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15/02/2002
-
16h41
RAFAEL GOMEZ
da BBC
Integrante da Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, o ex-ministro de Relações Exteriores brasileiro, Francisco Rezek, criticou a forma como o julgamento do ex-líder iugoslavo, Slobodan Milosevic, está sendo realizado.
Na opinião de Rezek, o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia faz parte de um projeto seletivo, porque julga apenas um chefe de Estado, que teria cometido crimes durante uma guerra civil específica.
Para o brasileiro, outros responsáveis por guerras civis ao redor do mundo deveriam receber o mesmo tratamento de Milosevic.
Apesar das críticas, Francisco Rezek declarou que o julgamento do ex-presidente iugoslavo é legítimo e a sentença definida pelo tribunal será respeitada e executada.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Francisco Rezek à BBC:
BBC - O que exatamente está acontecendo juridicamente com o ex-presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, no Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia, em Haia, na Holanda?
Francisco Rezek - Ele foi entregue ao tribunal pelo governo de seu próprio país. As acusações que recaem sobre ele são graves, relacionadas a crimes contra a humanidade e crimes de guerra. O caráter do tribunal é temporário, foi criado somente para julgar os crimes ocorridos durante a guerra civil na ex-Iugoslávia. E este é justamente o motivo pelo qual ele contesta a competência do tribunal em sua defesa. Ele diz que, no tribunal, não há imparcialidade.
BBC - Ele tem motivos para isso?
Rezek - As reclamações de Milosevic têm fundamento. Hoje, não são poucos os casos em que há acusações de violação do Direito Internacional como práticas de crimes de guerra, contra a humanidade. Mas o Conselho de Segurança da ONU criou apenas dois tribunais para isso. Um para Milosevic, outro para a situação de Ruanda, na África. Em toda a parte, a comunidade jurídica se pergunta: por que esses dois e não outros? Por mais grave que as acusações sobre os réus da ex-Iugoslávia sejam, nós nos perguntamos por que as outras organizações que cometem crimes de guerra não são também julgadas.
BBC - Mas o tribunal é legítimo?
Rezek - Sim. Em nome da segurança internacional, o Conselho de Segurança da ONU tem o direito de criar tribunais que garantam e julguem questões relacionadas à segurança nacional. Mas a dúvida que paira no ar tem a ver com o pequeno alcance desse tribunal penal. O que os juristas do mundo sonham e esperam é um tribunal permanente, que não tenha fronteiras, que não tenha sido criado para julgar apenas os sérvios que cometeram crimes na ex-Iugoslávia ou representantes de tribos africanas que cometeram crimes durante a guerra civil de Ruanda. Isso vai acontecer um dia, quando o Tribunal Criminal Internacional único for criado, também em Haia. Nele, esperamos que 60 países ratifiquem o Tratado de Roma, para que o tribunal comece a funcionar. Ele não será especifico, mas será para todos os acusados.
BBC - Até que ponto pode se acreditar na Justiça de um tribunal que está sendo tão criticado?
Rezek - O tribunal é legítimo. Sob este ponto de vista, é difícil sustentar que a decisão não vale. O que ele proferir como sentença será executado. A questão é de ordem moral e ela não justifica em absoluto os crimes cometidos por Slobodan Milosevic, nem a condenação que ele terá. A questão é saber como nós poderemos dormir tranquilos, em paz, se sabemos que esta Justiça está sendo seletiva, que a Justiça escolhe determinadas guerras civis e etnias, dentro deste quadro, para proferir o julgamento. A condenação dos sérvios e dos integrantes da Guerra Civil de Ruanda é merecida, mas perturba a nossa idéia de igualdade, de que deveria haver uma Justiça Internacional igual para todos os réus.
BBC - Milosevic, certamente, vai se defender dizendo que não tinha controle sobre todos os sérvios que estavam abaixo dele na hierarquia de poder da ex-Iugoslávia. Provavelmente, ele vai argumentar que não tinha controle, por exemplo, sobre o que ocorria com os kosovares de origem albanesa massacrados por seu governo. De que forma a acusação deve contornar este argumento?
Rezek - Tenho a impressão de que este tema é conhecido de longa data. Como quando a Justiça americana julgou alguns soldados que cometeram crimes no Vietnã, como os nazistas foram julgados no Tribunal de Nuremberg, depois da Segunda Guerra Mundial. Nessas situações, é comum que a Defesa argumente com o não controle de subordinados no momento dos massacres. Os juízes estão acostumados com situações como essa e eles têm maneiras de avaliar estas culpas de uma forma justa. Na realidade, a defesa de Milosevic, que está sendo apresentada por ele mesmo, tem muito mais a ver com atacar instituições internacionais do que com crimes cometidos por seus subordinados. Ele vai argumentar que aquilo era uma guerra civil, interna e com o argumento que ele já apresentou várias vezes de que houve violação das regras, sim. Mas que elas foram recíprocas e cometidas não somente pelos sérvios.
BBC - Qual o principal argumento da defesa de Milosevic?
Rezek - O principal argumento de defesa de Milosevic é que a imprensa só mostra as atrocidades cometidas pelos sérvios, e não o que etnias além dos sérvios fizeram. Mas a imprensa divulga, dá voz a Milosevic. A única coisa que eu diria que está faltando à imprensa internacional neste quadro todo é fazer mais análise, dizer que seria muito melhor termos um tribunal internacional geral e não funcionarmos à base de tribunais especiais, que julgam apenas alguns líderes, em alguns contextos de guerra civil. A imprensa não distorce os fatos, mas às vezes deixa de analisá-los.
BBC - Quem está sendo julgado, apenas Milosevic ou o povo sérvio?
Rezek - Somente Milosevic. Julgar um povo, uma etnia toda seria complicado. Até porque Tito, quando manteve a ex-Iugoslávia comunista unida, encobriu os problemas étnicos do país. Durante algum tempo, se fingiu que aquilo ali era uma só nação. E quando o regime comunista caiu, todos os problemas apareceram. Nenhum daqueles povos pode ser completamente inocente, ou culpado. Não há dúvida de que o julgamento de Milosevic é o de uma pessoa só.
Leia mais no especial sobre Slobodan Milosevic
Membro de Haia faz críticas e explica o julgamento de Milosevic
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da BBC
Integrante da Corte Internacional de Justiça de Haia, na Holanda, o ex-ministro de Relações Exteriores brasileiro, Francisco Rezek, criticou a forma como o julgamento do ex-líder iugoslavo, Slobodan Milosevic, está sendo realizado.
Na opinião de Rezek, o Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia faz parte de um projeto seletivo, porque julga apenas um chefe de Estado, que teria cometido crimes durante uma guerra civil específica.
Para o brasileiro, outros responsáveis por guerras civis ao redor do mundo deveriam receber o mesmo tratamento de Milosevic.
Apesar das críticas, Francisco Rezek declarou que o julgamento do ex-presidente iugoslavo é legítimo e a sentença definida pelo tribunal será respeitada e executada.
Confira a seguir os principais trechos da entrevista de Francisco Rezek à BBC:
BBC - O que exatamente está acontecendo juridicamente com o ex-presidente iugoslavo, Slobodan Milosevic, no Tribunal Criminal Internacional para a ex-Iugoslávia, em Haia, na Holanda?
Francisco Rezek - Ele foi entregue ao tribunal pelo governo de seu próprio país. As acusações que recaem sobre ele são graves, relacionadas a crimes contra a humanidade e crimes de guerra. O caráter do tribunal é temporário, foi criado somente para julgar os crimes ocorridos durante a guerra civil na ex-Iugoslávia. E este é justamente o motivo pelo qual ele contesta a competência do tribunal em sua defesa. Ele diz que, no tribunal, não há imparcialidade.
BBC - Ele tem motivos para isso?
Rezek - As reclamações de Milosevic têm fundamento. Hoje, não são poucos os casos em que há acusações de violação do Direito Internacional como práticas de crimes de guerra, contra a humanidade. Mas o Conselho de Segurança da ONU criou apenas dois tribunais para isso. Um para Milosevic, outro para a situação de Ruanda, na África. Em toda a parte, a comunidade jurídica se pergunta: por que esses dois e não outros? Por mais grave que as acusações sobre os réus da ex-Iugoslávia sejam, nós nos perguntamos por que as outras organizações que cometem crimes de guerra não são também julgadas.
BBC - Mas o tribunal é legítimo?
Rezek - Sim. Em nome da segurança internacional, o Conselho de Segurança da ONU tem o direito de criar tribunais que garantam e julguem questões relacionadas à segurança nacional. Mas a dúvida que paira no ar tem a ver com o pequeno alcance desse tribunal penal. O que os juristas do mundo sonham e esperam é um tribunal permanente, que não tenha fronteiras, que não tenha sido criado para julgar apenas os sérvios que cometeram crimes na ex-Iugoslávia ou representantes de tribos africanas que cometeram crimes durante a guerra civil de Ruanda. Isso vai acontecer um dia, quando o Tribunal Criminal Internacional único for criado, também em Haia. Nele, esperamos que 60 países ratifiquem o Tratado de Roma, para que o tribunal comece a funcionar. Ele não será especifico, mas será para todos os acusados.
BBC - Até que ponto pode se acreditar na Justiça de um tribunal que está sendo tão criticado?
Rezek - O tribunal é legítimo. Sob este ponto de vista, é difícil sustentar que a decisão não vale. O que ele proferir como sentença será executado. A questão é de ordem moral e ela não justifica em absoluto os crimes cometidos por Slobodan Milosevic, nem a condenação que ele terá. A questão é saber como nós poderemos dormir tranquilos, em paz, se sabemos que esta Justiça está sendo seletiva, que a Justiça escolhe determinadas guerras civis e etnias, dentro deste quadro, para proferir o julgamento. A condenação dos sérvios e dos integrantes da Guerra Civil de Ruanda é merecida, mas perturba a nossa idéia de igualdade, de que deveria haver uma Justiça Internacional igual para todos os réus.
BBC - Milosevic, certamente, vai se defender dizendo que não tinha controle sobre todos os sérvios que estavam abaixo dele na hierarquia de poder da ex-Iugoslávia. Provavelmente, ele vai argumentar que não tinha controle, por exemplo, sobre o que ocorria com os kosovares de origem albanesa massacrados por seu governo. De que forma a acusação deve contornar este argumento?
Rezek - Tenho a impressão de que este tema é conhecido de longa data. Como quando a Justiça americana julgou alguns soldados que cometeram crimes no Vietnã, como os nazistas foram julgados no Tribunal de Nuremberg, depois da Segunda Guerra Mundial. Nessas situações, é comum que a Defesa argumente com o não controle de subordinados no momento dos massacres. Os juízes estão acostumados com situações como essa e eles têm maneiras de avaliar estas culpas de uma forma justa. Na realidade, a defesa de Milosevic, que está sendo apresentada por ele mesmo, tem muito mais a ver com atacar instituições internacionais do que com crimes cometidos por seus subordinados. Ele vai argumentar que aquilo era uma guerra civil, interna e com o argumento que ele já apresentou várias vezes de que houve violação das regras, sim. Mas que elas foram recíprocas e cometidas não somente pelos sérvios.
BBC - Qual o principal argumento da defesa de Milosevic?
Rezek - O principal argumento de defesa de Milosevic é que a imprensa só mostra as atrocidades cometidas pelos sérvios, e não o que etnias além dos sérvios fizeram. Mas a imprensa divulga, dá voz a Milosevic. A única coisa que eu diria que está faltando à imprensa internacional neste quadro todo é fazer mais análise, dizer que seria muito melhor termos um tribunal internacional geral e não funcionarmos à base de tribunais especiais, que julgam apenas alguns líderes, em alguns contextos de guerra civil. A imprensa não distorce os fatos, mas às vezes deixa de analisá-los.
BBC - Quem está sendo julgado, apenas Milosevic ou o povo sérvio?
Rezek - Somente Milosevic. Julgar um povo, uma etnia toda seria complicado. Até porque Tito, quando manteve a ex-Iugoslávia comunista unida, encobriu os problemas étnicos do país. Durante algum tempo, se fingiu que aquilo ali era uma só nação. E quando o regime comunista caiu, todos os problemas apareceram. Nenhum daqueles povos pode ser completamente inocente, ou culpado. Não há dúvida de que o julgamento de Milosevic é o de uma pessoa só.
Leia mais no especial sobre Slobodan Milosevic
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