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10/10/2002 - 04h11

Opinião: Todo mundo na Venezuela conspira ao ar livre

OSCAR MEDINA
Free-lance para a Folha de S.Paulo

Se tudo o que dizem é verdade, talvez a Venezuela tenha acordado hoje com um governo novo. Ou, então, pode ser que na tarde de hoje estejamos nos matando nas ruas ou sendo massacrados por soldados obedientes. Ou mesmo, quem sabe, descansando os pés depois de ter participado -parafraseando Saddam, o amigo de Hugo- da mãe de todas as marchas, enquanto vemos TV, à espera do anúncio da greve total. Ou à espera de algum pronunciamento do alto comando militar anunciando que o mesmíssimo Hugo Chávez, num arroubo de sensatez inabitual, veio dizer o que tantas pessoas gostariam de ouvir de sua boca: "Não me empurrem, já estou de saída".

Anteontem, quem apareceu foi o ex-ministro Luis Miquilena, declarando que Chávez renunciará "quando chegarmos ao ponto de ebulição". Sim, ele sabe, pois foi seu mentor, velha raposa política. O infeliz prognóstico traça o quadro do desenlace que aguarda este país que depositou suas esperanças em quem não devia. Ebulição? Sim, já estamos em ebulição.

A matriz da opinião que vem sendo gestada nas últimas semanas alimenta a idéia de que agora, sim, vai acontecer - que neste mês o homem cai, seja da maneira que for, porque este governo não se aguenta mais. Todo mundo aqui conspira ao ar livre; na TV e nos jornais, só se fala de qual será a saída, de como será preciso enfrentar o futuro e como se poderá recuperar a nação depois do descalabro que sofreu.

É quase uma constante científica: junte dois venezuelanos por mais de dois minutos e a pergunta virá, inevitável: "E para quando é a coisa?". A "coisa", já se sabe, é o golpe de Estado, a renúncia forçada, a convocação de novas eleições ou qualquer das variantes -democráticas ou não- que permitam a saída de cena deste mandatário por cuja conta se registram dois grandes feitos: que uma parte da Venezuela tenha passado a odiar a outra e que setores que tradicionalmente se enfrentavam como partidos políticos rivais, operários e patrões, milionários e esquerdistas atiradores de pedras, se sentem para especular e dar palpites quanto à data em que "a coisa" vai acontecer.

O presidente vem tendo alguns dias cansativos. Ele tem relatado os inteligentíssimos trabalhos de inteligência com os quais desmascarou um golpe de Estado. É curioso, porém, que da onda recente -nas últimas 72 horas- de invasões forçadas das casas de alguns civis e militares assinalados como cérebros do golpe abortado, não tenha saído um único detido, uma única acusação formal ou um único documento que possa ser brandido como prova de algum delito. E isso contando que há conspiradores por toda parte.

No calor de sua luta, nosso singular mandatário teve tempo para fazer um gesto cortês em relação a quem ele supõe ser seu vizinho ideológico: o senhor Lula. O presidente enviou a ele uma réplica da espada de Simón Bolívar, herói nacional cuja imagem o tenente-coronel Chávez manuseou até o indizível. Certamente ele salivará de prazer, imaginando-se aliado de Lula, erguendo a lâmina simbólica na gloriosa luta que os aguarda, a façanha que voltará a libertar este continente tão oprimido. Mas o mandatário não apenas anda com os pés nas nuvens. Ele também olha à sua volta e vê que "a coisa" se aproxima, consulta seus assessores, deve fazer algumas ligações para Havana e tomar decisões: tanques resguardando o palácio do governo, a Guarda Nacional nas ruas e uma mobilização de pessoal e equipamentos militares digna de um desfile de Dia da Independência. Para defender-se do quê? De uma oposição que a cada dia se coordena e se descoordena segundo os apetites de poder e controle de alguns de seus procuradores? Ou de uma população que simplesmente não o quer mais?

Enquanto se escrevem estas linhas, o ruído dos boatos vem crescendo. Na TV, os noticiários não descartam um cenário de terror que incluiria a tomada de suas sedes e ações que anulariam a capacidade de transmissão de suas antenas instaladas no monte Ávila, em Caracas. Como no último 11 de abril, já começou o coro de oficiais das Forças Armadas advertindo para a possibilidade certa de que o governo, através de soldados ou de seus grupos de civis armados, avance contra a passeata da oposição. A previsão é que alguma coisa aconteça hoje à noite mesmo. É absurdo negar a realidade de que Chávez ainda detém uma boa cota de apoio popular entre os setores mais pobres, aqueles que não têm nada a perder. Ele não está só, mas tampouco tem tudo a seu lado.

Oscar Medina é jornalista do diário venezuelano "El Universal"
Tradução: Clara Allain
 

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