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26/05/2002 - 03h14

Irritação da população norteia o voto na Colômbia

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ROGERIO WASSERMANN
da Folha de S. Paulo, na Colômbia

Os colombianos vão hoje às urnas para escolher um novo presidente por um mandato de quatro anos. Devem expressar seu cansaço em relação aos problemas que assolam o país há décadas e que só fizeram se agravar nos últimos tempos.

A guerra civil, iniciada nos anos 60, vive sua fase mais sangrenta, após a ruptura do processo de paz com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), em fevereiro.

O narcotráfico, que, nos anos 80, desestruturou as instituições do país e trouxe uma onda de violência sem precedentes, acabou incorporado à guerra, como meio de financiamento dos grupos rebeldes e paramilitares. Alimentou ainda mais o conflito.

O resultado disso é a mais grave crise econômica desde os anos 30, o título de "país campeão de sequestros", com mais de 3.000 crimes desse tipo ao ano, uma multidão de 3 milhões de refugiados internos pelo conflito (quase 7% da população) e um fluxo cada vez mais intenso de pessoas e empresas rumo ao exterior _só no primeiro trimestre deste ano 54 mil colombianos já deixaram o país.

O cansaço causado pela guerra interminável é o maior responsável pelo fenômeno expresso pelas últimas pesquisas de intenção de voto: a liderança absoluta do direitista Alvaro Uribe Vélez, 49, defensor de uma atitude mais dura contra os grupos armados ilegais.

Segundo pesquisa divulgada ontem pela empresa Napoleón Franco, Uribe, dissidente do Partido Liberal, teria 48% dos votos. Na quinta-feira, pesquisa do instituto Gallup dava 51% dos votos ao candidato, que pode, assim, vencer hoje a disputa, dispensando o segundo turno (16 de junho).

O principal concorrente de Uribe é Horacio Serpa, 59, candidato do Partido Liberal (social-democrata). Serpa, que nas últimas eleições, em 1998, foi derrotado no segundo turno pelo atual presidente, Andrés Pastrana, tem 27% das intenções de voto, segundo a pesquisa de ontem, e 26%, segundo os números do Gallup.

As duas pesquisas divergem quanto ao candidato que viria em terceiro. O esquerdista Luis Eduardo Garzón, 51, ex-presidente da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), aparece em terceiro na pesquisa do Gallup, com 11% dos votos. Pelos dados da Napoleón Franco, Noemí Sanín Posada, 53, chanceler no governo César Gaviria (1990-1994), tem 8% e ficaria com o terceiro lugar, depois de ter disputado a liderança das pesquisas com Serpa por vários meses, no ano passado.

Outros sete candidatos disputam os votos dos eleitores, entre eles a ex-senadora Ingrid Betancourt, 40, do Partido Oxigênio Verde, sequestrada há três meses pelas Farc com sua chefe de campanha, Clara Rojas, inscrita como candidata a vice em sua chapa.

Autoridade
O crescimento de Uribe nas pesquisas, a partir do início do ano, coincidiu com o fracasso do processo de paz com as Farc, iniciado em 1998, e que era a principal bandeira do atual presidente.

"A liderança de Alvaro Uribe demonstra que a opção pela negociação com a guerrilha está muito desprestigiada entre a população, que exige do Estado uma posição mais firme, com mais autoridade", afirma o analista político Alfredo Rangel. "A população considera que o governo foi muito generoso, permitindo que as Farc continuassem cometendo atos terroristas, sequestrando e traficando drogas durante a vigência do diálogo", diz Rangel.

Uma pesquisa publicada no fim de semana passado pela revista "Semana", a principal do país, indica que 43% da população deseja que o próximo governo enfrente militarmente a guerrilha. Outros 23% se dizem a favor do diálogo, mas depois de enfrentar os rebeldes. A grande maioria da população, 64%, acredita que a guerrilha pode ser derrotada militarmente.

"Há um grande cansaço e uma irritação na população com a situação do país, após um processo de paz que não conseguiu conter os abusos cometidos pela guerrilha", diz Otty Patiño, diretor da ONG Observatório pela Paz e ex-dirigente do grupo guerrilheiro M-19, que virou partido político no início da década passada, após negociações com o governo.

Para Patiño, a incapacidade do atual governo de promover um processo de paz com resultados é um dos fatores que explicam a liderança de Uribe nas pesquisas. "O fracasso do governo Pastrana e as Farc, com suas ações de enfrentamento, são co-responsáveis pelo avanço de Uribe", diz.

Segundo a pesquisa publicada pela "Semana", apenas 18% da população apóia Pastrana e 85% acham que ele não cumpriu suas promessas de campanha.

A desaprovação ao atual governo fez com que o Partido Conservador, de Pastrana, deixasse de ter candidato presidencial próprio pela primeira vez em 60 anos. Juan Camilo Restrepo renunciou a sua candidatura em março, quando tinha menos de 2% das intenções de voto nas pesquisas. O Partido Conservador passou então a apoiar Uribe.

Para muitos analistas, Uribe cresceu graças ao seu discurso de força, contrastado com um governo considerado fraco pela população, por permitir o avanço dos grupos guerrilheiros e também dos paramilitares _surgidos para combater os rebeldes.

"Vou votar em Uribe porque o que precisamos é alguém forte, que possa mostrar aos guerrilheiros e paramilitares que estão enfrentando alguém com autoridade, que não permite que eles façam o que querem, como fez Pastrana", diz o comerciante Gerardo Onesimo Suárez, 54.

Até mesmo o tradicional machismo latino-americano foi utilizado para explicar o crescimento de Uribe. "Em situações de conflito, os eleitores tendem ao machismo, achando que um homem tem mais capacidade de enfrentar problemas como esse", afirma Noemí Sanín, que questionou na última semana as pesquisas, dizendo ainda ter chance de passar ao segundo turno.

Pressões
Os últimos dias de campanha foram marcados pela tensão sobre possíveis atentados que ameacem a realização da votação. Uma ofensiva das Farc e do ELN (Exército de Libertação Nacional, segunda maior guerrilha colombiana) contra a infra-estrutura do país destruiu diversas pontes, torres de energia e de telecomunicações, deixando cidades isoladas, sem luz e sem comunicação.

Também foram denunciadas pressões de grupos armados contra eleitores. A missão da OEA (Organização dos Estados Americanos) que observa a eleição colombiana denunciou pressões das Farc para que os eleitores não votem e de paramilitares para que votem a favor de Uribe.

Serpa também vem acusando interferências a favor de Uribe pelos paramilitares, que declararam publicamente sua predileção pelo candidato. Mas ele nega vinculação com o paramilitarismo.

"O fato de os paramilitares terem declarado apoio a Uribe não faz dele um porta-voz do grupo, assim como o fato de ele ter sido alvo de atentados da guerrilha não faz de Serpa um porta-voz das Farc", diz Alfredo Rangel.

Uribe escapou ileso de um atentado atribuído às Farc contra sua comitiva em Barranquilla (norte do país), em abril, no qual morreram quatro pessoas. Pelo menos outros dez planos ou tentativas de atentado contra ele foram frustrados pela polícia.

Por conta das ameaças, o candidato trocou os comícios e contatos diretos com eleitores por videoconferências e reuniões privadas nas últimas semanas das eleições. Luis Eduardo Garzón, ameaçado pelos paramilitares, também limitou seus deslocamentos e suas aparições públicas, seguindo sugestão da polícia e da OEA.

Maioria parlamentar
Dentre os 11 candidatos que concorrem hoje à Presidência, apenas Alvaro Uribe deve ter maioria no próximo Congresso, segundo uma estimativa feita pelo jornal "El Tiempo" a partir das declarações de apoio dos congressistas eleitos em 10 de março.

A eleição ao Congresso ainda está indefinida, por conta de pedidos de recontagem e denúncias de fraude, mas, se não houver mudanças na lista provisória de eleitos, Uribe deve ter o apoio de cerca de 55 dos 102 senadores e também a maioria absoluta entre os deputados.

Entre os senadores que o apóiam estão oito do Partido Liberal _cujo candidato oficial é Horacio Serpa_ e 19 do Partido Conservador, do atual presidente, Andrés Pastrana. Os demais são independentes, como Uribe.

Serpa teria o apoio de 31 senadores eleitos. O esquerdista Luis Eduardo Garzón, em terceiro nas pesquisas, tem o apoio declarado de nove senadores eleitos, e apenas dois declararam apoio à ex-chanceler Noemí Sanín.

Apesar da perspectiva de governar com uma folgada maioria no Congresso, Uribe tem, entre suas propostas, uma reforma do Legislativo, com a eliminação de uma das duas Casas do Parlamento e a redução do número total de congressistas dos atuais 268 para 150.

A proposta foi fortemente criticada por Serpa, para quem ela é "antidemocrática". Uribe rebate dizendo que a diminuição do Congresso é necessária para reduzir os gastos públicos e a corrupção.

"[A redução do Congresso] deve eliminar a corrupção e a politicagem", afirmou Uribe durante entrevista à TV Caracol, anteontem à noite. Segundo uma pesquisa recente publicada pelo "El Tiempo", 65% dos colombianos aprovam a redução do Congresso.

Há dois anos, Pastrana, que não tem maioria no Congresso, também havia proposto um referendo sobre a redução parlamentar, mas voltou atrás depois que Horacio Serpa, a quem havia vencido nas eleições de 1998, sugeriu acrescentar ao referendo a antecipação da eleição presidencial.

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