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23/12/2001
-
08h48
PAULO DANIEL FARAH
da Folha de S.Paulo, em Nabrus (Cisjordânia)
Marwan Barghouti, líder do Fatah -grupo de Iasser Arafat- na Cisjordânia, resumiu a ordem do dia: "Precisamos fazer tudo o que for necessário em prol da unidade nacional". Sutis variações da frase serviram de mote para líderes políticos e religiosos palestinos de diversas tendências ao longo da semana passada.
A cada dia, Arafat se tornava menos vulnerável ante a comunidade internacional depois de fazer um apelo pelo fim das ações armadas contra israelenses. Apesar de Israel o descrever como "irrelevante", a Assembléia Geral da ONU qualificou seu governo de "parte legítima e indispensável para a paz". Os EUA e a União Européia fizeram declarações semelhantes.
Internamente, a tentativa de provar a relevância da Autoridade Nacional Palestina foi mais complexa. Realizaram-se manifestações de apoio a Arafat em Ramallah e outras cidades, incluindo uma organizada por grupos de direitos humanos europeus e norte-americanos. E intelectuais palestinos publicaram anúncios em jornais manifestando seu respaldo ao governo.
Mas o fechamento de instituições ligadas aos grupos extremistas islâmicos Hamas e Jihad Islâmico -que anteontem anunciaram a suspensão dos ataques a Israel- provocou reações de inconformismo entre a população. Essas organizações oferecem uma série de projetos sociais aos palestinos de Gaza e Cisjordânia.
Muitas famílias recebem farinha, arroz, legumes, café, açúcar e, por vezes, carne, além de medicamentos, roupas e material escolar. "Oferecemos 30 toneladas de alimentos apenas no Eid el Fitr [festival que marca o fim do mês do Ramadã]", diz o xeque Sayd Seyam, do Hamas. "Além de oferecermos escolas, hospitais e outros serviços. Isso [o fechamento" prejudica milhares de famílias e não vai pôr fim à ocupação."
A palestina Umm Mahmoud, 74, reclamava em Nablus: "Arafat parece se esquecer da situação que enfrentamos. Deveria pensar menos nos americanos".
Em Gaza, vive 1,3 milhão de palestinos com um índice de desemprego de 50%. Na Cisjordânia, os bloqueios estrangulam a economia palestina.
A reportagem da Folha acompanhou alguns fechamentos e constatou a preocupação da ANP, sob forte pressão internacional para agir contra os grupos extremistas, em filmar as operações e dar-lhes ampla cobertura.
Muitos policiais que participaram dessas ações usavam máscaras para evitar eventuais ações de represália. Foram mais de 40 instituições. Ao menos uma escola e um hospital antes administrados pelo Hamas mantiveram seu funcionamento, mas passaram a ser administrados pela ANP.
Nas ruas, seja em Jenin, Nablus, Ramallah, Jerusalém ou Gaza, é difícil encontrar quem ache que seja hora de pôr fim à Intifada. Pesquisa divulgada na semana passada pelo Centro de Informação e Comunicação de Jerusalém confirma: 80,1% dos palestinos apóiam a continuação do levante.
Na aldeia de Bet Iba, perto de Nablus (Cisjordânia), o cemitério tem uma seção dedicada aos "mártires", com oito pessoas cuja idade varia entre 18 e 22 anos. Quase todos da mesma família, na maioria dos casos tentavam vingar a morte de um parente recém-morto por soldados.
Ao menos 787 palestinos e 246 israelenses morreram devido à violência na região desde a eclosão da Intifada, o levante palestino contra a ocupação israelense, em setembro do ano passado.
O anúncio do Hamas e do Jihad Islâmico de que irão suspender os ataques representou uma vitória para Arafat e deve reduzir a tensão na Cisjordânia e em Gaza, em localidade como Jabalya e Khan Yunis. Segundo o xeque Seyam, o objetivo é "eliminar as causas da tensão" com a ANP.
A decisão veio após enfrentamentos entre forças de segurança palestinas e membros ou simpatizantes do grupo islâmico que deixaram ao menos seis mortos e mais de 50 feridos. Os confrontos se iniciaram após uma tentativa de prender Abdel Aziz Rantissi, porta-voz do Hamas.
Fundado em 1987, logo após o início da primeira Intifada (1987-1993), o Hamas reivindicou a autoria de vários atentados contra israelenses realizados recentemente. O grupo enfoca o conflito sob o prisma religioso e prega a necessidade de combater não apenas a ocupação mas também o caráter secular da Organização para a Libertação da Palestina.
"O Hamas decidiu optar pelo pragmatismo. Seus integrantes têm plena consciência de que as ações suicidas dão um pretexto para Ariel Sharon prosseguir seu plano contra a ANP e Arafat", afirma o analista político Muhammad Mahr.
Segundo Alex Fishman, do jornal israelense "Yediot Ahronot", Sharon tenta implementar um "plano secreto" elaborado "antes mesmo de sua eleição", no início deste ano, para isolar progressivamente o líder palestino. A impossibilidade de Arafat se locomover de Ramallah faria parte dessa estratégia.
O analista israelense Danny Rubinstein disse que isolar Arafat politicamente é mais complicado que Sharon imaginava. Para ele, a tentativa israelense de afastar-se de Arafat e o esforço palestino em reforçar sua autoridade se assemelham à história de um grupo que caminhava numa floresta quando um deles gritou: "Venham ver, eu peguei um urso! Eu peguei um urso!". Quando seus colegas disseram "Nós já ouvimos, agora deixe o urso ir!", ele respondeu: "Eu já deixei, mas é ele que não me deixa".
Leia mais no especial Oriente Médio
Palestinos tentam preservar unidade
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da Folha de S.Paulo, em Nabrus (Cisjordânia)
Marwan Barghouti, líder do Fatah -grupo de Iasser Arafat- na Cisjordânia, resumiu a ordem do dia: "Precisamos fazer tudo o que for necessário em prol da unidade nacional". Sutis variações da frase serviram de mote para líderes políticos e religiosos palestinos de diversas tendências ao longo da semana passada.
A cada dia, Arafat se tornava menos vulnerável ante a comunidade internacional depois de fazer um apelo pelo fim das ações armadas contra israelenses. Apesar de Israel o descrever como "irrelevante", a Assembléia Geral da ONU qualificou seu governo de "parte legítima e indispensável para a paz". Os EUA e a União Européia fizeram declarações semelhantes.
Internamente, a tentativa de provar a relevância da Autoridade Nacional Palestina foi mais complexa. Realizaram-se manifestações de apoio a Arafat em Ramallah e outras cidades, incluindo uma organizada por grupos de direitos humanos europeus e norte-americanos. E intelectuais palestinos publicaram anúncios em jornais manifestando seu respaldo ao governo.
Mas o fechamento de instituições ligadas aos grupos extremistas islâmicos Hamas e Jihad Islâmico -que anteontem anunciaram a suspensão dos ataques a Israel- provocou reações de inconformismo entre a população. Essas organizações oferecem uma série de projetos sociais aos palestinos de Gaza e Cisjordânia.
Muitas famílias recebem farinha, arroz, legumes, café, açúcar e, por vezes, carne, além de medicamentos, roupas e material escolar. "Oferecemos 30 toneladas de alimentos apenas no Eid el Fitr [festival que marca o fim do mês do Ramadã]", diz o xeque Sayd Seyam, do Hamas. "Além de oferecermos escolas, hospitais e outros serviços. Isso [o fechamento" prejudica milhares de famílias e não vai pôr fim à ocupação."
A palestina Umm Mahmoud, 74, reclamava em Nablus: "Arafat parece se esquecer da situação que enfrentamos. Deveria pensar menos nos americanos".
Em Gaza, vive 1,3 milhão de palestinos com um índice de desemprego de 50%. Na Cisjordânia, os bloqueios estrangulam a economia palestina.
A reportagem da Folha acompanhou alguns fechamentos e constatou a preocupação da ANP, sob forte pressão internacional para agir contra os grupos extremistas, em filmar as operações e dar-lhes ampla cobertura.
Muitos policiais que participaram dessas ações usavam máscaras para evitar eventuais ações de represália. Foram mais de 40 instituições. Ao menos uma escola e um hospital antes administrados pelo Hamas mantiveram seu funcionamento, mas passaram a ser administrados pela ANP.
Nas ruas, seja em Jenin, Nablus, Ramallah, Jerusalém ou Gaza, é difícil encontrar quem ache que seja hora de pôr fim à Intifada. Pesquisa divulgada na semana passada pelo Centro de Informação e Comunicação de Jerusalém confirma: 80,1% dos palestinos apóiam a continuação do levante.
Na aldeia de Bet Iba, perto de Nablus (Cisjordânia), o cemitério tem uma seção dedicada aos "mártires", com oito pessoas cuja idade varia entre 18 e 22 anos. Quase todos da mesma família, na maioria dos casos tentavam vingar a morte de um parente recém-morto por soldados.
Ao menos 787 palestinos e 246 israelenses morreram devido à violência na região desde a eclosão da Intifada, o levante palestino contra a ocupação israelense, em setembro do ano passado.
O anúncio do Hamas e do Jihad Islâmico de que irão suspender os ataques representou uma vitória para Arafat e deve reduzir a tensão na Cisjordânia e em Gaza, em localidade como Jabalya e Khan Yunis. Segundo o xeque Seyam, o objetivo é "eliminar as causas da tensão" com a ANP.
A decisão veio após enfrentamentos entre forças de segurança palestinas e membros ou simpatizantes do grupo islâmico que deixaram ao menos seis mortos e mais de 50 feridos. Os confrontos se iniciaram após uma tentativa de prender Abdel Aziz Rantissi, porta-voz do Hamas.
Fundado em 1987, logo após o início da primeira Intifada (1987-1993), o Hamas reivindicou a autoria de vários atentados contra israelenses realizados recentemente. O grupo enfoca o conflito sob o prisma religioso e prega a necessidade de combater não apenas a ocupação mas também o caráter secular da Organização para a Libertação da Palestina.
"O Hamas decidiu optar pelo pragmatismo. Seus integrantes têm plena consciência de que as ações suicidas dão um pretexto para Ariel Sharon prosseguir seu plano contra a ANP e Arafat", afirma o analista político Muhammad Mahr.
Segundo Alex Fishman, do jornal israelense "Yediot Ahronot", Sharon tenta implementar um "plano secreto" elaborado "antes mesmo de sua eleição", no início deste ano, para isolar progressivamente o líder palestino. A impossibilidade de Arafat se locomover de Ramallah faria parte dessa estratégia.
O analista israelense Danny Rubinstein disse que isolar Arafat politicamente é mais complicado que Sharon imaginava. Para ele, a tentativa israelense de afastar-se de Arafat e o esforço palestino em reforçar sua autoridade se assemelham à história de um grupo que caminhava numa floresta quando um deles gritou: "Venham ver, eu peguei um urso! Eu peguei um urso!". Quando seus colegas disseram "Nós já ouvimos, agora deixe o urso ir!", ele respondeu: "Eu já deixei, mas é ele que não me deixa".
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