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17/08/2002 - 05h32

Com ressalvas, América Latina apóia mais a democracia

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ROGERIO WASSERMANN
da Folha de S.Paulo

O apoio à democracia na América Latina cresceu no último ano, apesar das graves crises econômicas por que passa a maioria dos países da região, segundo uma pesquisa da organização chilena Corporación Latinobarómetro, realizada em 17 países da região entre abril e maio e publicada nesta semana.

Ao mesmo tempo, porém, houve uma queda quase generalizada na confiança nos partidos políticos, e em quase todos os países da América do Sul, salvo o Uruguai, mais da metade da população está insatisfeita com a forma como a democracia vem sendo aplicada (veja quadros nesta página).

Para a economista Marta Lagos, 50, diretora da Latinobarómetro, os resultados da pesquisa indicam um "aumento da cidadania", que explicaria por que a insatisfação com a condição atual não se traduz num rechaço à democracia.

"As pessoas estão insatisfeitas com sua situação econômica, mas reconhecem o sistema de mercado e a democracia como o único sistema que pode levá-las ao desenvolvimento", disse Lagos à Folha, por telefone, de Santiago.

Para ela, situações de crises levam as pessoas a prezarem mais a democracia. "A possibilidade que trazem as crises é a volta de um governo autoritário. Diante dessa perspectiva, as pessoas se aferram à democracia, por pior que esteja funcionando", afirmou.

"Na prática, 68% dos latino-americanos estão dizendo que a democracia é o pior sistema, exceto todos os outros", disse. "É uma democracia "churcilliana'", afirmou, em referência à famosa frase do primeiro-ministro britânico Winston Churchill (1874-1965) —"A democracia é a pior forma de governo, exceto todas as outras que foram experimentadas".

Apesar do aumento do apoio à democracia no último ano, a comparação com os dados da pesquisa de 1996, por exemplo, indica que nesses seis anos esse apoio caiu na maioria dos países, exceto em Honduras, Venezuela, México e Nicarágua.

Uruguai (78%), Costa Rica (77%) e Venezuela (75%) aparecem como os países nos quais há maior apoio à democracia —na Venezuela, que passou por um golpe de Estado frustrado em abril, esse apoio cresceu 13 pontos no último ano. Na outra ponta, Brasil (37%), Colômbia (39%) e El Salvador (40%) aparecem como os países nos quais o apoio à democracia é mais baixo.

Apoio ao autoritarismo
Mas a falta de apoio ao sistema não significa necessariamente uma preferência por regimes autoritários, reforçando a tese da "democracia churchilliana". No Brasil, 15% consideram hoje melhor um regime autoritário em certas circunstâncias que uma democracia, uma queda de 9 pontos desde 1996.

O apoio ao autoritarismo varia na maioria dos casos entre 8% (na Costa Rica) e 20% (México e Bolívia), exceto no Paraguai, onde 38% concordariam com um regime autoritário em certos casos.

O atual presidente paraguaio, Luiz González Macchi, sofre grandes questionamentos sobre sua legitimidade, por não ter sido eleito diretamente —assumiu o cargo em 1996, como presidente do Congresso, após o assassinato do vice-presidente Luis María Argaña e a renúncia do presidente Raúl Cubas Grau.

Segundo pesquisa publicada ontem no país, 86,2% dos paraguaios desaprovam o governo de González Macchi. Ele sofre ainda a constante sombra do ex-general Lino Oviedo, que já tentou um golpe de Estado contra ele em 2000 e, exilado no Brasil, organizou violentas manifestações contra o governo no mês passado.

Para Marta Lagos, os problemas do Paraguai têm relação com sua história. "O Paraguai é um dos países da região com maior período de experiências autoritárias ao longo de sua história", afirmou.

Para ela, o apoio ao autoritarismo cresce nos países com um histórico de autoritarismo, enquanto a vivência democrática aumentaria o apoio à democracia. "O que as pesquisas mostram é que as pessoas que se formam em sociedades autoritárias são menos democráticas que as que cresceram em sociedades democráticas. A educação é muito importante para formar um democrata."

Rechaço aos partidos
A queda da confiança na democracia entre 1996 e 2002 foi acompanhada na maioria dos casos por uma queda também na confiança da população nos partidos políticos. O caso extremo é o da Argentina, onde a confiança nos partidos em 2002 é zero, contra pouco mais de 16% em 1996. A Argentina é ainda o país com o maior grau de rechaço às privatizações e a maior quantidade de cidadãos insatisfeitos com a atual situação econômica —quase 95%.

Os dados são resultado direto da grave crise econômica por que passa o país, a mais grave de sua história —a maioria dos argentinos responsabiliza sua classe política pela situação.

Outro caso emblemático é o da Venezuela. Apesar de viver uma intensa crise econômica e política, o país teve, assim como o México, uma redução na proporção de pessoas insatisfeitas com a situação econômica entre 1996 e 2002, enquanto em todos os demais países pesquisados a insatisfação aumentou.

Para Marta Lagos, isso se explica pela eleição de Hugo Chávez, em 1998. Chávez, um ex-golpista, foi eleito presidente com um discurso populista e de combate à corrupção.

A insatisfação com a situação econômica entre os venezuelanos caiu de 74%, em 1996, para 38%, em 2002. O apoio à democracia também aumentou no país no período, de 62% para 75%.

"É um assunto essencialmente político. A eleição de Chávez mudou a face no país, porque criou expectativas em uma parcela da população que estava esquecida pela elite que dominava a política anteriormente", disse Lagos.

"A avaliação da situação econômica varia de acordo com as expectativas, porque depende da perspectiva. O mesmo vale para o apoio à democracia. Independente de sua própria condição democrática, Chávez representou para a maioria dos cidadãos a expectativa do acesso à cidadania, antes negado", disse Lagos.
 

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