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18/07/2002 - 02h49

Batalha farsesca esconde tensão que se acumula há anos

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JOHN CARLIN
do "The Independent"

Em nenhum outro lugar no mundo duas civilizações milenares e que ainda competem entre si estão geograficamente tão próximas. Os 11 km de largura do estreito de Gibraltar são tudo o que separa a Espanha - profana, rica, democrática e em cujas praias milhões expõem seus corpos atualmente - do medieval e monárquico Marrocos, onde, no último fim de semana, o rei Mohammed 6º casou-se com uma pessoa cujo corpo e rosto estavam totalmente ocultos por uma burga.

Na semana passada, Marrocos acertou um golpe contra os infiéis. Doze soldados marroquinos invadiram e tomaram a ilha de Perejil, um pequeno afloramento rochoso a 200 m do continente africano e habitado apenas por cabras desde 1963. Perejil —nome que, em espanhol, significa "salsinha"— pertencera à coroa espanhola por mais de três séculos. Durante seis dias, a bandeira de Marrocos flutuou sobre a ilha. Daquele momento em diante e por toda a eternidade, pensou Mohammed, a ilha passaria a ser conhecida como Leila.

Mas o rei, seus ministros e os 12 homens ousados responsáveis pela famosa vitória não imaginavam que a coroa espanhola fosse reagir com tamanha rapidez. O premiê José María Aznar despachou tropas de elite para a ilha.

Os marroquinos entregaram Leila sem disparar um único tiro.

Entretanto a aparência de farsa divertida mascara algumas questões pertinentes: as tensões cada vez maiores entre o islã e o Ocidente e as migrações em massa de países pobres para países ricos.

A "Batalha da Ilha da Salsinha" trouxe para mais perto da superfície o sentimento negativo contra o mundo muçulmano que vem cozinhando em banho-maria.

No que diz respeito a assuntos raciais, a Espanha tem sido possivelmente o país mais politicamente correto da Europa nos últimos 20 anos. Num contraste com França, Holanda, Áustria e até Reino Unido, nada nela sugere que um partido da direita xenófoba posaa ter ressonância.

Mas algo está se mexendo no país da Europa Ocidental que sempre teve os laços históricos mais estreitos com o islã, o país cristão que sofreu a mais longa ocupação árabe. Os mouros dominaram a maior parte da atual Espanha por quase 700 anos. Alhambra, em Granada, e a não menos gloriosa mesquita de Córdoba são testemunhos da glória e do poder do antigo império mouro. Hoje, porém, não é gratidão o que muitos espanhóis sentem. Cada vez mais sentem desconfiança, ressentimento e querem se ver livres dos mouros modernos.

Até 12 anos atrás, a Espanha era exportadora de pessoas. Isso mudou. Próspera e estável, ela se viu transformada repentinamente do grande país europeu mais homogêneo em termos raciais e religiosos, num caldeirão cultural e étnico multicolorido. As pessoas não param de chegar ao país, a maioria sem documentos legais, vindas do Leste Europeu, da América Latina e da África Ocidental. E repetidas pesquisas de opinião dos últimos cinco anos mostram que os imigrantes que os espanhóis mais rejeitam são seus vizinhos do norte da África, principalmente os marroquinos.

A que se deve esse sentimento contrário aos mouros? Suas origens são, em parte, históricas. Enquanto a geração espanhola mais jovem aprendeu na escola a valorizar a contribuição de seus antepassados islâmicos, todas as gerações anteriores, desde 1492, quando Fernando e Isabel expulsaram os mouros da Espanha, foram doutrinadas na visão católica dos mouros, que os retrata como malévolos, traiçoeiros e hereges.

Aznar não hesitou em definir exatamente onde a Espanha se situa no choque mais amplo desde a destruição das Torres Gêmeas. Com a possível exceção de Tony Blair, nenhum outro líder ocidental reagiu de maneira mais inequívoca ao desafio lançado por George W. Bush quando ele disse aos países do mundo: "Ou vocês estão do nosso lado, ou estão contra nós". Os EUA podem ter aliados mais poderosos em sua "guerra ao terrorismo", mas nenhum é mais entusiástico do que Aznar.

As relações entre a Espanha e seus vizinhos islâmicos vêm se deteriorando constantemente, com disputas em torno de direitos de pesca, da soberania sobre o Saara Ocidental etc.

A vida não anda fácil para os marroquinos na Espanha. Desde a invasão marroquina de Perejil, eles começam a se sentir como se fossem inimigos.

Tradução de Clara Allain

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