando das Forças Armadas, e, mesmo reclamando da ação norte-americana, a influente classe média paquistanesa prefere ver um general a um mulá comandando o país.

"Só não sabemos quanto tempo isso pode levar. Quantos protestos serão necessários para que as massas sejam ouvidas e as fileiras mais baixas do Exército, que provêm dessas massas, sejam as primeiras ouvintes", lembra Haqqani, com experiência de quem viu a queda de um governante de perto _seu chefe, Sharif, foi derrubado por Musharraf por sua aproximação da Índia.

Com tantas variáveis, e para desespero das redes de TV dos EUA atrás de definições simplistas, o fato é que não há resposta possível agora para a pergunta: onde vai dar essa guerra?

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