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12/09/2002 - 21h47

Confira o discurso de Kofi Annan na Assembléia Geral da ONU

da Folha Online*

"Sr. presidente, distintos chefes de Estado e governo, excelentíssimos, senhoras e senhores:

"Nós não podemos começar o dia sem refletir sobre o aniversário de ontem e o desafio criminoso tão brutalmente jogado em nossas faces em 11 de setembro de 2001.

"Os ataques terroristas daquele dia não foram um evento isolado. Eles foram um exemplo extremo de um flagelo global, o qual requer uma resposta internacional, sustentada e global.

"Internacional, porque o terrorismo pode ser derrotado apenas se todas as nações se unirem contra ele.

"Sustentada porque a batalha contra o terrorismo não será vencida facilmente, em uma noite. Ela requer paciência e persistência.

"E global porque o terrorismo é um fenômeno difundido e complexo, com muitas raízes profundas e fatores exacerbantes.

"Sr. presidente, eu acredito que tal responsabilidade pode apenas ser bem-sucedida se nós fizermos o uso total das instituições multilaterais.

"Eu me coloco em sua frente hoje como um multilateralista por precedência, por princípio, por título e por dever.

"Eu também acredito que cada governo que é comprometido com o cumprimento da lei em casa, deve ser comprometido também com o cumprimento da lei no exterior. E todos os Estados têm um interesse claro, assim como uma responsabilidade clara, de sustentar a lei e manter a ordem internacional.

"Nossos pais fundadores, da declaração de 1945, aprenderam esta lição com a mais amarga das experiências, de duas guerras e uma grande depressão.

"Eles reconheceram que a segurança internacional não é um jogo empatado. Paz, segurança e liberdade não são commodities finitas -como terra, petróleo ou ouro-, as quais um Estado pode adquirir às custas de outro. Ao contrário: quanto mais paz, segurança e liberdade um Estado tem, mais seus vizinhos também as desejam.

"Eles reconheceram que, ao concordar em exercer a soberania juntos, eles ganhariam uma vantagem sobre problemas que poderiam atingir qualquer um deles que agisse separadamente.

"Se as lições eram claras em 1945, elas não deveriam ser muito mais hoje, na era da globalização?

"Em quase nenhum item em nossa agenda alguém que seriamente combater cada nação pode se afastar. Até os países mais poderosos sabem que precisam trabalhar com outros, em instituições multilaterais, para atingir seus objetivos.

"Apenas pela ação multilateral nós podemos assegurar que mercados abertos ofereçam benefícios e oportunidades a todos.

"Apenas pela ação multilateral nós podemos dar às pessoas em países menos desenvolvidos a chance de escapar da terrível miséria da pobreza, da ignorância e da doença.

"Apenas pela ação multilateral nós podemos nos proteger da chuva ácida, do aquecimento global, da expansão de HIV/Aids, do comércio ilícito de drogas, ou do tráfico odioso de seres humanos.

"Isso se aplica ainda mais na prevenção do terrorismo. Estados individuais podem se defender, atacando de volta grupos terroristas e os países que os sediam ou apoiam. Mas apenas a vigilância e a cooperação combinadas entre todos os Estados, com a troca constante, sistemática de informação, oferecem qualquer esperança real de negar oportunidade aos terroristas.

"Em todos esses pontos, para qualquer Estado -pequeno ou grande- escolher seguir ou rejeitar o caminho multilateral não deve ser uma simples questão de conveniência política. Ela tem consequências muito além do contexto imediato.

"Quando os países trabalham juntos em instituições multilaterais desenvolvendo, respeitando e, quando necessário, forçando o cumprimento da lei internacional, eles também desenvolvem a confiança mútua e uma cooperação mais efetiva em outros assuntos.

"Quanto mais um país usa as instituições multilaterais, desse modo respeitando valores compartilhados, e aceitando as obrigações e as limitações inerentes a esses valores, mais os outros irão confiar nele e respeitá-lo, e mais fortes são as chances de se exercitar a verdadeira liderança.

"E entre instituições multilaterais, esta organização universal tem um lugar especial.

"Qualquer Estado, se atacado, possui o direito inerente de se defender, de acordo com o artigo 51 da carta [da ONU]. Mas, além disso, quando Estados decidem usar a força para lidar com questões externas que ameaçam a paz e a segurança internacionais, não há substituto para a legitimidade única representada pelas Nações Unidas.

"Os Estados-membros acrescentam importância, grande importância na verdade, a tal legitimidade e ao cumprimento da lei internacional. Eles mostraram notadamente na ação para libertar o Kuait, doze anos atrás, que estão dispostos a tomarem atitudes sob a autoridade do Conselho de Segurança, sem o qual eles não se dispõem.

"A existência de um sistema de segurança internacional efetivo depende da autoridade do conselho e sempre o conselho tem a vontade política de agir, mesmo nos casos mais difíceis, quando o acordo parece indefinível desde o início. O critério primário para se colocar um assunto na agenda do conselho não deveria ser a receptividade das partes, mas a existência de uma ameaça grave à paz mundial.

"Sr. presidente, deixe-me agora voltar para quatro ameaças à paz mundial, nas quais liderança verdadeira e ação efetiva são extremamente necessárias.

"Primeiro, o conflito israelo-palestino. Recentemente, muitos de nós estivemos trabalhando arduamente para conciliar as preocupações legítimas com a segurança de Israel com as necessidades humanitárias palestinas.

"Mas esses objetivos limitados não puderam ser alcançados em isolamento no extenso contexto político. Nós devemos retornar a busca por uma solução justa e compreensiva, a qual por si só possa trazer segurança e prosperidade a ambos os povos, e também para toda região.

"A forma conclusiva para o estabelecimento da paz no Oriente Médio é conhecida. Ela foi definida há muito tempo nas resoluções 242 e 338 do Conselho de Segurança, e seus componentes israelo-palestinos foram colocados até mais claramente na resolução 1397: terra por paz; fim do terrorismo e da ocupação; dois Estados, Israel e Palestina, vivendo lado a lado em fronteiras seguras e reconhecidas.

"Ambas as partes aceitam esta visão. Mas nós só podemos alcançá-la se nos movermos rapidamente e em paralelo em todas as frentes. A chamada aproximação 'sequencial' falhou.

"Como nós concordamos no encontro do 'quarteto' em Washington em maio, uma conferência de paz internacional é necessária sem demora, para traçar um mapa de passos paralelos: passos para melhorar a segurança de Israel, passos para reforçar as instituições econômicas e políticas palestinas, e passos para determinar os detalhes do acordo de paz final. Enquanto isso, passos humanitários para minimizar o sofrimento palestino devem ser intensificados. A necessidade é urgente.

"Segundo, a liderança do Iraque continua a desafiar as resoluções mandatárias adotadas pelo Conselho de Segurança no capítulo 7 da carta.

"Eu tenho me comprometido em uma profunda discussão sobre diversos assuntos, incluindo a necessidade dos inspetores de armas retornarem, de acordo com as relevantes resoluções do Conselho de Segurança.

"Esforços para obter a concordância do Iraque quanto às resoluções do conselho devem continuar. Eu apelo para aqueles que têm influência entre os líderes do Iraque para convencê-los da importância vital de aceitar os inspetores de armas. Este é o indispensável primeiro passo na direção de assegurar ao mundo que todas as armas de destruição em massa do Iraque foram realmente eliminadas, e -deixe-me ressaltar- em direção da suspensão e de um eventual término das sanções que estão causando tanta miséria para o povo iraquiano.

"Eu peço ao Iraque que cumpra suas obrigações pelo bem de seu próprio povo, e pelo bem da ordem mundial. Se o desacato do Iraque continuar, o Conselho de Segurança deve encarar suas responsabilidades.

"Em terceiro, permitam-me pressionar todos vocês, como líderes da comunidade internacional, a manterem seu comprometimento com o Afeganistão.

"Eu sei que falo por todos ao dar as boas-vindas ao presidente Karzai a esta assembléia, e parabenizá-lo por escapar de um atentado de assassinato na semana passada -uma lembrança de quão difícil é desarraigar os remanescentes do terrorismo em qualquer país onde ele tenha criado raízes. Foi a omissão vergonhosa quanto ao Afeganistão por parte da comunidade internacional nos anos 90 que permitiu que o país caísse no caos, providenciando um terreno fértil para a Al Qaeda.

"Hoje, o Afeganistão urgentemente precisa de ajuda em duas áreas. O governo deve ser ajudado a estender sua autoridade pelo país. Sem isso, tudo o resto pode falhar. E doações devem continuar pelo comprometimento de vocês na reabilitação, na reconstrução e no desenvolvimento. De outra forma, o povo afegão perderá a esperança -e o desespero, nós sabemos, origina violência.

"E finalmente, no sul da Ásia, o mundo tem visto de mais perto, por muitos anos, um conflito direto entre dois países com capacidade nuclear. A situação agora pode ter acalmado um pouco, mas continua perigosa. A causa principal deve receber atenção. Se uma nova crise aparecer, a comunidade internacional deve ter um papel a atuar, não obstante eu prazerosamente agradeço e também recepciono os esforços feitos por Estados-membros comprometidos em ajudar estes dois líderes a encontrarem uma solução.

"Excelentíssimos, deixe-me concluir lembrando-os de sua promessa feita dois anos atrás, no Encontro do Milênio, 'de fazer das Nações Unidas um instrumento mais efetivo' no serviço aos povos do mundo.

"Hoje eu peço a todos vocês que honrem aquela promessa.

"Deixe-nos todos reconhecer, de hoje em diante em cada capital, em cada nação grande ou pequena, que o interesse global é o nosso interesse.

"Muito obrigado."

* Tradução de Cristina Amorim, da Folha Online
 

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