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23/06/2002
-
09h08
CLÓVIS ROSSI
da Folha de S.Paulo
O desencanto com o modelo dito neoliberal tem uma face política. Como diz Gilberto Dupas, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais, o discurso liberal "foi assumido em plena maré democrática na América Latina".
De fato, todos os países da região, a partir dos anos 90 ou pouco antes, tornaram-se democráticos, com exceção de Cuba, ainda que haja déficits na democracia de muitos deles. Tornaram-se simultaneamente adeptos entusiastas do neoliberalismo, como antes haviam aderido ao populismo.
Essa coincidência faz com que, na hora da crise, "a democracia perca ainda mais legitimidade, abrindo espaço para o populismo", supõe Dupas.
Francisco Panizza, da London School of Economics, tem temores mais sérios: "Há muito pouco tempo, acreditava que fosse impensável a volta dos golpes militares. Hoje, na Venezuela visivelmente e de modo menos visível na Argentina, há gente batendo às portas dos quartéis".
Se os golpes militares podem ou não voltar, o tempo dirá. O que é possível dizer já é que, no processo de reformas, o sistema partidário foi se esfacelando, substituído em geral por líderes personalistas, como Fujimori ou Chávez.
Claro que não se trata de um fenômeno generalizado. No Uruguai, por exemplo, os partidos "blanco" e "colorado", que se revezam no poder desde a independência, continuam os mais fortes.
No Brasil, os partidos estão se fortalecendo, "talvez porque nunca houve nada parecido com uma estrutura partidária forte", lembra Renato Baumann, da Cepal. A fragilização dos partidos, diz Dupas, é também, ao menos em parte, culpa do processo de globalização. "A maior inserção dos países na economia mundial acaba relativizando a capacidade dos aparatos locais de gerir crises."
Por isso, "os Estados nacionais parecem cada vez menos aptos para lidar com as demandas dos povos". Seria natural, portanto, que o público se afastasse ou desconfiasse das lideranças políticas.
Baumann dá outro elemento da crise dos partidos: "Um fenômeno nítido dos anos 90 foi a crescente percepção de cidadania, que se revela, por exemplo, no fortalecimento dos direitos do consumidor. Mas há um desencanto com os mecanismos que formalizam essa participação cidadã".
Os panelaços que derrubaram dois presidentes argentinos tornam concreto o paradoxo traçado por Baumann. O público participa batendo panelas, mas não consegue fazê-lo pela via institucional: a urna. "Aonde isso vai nos levar, não sei", diz Baumann.
Leia mais:
Crise derruba "otimismo histórico" da América Latina
Encanto com neoliberalismo fica trincado
Impasse mancha também a democracia
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da Folha de S.Paulo
O desencanto com o modelo dito neoliberal tem uma face política. Como diz Gilberto Dupas, do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais, o discurso liberal "foi assumido em plena maré democrática na América Latina".
De fato, todos os países da região, a partir dos anos 90 ou pouco antes, tornaram-se democráticos, com exceção de Cuba, ainda que haja déficits na democracia de muitos deles. Tornaram-se simultaneamente adeptos entusiastas do neoliberalismo, como antes haviam aderido ao populismo.
Essa coincidência faz com que, na hora da crise, "a democracia perca ainda mais legitimidade, abrindo espaço para o populismo", supõe Dupas.
Francisco Panizza, da London School of Economics, tem temores mais sérios: "Há muito pouco tempo, acreditava que fosse impensável a volta dos golpes militares. Hoje, na Venezuela visivelmente e de modo menos visível na Argentina, há gente batendo às portas dos quartéis".
Se os golpes militares podem ou não voltar, o tempo dirá. O que é possível dizer já é que, no processo de reformas, o sistema partidário foi se esfacelando, substituído em geral por líderes personalistas, como Fujimori ou Chávez.
Claro que não se trata de um fenômeno generalizado. No Uruguai, por exemplo, os partidos "blanco" e "colorado", que se revezam no poder desde a independência, continuam os mais fortes.
No Brasil, os partidos estão se fortalecendo, "talvez porque nunca houve nada parecido com uma estrutura partidária forte", lembra Renato Baumann, da Cepal. A fragilização dos partidos, diz Dupas, é também, ao menos em parte, culpa do processo de globalização. "A maior inserção dos países na economia mundial acaba relativizando a capacidade dos aparatos locais de gerir crises."
Por isso, "os Estados nacionais parecem cada vez menos aptos para lidar com as demandas dos povos". Seria natural, portanto, que o público se afastasse ou desconfiasse das lideranças políticas.
Baumann dá outro elemento da crise dos partidos: "Um fenômeno nítido dos anos 90 foi a crescente percepção de cidadania, que se revela, por exemplo, no fortalecimento dos direitos do consumidor. Mas há um desencanto com os mecanismos que formalizam essa participação cidadã".
Os panelaços que derrubaram dois presidentes argentinos tornam concreto o paradoxo traçado por Baumann. O público participa batendo panelas, mas não consegue fazê-lo pela via institucional: a urna. "Aonde isso vai nos levar, não sei", diz Baumann.
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