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12/09/2002 - 22h31

Leia o discurso de Celso Lafer na Assembléia Geral da ONU

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O chanceler brasileiro Celso Lafer inaugurou a primeira sessão de trabalhos da 57ª Assembléia Geral da ONU (Organização das Nações Unidas). O Brasil é, por tradição, o primeiro orador da Assembléia.

Leia abaixo o discurso de Celso Lafer:

"Senhor Presidente,

Felicito Vossa Excelência por sua eleição para presidir a Assembléia Geral das Nações Unidas.

Agradeço a seu antecessor, Han Seung-soo, pela liderança que demonstrou em momento particularmente crítico da Organização.

Ao Secretário-Geral Kofi Annan, reitero a confiança do Brasil nas qualidades de estadista com que tem conduzido seu mandato.

Tenho a satisfação de saudar o ingresso do Timor Leste na família das Nações Unidas, assim como o acolhemos, em julho último, em Brasília, na nossa Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. Um Timor livre um notável êxito das Nações Unidas.

O Brasil dá igualmente boas vindas à Suíça, que se associa de maneira plena a este foro político global.

Senhor Presidente,

Venho a esta tribuna como representante de um país que acredita nas Nações Unidas.

De um país que reconhece o multilateralismo como princípio ordenador da convivência entre Estados.

Esta é a convicção de todas as horas, fáceis ou difíceis.

Esta é uma hora difícil para a Organização. Exige respostas respaldadas nos princípios e valores que a fundamentam. O Brasil os defende desde as primeiras conferências internacionais do século 20.

Como país, nunca fomos tentados pelo argumento do poder. Mas sempre, pelo poder do argumento.

Assim tem sido a política externa do Presidente Fernando Henrique Cardoso no correr dos oito anos dos seus dois democráticos mandatos, na qual orientações fundamentais são recorrentes:

- democratizar as instâncias decisórias;

- superar o déficit de governança existente no plano internacional;

- estabelecer uma nova arquitetura financeira e dar resposta eficaz à volatilidade dos fluxos de capital;

- defender um sistema multilateral de comércio que seja justo e equilibrado;

- corrigir as distorções que surgem de uma economia que se globaliza, ao lado de processos políticos e institucionais que não se globalizam;

- afirmar os valores dos direitos humanos e do desenvolvimento sustentável;

Estes são desafios que não podemos enfrentar sozinhos.

Por isso, tanto tem feito o Presidente Fernando Henrique em favor do fortalecimento do Mercosul e da integração sul-americana, como instrumentos para a paz, cooperação e maior competitividade de nossos países. Do mesmo modo, estimulou novas parcerias em todos os continentes, e têm-se empenhado em obter negociações equilibradas para o estabelecimento de áreas de livre comércio, em especial com a União Européia e com os países que integram o processo da Área de Livre Comércio das Américas.

Estamos empenhados:

- na entrada em vigor do Protocolo de Kioto e no funcionamento do Tribunal Penal Internacional;

- na implementação da agenda do desenvolvimento social;

- em fazer avançar o desarmamento nuclear e convencional.

Sob a liderança do Presidente Fernando Henrique Cardoso, a visão brasileira do mundo exprime objetivos, não apenas de um governo, mas do país e da sociedade.

Por essa razão, o processo eleitoral em curso, ao fortalecer nossa democracia, irá projetar com vigor as credenciais internacionais do Brasil.

Nosso compromisso com a ONU e com o multilateralismo não se abala 'em tempo de tormenta e vento esquivo', para citar Camões.

E quanto mais graves os desafios - como os da difícil conjuntura em que vivemos - maior a necessidade de que a resposta a eles se faça com legitimidade.

Legitimidade que vem da participação e do consenso.

A cooperação deve ser nosso 'modus operandi'.

No contexto multilateral, é fundamental a liderança na proposta das tarefas a serem realizadas.

Mas o conteúdo e a forma de cada tarefa só podem ser definidos por meio do diálogo.

Só o diálogo torna possível construir uma coalizão de nações efetivamente unidas.

Nações unidas pela força do convencimento.

O emaranhado de interesses que formam as redes de interdependência em escala planetária, não será controlado sem uma autoridade que se enraíze em instituições multilaterais e no respeito ao direito internacional.

Deve ser mantido o compromisso com soluções negociadas sob o manto legitimador do multilateralismo.

Quando dos ataques terroristas de 11 de setembro, a solidariedade desta Organização com os Estados Unidos da América foi imediata, com a adoção de resoluções pela Assembléia Geral e pelo Conselho de Segurança.

O Brasil tomou a iniciativa, no nível regional, de invocar o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca, como expressão do nosso firme repúdio e condenação à barbárie do terrorismo.

Essas respostas têm-se desdobrado na busca de uma renovada colaboração nas áreas de segurança, inteligência, cooperação policial e judicial.

Soluções duradouras para os problemas do terrorismo, do tráfico de entorpecentes e do crime organizado requerem um trabalho cuidadoso e persistente de criação de parcerias, de elaboração de arranjos cooperativos consistentes com o sistema multilateral das Nações Unidas.

Senhor Presidente,

Muitos países e regiões têm permanecido alijados dos benefícios da economia globalizada, arcando apenas com seus custos.

A mesma circulação livre de capitais que pode gerar investimento é responsável pelo ataque especulativo às moedas nacionais e pelas crises de balanço de pagamentos com conseqüências negativas para a continuidade das políticas públicas e para o resgate da dívida social.

O protecionismo e toda sorte de barreiras ao comércio, tarifárias ou não tarifárias, continuam a sufocar a economia dos países em desenvolvimento e neutralizar a competitividade de seus produtos.

A liberalização do setor agrícola não tem passado de uma promessa, sempre adiada para futuro incerto.

A globalização requer a reforma das instituições econômicas e financeiras e não pode limitar-se ao triunfo do mercado.

A concepção moderna de desenvolvimento requer a promoção dos direitos humanos, tanto os civis e políticos quanto os econômicos, sociais e culturais.

Nesse campo, é uma grande honra para todos brasileiros a nomeação de Sérgio Vieira de Mello como novo Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Sucede Mary Robinson, a quem devemos o reconhecimento pelo importante trabalho realizado.

Senhor Presidente,

A ONU foi criada para manter a paz e a segurança. No entanto, persistem conflitos armados e focos de violência e insensatez.

A situação no Oriente Médio evidencia a distância que nos separa da ordem internacional imaginada pelos redatores da Carta das Nações Unidas.

O Brasil apóia a criação de um Estado palestino democrático, seguro e economicamente viável, assim como o direito do povo palestino à autodeterminação. O Brasil também defende o direito à existência do Estado de Israel dentro de fronteiras reconhecidas e o de seu povo viver em segurança. Ambas são condições essenciais para uma paz duradoura no Oriente Médio. Somente através do reconhecimento mútuo e generalizado das legitimidades em conflito na região, assim como mediante o aprimoramento de acordos existentes será possível estancar a destrutividade indiscriminada da violência e construir um caminho de solução.

O uso da força no plano internacional somente pode ser admitido se esgotadas todas as alternativas de solução diplomática. A força somente pode ser exercida de acordo com a Carta das Nações Unidas e de modo consistente com as deliberações do Conselho de Segurança. Do contrário, estará solapada a credibilidade da Organização, dando margem não apenas à ilegitimidade, mas também a situações de equilíbrio precário e não-duradouro.

No caso específico do Iraque, o Brasil sustenta que cabe ao Conselho de Segurança decidir as medidas necessárias para assegurar o pleno cumprimento das resoluções pertinentes. O exercício pelo Conselho de Segurança de suas responsabilidades constitui a forma de desanuviar tensões e evitar riscos imprevisíveis de desestabilização mais abrangente.

Em Angola, os últimos desenvolvimentos positivos devem ser sustentados pela comunidade internacional para a reconstrução do país e a consolidação da paz e da democracia.

O objetivo de fortalecer o sistema de segurança coletiva permanece um desafio.

O Conselho de Segurança precisa ser reformado de modo a aumentar sua legitimidade e criar bases mais sólidas para a cooperação internacional na construção de uma ordem internacional justa e estável. Deve ser parte essencial da reforma a expansão do número de membros, tanto na categoria de permanentes quanto de não-permanentes.

O Brasil já manifestou e o reitero neste momento que está pronto a dar a sua contribuição para o trabalho do Conselho de Segurança e a assumir todas as suas responsabilidades.

Senhor Presidente,

Para o Brasil, as Nações Unidas são o espaço público para gerar o poder, que só resulta, na lição de Hannah Arendt, da capacidade humana de agir em conjunto.

A ONU é essa peça essencial da criação de uma governança global voltada para a distribuição mais eqüitativa dos benefícios da paz e do progresso.

Daí nossa visão de futuro, uma visão consagradora da solidariedade entre povos e nações, uma visão legitimada por uma concepção renovada e participativa do poder.

Inspira-nos a observação de Guicciardini, o conterrâneo e contemporâneo politicamente mais bem sucedido do que Maquiavel: 'Entre os homens, usualmente, pode muito mais a esperança do que o medo'.


Muito obrigado".

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