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09/03/2003 - 04h36

Medo do declínio move EUA, diz Wallerstein

MÁRCIO SENNE DE MORAES
da Folha de S.Paulo

A determinação dos EUA de depor o ditador iraquiano, Saddam Hussein, é alimentada pelo modo de pensar dos falcões da administração americana.

Eles acreditam que a guerra contra o Iraque seja necessária para pôr fim ao declínio da posição internacional americana -que ocorre por conta da fraqueza e da indecisão da política externa dos sucessivos governos americanos desde a Guerra do Vietnã- e para que o restante do planeta reconheça e aceite a primazia dos EUA.

A análise é do renomado cientista social americano Immanuel Wallerstein, 72, um dos maiores ícones da esquerda mundial, que é professor da Universidade Yale (EUA) e autor de, entre dezenas de outras publicações, "The Decline of American Power: The U.S. in a Chaotic World" (o declínio do poder americano: os EUA num mundo caótico) e de "Geopolitics and Geoculture" (geopolítica e geocultura).

Leia a seguir os principais trechos de sua entrevista à Folha de S.Paulo.

Folha - O que alimenta a determinação da administração americana de depor Saddam?
Immanuel Wallerstein - Primeiro, devemos analisar o modo de pensar dos falcões do governo de George W. Bush. Eles pensam que a posição mundial dos EUA está em declínio desde ao menos a parte final da Guerra do Vietnã, nos anos 70. Eles também acreditam que a explicação principal para esse declínio seja o fato de sucessivos governos americanos terem sido fracos e indecisos no que se refere à política externa do país. Os falcões pensam que isso ocorreu até durante a administração de Ronald Reagan [1981-89", embora não ousem dizer isso.

Para eles, há apenas uma receita para mudar essa situação. Os EUA devem impor-se à força na cena internacional e expor abertamente sua vontade de ferro e sua imensa superioridade militar. Segundo os falcões, quando isso for feito, o restante do planeta reconhecerá e aceitará a primazia americana em todas as áreas.

Assim, os europeus entrarão na linha, os Estados que pretendem tornar-se potências nucleares abandonarão seus projetos, a moeda dos EUA se valorizará, e os extremistas islâmicos desaparecerão ou serão esmagados. Com tudo isso, ainda de acordo com o pensamento dos falcões da administração americana, entraremos numa nova era de prosperidade e de lucros vultosos.

Folha - Como podemos explicar o fato de que a maioria da opinião pública internacional é contrária à posição dos EUA?
Wallerstein - É justamente por causa dos falcões que o debate público internacional sobre a necessidade -ou não- de lançar uma guerra contra o Iraque parece não ter repercussão em Washington. O governo dos EUA parece surdo porque eles têm certeza de que todo mundo está errado e nem se dá conta disso. Também é importante ressaltar outro aspecto da autoconfiança dos falcões: eles crêem que uma guerra rápida e com poucos estragos seja possível. De acordo com eles, o conflito terá semanas, não meses.

Ademais, o fato de virtualmente todos os generais da reserva americanos e britânicos dizerem publicamente que têm dúvidas a respeito da estratégia atual é ignorado por Washington. Os falcões, que são civis em sua maioria, nem tentam refutar a opinião desses generais. Por outro lado, não sabemos quantos generais ainda ativos pensam da mesma forma que seus colegas da reserva.

Folha - Ante esse quadro, o que mais pode fazer a comunidade internacional para evitar o conflito?
Wallerstein - A comunidade internacional tem feito tudo que está a seu alcance para evitar o confronto. Porém ela não conseguirá nem influenciar a determinação americana nem assegurar o desarmamento total de Saddam. De qualquer modo, os EUA invadirão o Iraque mesmo que Saddam concorde em desarmar-se, o que não o incentiva a cooperar.

Folha - Qual será o impacto da guerra contra o Iraque sobre a atual ordem mundial?
Wallerstein - Ela fará com que o caos mundial se agrave significativamente, minará a autoridade e o poder internacionais dos EUA e motivará a intensificação das atividades de movimentos como a Al Qaeda [rede terrorista de Osama bin Laden". A médio prazo, o conflito também poderá provocar a queda de vários dos chamados regimes muçulmanos moderados, como o egípcio, e deixará o Iraque num estado de total baderna. Saddam poderá cair, mas nada garante que Bush venha a obter sua reeleição após a guerra.

Folha - A atual política externa americana prejudica a legitimidade da ONU?
Wallerstein - A ONU não tem mais nenhuma legitimidade. Corretamente, ela é vista pela maior parte das pessoas como uma agência cuja ação é determinada pela vontade dos EUA. Trata-se da primeira vez em que Washington realmente quer algo, mas a ONU não responde positivamente. Na verdade, penso que isso servirá para aumentar a legitimidade da organização. Pela primeira vez, as pessoas pensarão que a vontade do restante do planeta, não a dos EUA, prevaleceu na ONU.

 

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