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17/04/2002 - 05h18

Militares venezuelanos pressionam por "presidente moderado"

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ROGERIO WASSERMANN
da Folha de S.Paulo

As mudanças feitas anteontem pelo presidente Hugo Chávez nos postos de comando das Forças Armadas não eliminam suas divisões internas e a pressão militar sobre ele no restante de seu mandato. Na avaliação de analistas consultados pela Folha, o mesmo grupo de militares que ajudou a derrubar Chávez na quinta-feira e que acabou apoiando seu retorno ao poder, dois dias depois, terá papel dominante a partir de agora, estabelecendo as condições para continuar lhe apoiando.

Isso explicaria, em parte, a moderação do discurso de Chávez em seu retorno e a promessa de que não haverá uma caça às bruxas atrás dos oficiais que participaram da tentativa de golpe.

"O estilo de Chávez sempre foi radical e agressivo. Ou esses dois dias de detenção o mudaram muito, o que é pouco provável, ou ele está pressionado a moderar o discurso", afirma o analista político Luis Vicente León, diretor do instituto de pesquisas Datanálisis.

O grupo que, acredita-se, é dominante hoje dentro das Forças Armadas e que teve papel fundamental nos acontecimentos dos últimos dias é o dos chamados "institucionalistas", que defendem o respeito à Constituição e que os militares fiquem alheios à política. Os grupos minoritários seriam os chavistas incondicionais, muitos dos quais seus ex-companheiros na tentativa de golpe contra Carlos Andrés Pérez, em 1992, e os adversários radicais, que já vinham tramando planos para derrubá-lo pelas armas.

A interferência de Chávez nas Forças Armadas, com a aposentadoria ou transferência compulsória de seus desafetos e a promoção de aliados, ou supostos aliados, a postos-chave, em conjunto com sua perda de apoio popular, levou parte do grupo majoritário a se aliar a políticos conservadores no intento de forçar sua renúncia.

Acaso
Sem uma estratégia definida, o golpe acabou acontecendo quase por acaso na quinta-feira, aproveitando a comoção causada pela repressão à megamanifestação de repúdio ao presidente em Caracas. A recusa de Chávez em assinar sua renúncia -e o fato de seu vice e o presidente da Assembléia Nacional, seus sucessores imediatos, serem leais a ele- acabaram empurrando o grupo a uma saída não institucional.

Com a reação geral contrária à ruptura e a ação dos militares leais a Chávez, esse grupo teria voltado atrás e decidido apoiar seu retorno ao poder, dessa vez submetido às suas condições.

Chávez substituiu o comandante do Exército, general Efraín Vásquez, tido como um dos líderes do golpe, e ratificou os comandantes das demais três forças -Marinha, Força Aérea e Guarda Nacional.

O comandante-geral das Forças Armadas, Lucas Rincón Romero, também foi ratificado em seu cargo, apesar de sua participação dúbia no golpe - ele havia se reunido com integrantes do governo dos EUA no ano passado para consultar sobre a reação do país a um eventual golpe, e foi quem anunciou oficialmente a suposta renúncia de Chávez na madrugada de sexta-feira. Isso indica, na avaliação dos analistas, que ainda pairam muitas dúvidas sobre os participantes da tentativa de golpe e que a divisão atual das Forças Armadas ainda é incerta.

"Não se sabe mais quem é quem. Nem mesmo o presidente parece saber quem está com ele e quem não está", afirma a jornalista Dubraska Romero, especialista em questões militares. Segundo ela, pela lista de supostos implicados no golpe, formada em sua maior parte por altos oficiais, "entre 40% e 45% do generalato venezuelano está claramente contra Chávez". Entre os oficiais de mais baixa patente, a oposição a Chávez seria ainda maior, de até 60%.

O apoio ao golpe de quinta-feira foi maior dentro do Exército e da Marinha, mas não deixou de ser significativo dentro da Guarda Nacional e da Força Aérea.

Para um alto oficial, que pede para não ser identificado, a participação no golpe de oficiais em postos de comando, como o general Vásquez, nomeados pelo próprio Chávez, indica que mesmo antes do episódio ele não tinha controle sobre as Forças Armadas e desconhecia a real composição de suas divisões internas -apesar de ser ele próprio um militar.

Apesar de as divisões entre os militares, que permitiram a gestação do golpe, continuarem presentes, os analistas descartam a possibilidade de uma nova tentativa de derrubar Chávez pela via militar, ao menos no curto e no médio prazo. "Pressionado pelos militares, Chávez não poderá tomar muitas decisões no campo interno que contrariem interesses importantes e terá de aceitar as condições que lhe são impostas, como moderar sua linguagem de enfrentamento", afirma Luis Vicente León. "Mas a pergunta que fica no ar é qual a sua estabilidade ao longo do tempo", diz.

Asilo
Três oficiais venezuelanos que se rebelaram contra Chávez estão refugiados com familiares desde anteontem na Embaixada da Bolívia em Caracas em busca de asilo no país. Em comunicado, a embaixada disse que está analisando o pedido de asilo de dez pessoas feito pelos coronéis da Força Aérea Pedro Soto e Silvino Bustillos e pelo capitão da Guarda Nacional Luis García Morales. Os três haviam sido passados compulsoriamente à reserva após terem se rebelado contra o governo.



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