Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
25/06/2002 - 04h12

Escola pode ser uma arma contra a fome

Publicidade

PAUL TERGAT
Especial para o "Le Monde"

Existem hoje cerca de 800 milhões de pessoas no mundo que passam fome. Todos os dias, 24 mil delas - em sua maioria crianças - morrem de desnutrição ou das consequências dela.

Essas estatísticas trágicas são pouco conhecidas. E muito poucas pessoas sabem que a ONU adotou como objetivo reduzir a pobreza no mundo pela metade até 2015. Entretanto, se continuarmos no ritmo atual, estaremos longe de consegui-lo.

Dirigentes da ONU, chefes de Estado e representantes de organizações humanitárias se reuniram em Roma, no início do mês, para estudar os meios a serem utilizados para acelerar esse movimento.

Pobreza e fome são coisas que eu conheço bem. Passei minha infância em Baringo, um pequeno povoado do Quênia no vale do Rift, devastado por seca, doenças, miséria e escassez de alimentos. Tudo isso tinha consequências gravíssimas, sobretudo para as crianças.

A maioria de meus amigos e colegas em Baringo era obrigada a trabalhar duro para ajudar seus pais a garantir sua subsistência. Estudar, para eles, estava fora de questão - ou, se o fizessem, era ao custo do sacrifício de seus irmãos.

Alguns poucos de mais sorte, como eu, frequentávamos a escola. Todas as manhãs caminhávamos cinco quilômetros para ir à escola - de barriga vazia, é claro. O difícil, nessas condições, era prestar atenção às aulas.

Um dia, porém, quando eu tinha oito anos, tudo mudou. O Programa Alimentar Mundial das Nações Unidas (PAM) começou a distribuir comida nas escolas da região, e de repente eu tive a sensação de ter sido libertado de um grande peso.

Pela primeira vez na vida, deixei de sentir a dor da fome e me tornei um aluno atento. Colegas meus que estavam havia muito tempo sem ir à escola retornaram. Outros, que nunca tinham posto os pés numa sala de aula, vieram engrossar nossas fileiras. Ainda me recordo da enorme esperança que essa ajuda providencial fez nascer em nós.

Já faz tempo que cientistas e organizações que atuam em campo, como o PAM, afirmam que a merenda escolar pode reduzir a fome de maneira pontual e melhorar sensivelmente os índices de presença e de aproveitamento dos alunos. Além disso, ela compensa as famílias pobres por parte da perda de sua mão-de-obra.

As escolas que servem refeições com frequência dobram seu quadro de alunos no prazo de um ano, e o aproveitamento escolar de seus alunos descreve um salto de 40% em dois anos. A merenda escolar é ainda mais útil pelo fato de, longe de criar uma dependência passiva, libertar o potencial de autonomia e realização das crianças.

É em parte ao modesto programa de alimentação de minha escola que devo minha força física, minha sede de aprender e minha vontade de ser o melhor no que faço. Um programa do mesmo tipo pode fazer acontecer esse milagre para milhões de outras crianças no mundo. Peço a todos os que participaram da Cúpula Mundial da Alimentação que pensem muito seriamente nessa possibilidade, já que alimentar 300 milhões de crianças em idade escolar subnutridas significa reduzir imediatamente em um terço o número de pessoas no mundo que passam fome, especialmente entre as mais vulneráveis.

O momento é ainda mais propício porque o Congresso americano acaba de decidir que vai financiar um programa internacional de alimentação escolar durante dez anos, com US$ 100 milhões por ano. Outros países precisam pegar esse bonde e aproveitar a cúpula para assumir compromissos nesse mesmo sentido. Se cada um fizer sua parte, poderemos reduzir rapidamente a fome no mundo, apostando no futuro das crianças e dos países pobres.

Será um sonho impossível? De maneira alguma. Os programas de merenda escolar deram ótimos resultados na Europa, nos Estados Unidos, no Japão e em outras partes do mundo no período pós-Segunda Guerra Mundial. No prazo de uma geração, ajudaram a transformá-los de países exauridos em nações prósperas e dinâmicas. O que impede o mundo de fazer o mesmo pelos países em via de desenvolvimento?

É através da educação que os pobres poderão deixar a miséria para trás e aproveitar os benefícios da globalização. A merenda escolar é uma solução tão simples quanto indispensável para combater a desnutrição e ajudar as crianças carentes a começar a vida com o pé direito.

O corredor queniano Paul Tergat é pentacampeão da corrida de São Silvestre, recordista mundial de meia-maratona e medalhista de prata na prova dos 10 mil metros nos Jogos Olímpicos de Atlanta e de Sydney.

Tradução de Clara Allain
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página