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13/03/2003 - 05h16

ONU se diz despreparada para refugiados

FERNANDO CANZIAN
da Folha de S.Paulo, em Washington

As Nações Unidas estão prevendo uma "catástrofe humana" como consequência de um ataque dos EUA contra o Iraque, com ou sem o apoio de outros países-membros do Conselho de Segurança da organização.

A ONU e a Refugees Internacional, uma das mais conceituadas organizações que tratam do assunto, estimam em 3,5 milhões o número de refugiados que o conflito deve provocar.

Do total, cerca de 1,5 milhão poderá cruzar as fronteiras do Iraque em direção à Turquia e ao Irã, principalmente.

A meta da ONU era arrecadar US$ 60 milhões até o dia 15 de janeiro passado para atender a pelo menos 600 mil pessoas que deixarem o país. Ontem, havia somente US$ 16,6 milhões em caixa, o suficiente para pouco mais de um quarto da meta almejada.

"Não temos a menor condição de lidar com a tragédia que vai resultar dessa guerra. Estamos dizendo isso de modo consistente desde outubro, sem obter resposta", disse à Folha de S.Paulo Yusuf Hassan, porta-voz do Alto Comissariado da ONU para Refugiados.

Segundo ele, dos US$ 16,6 milhões arrecadados até agora, US$ 15 milhões foram doados pelos EUA. Como parece longe de um fim a discussão sobre a participação ou não de outros países no conflito, a ONU não espera novas contribuições no curto prazo.

O resultado é que, mesmo que entre mais dinheiro, o prazo para o planejamento da ajuda humanitária já terá estourado.

Kenneth Bacon, presidente da Refugees International e ex-porta-voz do Pentágono durante seis anos do governo Bill Clinton, afirma que, embora "essa seja a guerra mais anunciada de todos os tempos", não está havendo uma discussão séria sobre "os terríveis custos humanitários que devem resultar do conflito".

Segundo números apresentados por Bacon ontem à Folha, o Irã está se preparando para receber cerca de 200 mil refugiados em sua fronteira com a ajuda da ONU. ''O restante deve ficar sem assistência. E estamos falando de cerca de 3 milhões de pessoas dentro e fora do país".

O Iraque tem hoje cerca de 23 milhões de habitantes.

Bacon qualifica de "imperdoável" a qualidade da discussão sobre o assunto até aqui. "Tivemos todo o tempo do mundo e não fizemos nada. Só se fala na guerra, com detalhes milimétricos", diz. ''Os grandes deslocamentos humanos serão inevitáveis".

Até antes do balanço negativo na arrecadação de fundos, a ONU vinha se comprometendo a cuidar de 600 mil refugiados, englobando nesse número somente as pessoas que deixarem as fronteiras do Iraque em direção a outros países.

As estimativas de Kenneth Bacon para os "refugiados internos", que devem fugir dos bombardeios em Bagdá e cidades maiores, giram em torno de 900 mil a 1,1 milhão de pessoas.

Ontem, funcionários do Programa Mundial de Alimentação da ONU informaram que já estão estocando comida na Jordânia e em outros países da região.

"A ONU está buscando uma solução pacífica para o conflito, mas não podemos ignorar o fato de que a guerra é iminente", disse Maarten Roest, porta-voz do programa. "Estamos tentando estocar alimentos em toda a região. Nossa projeção é que temos de estar prontos para atender a cerca de 900 mil pessoas por um período de até dois meses e meio." Segundo cálculos do programa, é necessária uma tonelada de comida para alimentar 60 pessoas por um mês.

Bacon afirma que os EUA poderiam ser "mais responsáveis" na discussão sobre o que fazer com o Iraque e sua população após o conflito. Na sua opinião, a qualidade do tratamento dado às vítimas da guerra vai determinar, em boa medida, a aceitação das tropas americanas no Iraque.

Especialistas consultados em Washington afirmam que não há, até aqui, comissões organizadas para discutir pontos cruciais do Iraque pós-guerra.

"O que vai ser feito, por exemplo, do Exército e da polícia de Saddam Hussein após o conflito? Serão todos simplesmente presos?", questiona Bathsehba Crocker, do Council on Foreign Relations (conselho de relações internacionais).

Outra preocupação levantada é como organizar um governo de transição ocidental em uma sociedade eminentemente religiosa. "O risco de conflitos é imenso. Não temos também nenhuma idéia do grau de comprometimento da sociedade iraquiana hoje com Saddam Hussein", diz Crocker.

Para Bacon, os americanos estão agindo com um "otimismo exagerado". "Parece que esperamos ser recebidos em Bagdá com flores e chocolates", diz.
 

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