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29/03/2003 - 07h30

Guerra do Vietnã, 30, ainda assusta e deixa lições

ROBERTO DIAS
da Folha de S.Paulo, em Nova York

"Enquanto estas linhas estão sendo escritas, a América se encontra novamente em guerra _desta vez sem nenhuma ambiguidade sobre a natureza da ameaça. Mesmo que a história não se repita diretamente, existe pelo menos uma lição para ser aprendida da tragédia descrita nestas páginas: a América nunca mais deve permitir que seus compromissos sejam superados por suas divisões".

O autor do parágrafo é Henry Kissinger, e ele aparece em seu recém-lançado livro "Ending the Vietnam War" (terminando a Guerra do Vietnã), um título adequadamente ambíguo. Por um lado, indica que a obra relata as negociações que colocaram fim à guerra, comandadas por ele, então secretário de Estado dos EUA. Por outro, mostra como o episódio representa uma discussão ainda não acabada.

Há exatos 30 anos chegou ao fim a aventura militar dos EUA no Vietnã. Em 29 de março de 1973, as últimas tropas americanas deixaram o país e encerraram oficialmente a participação no conflito. Sobrou apenas o pessoal responsável pela guarnição da embaixada americana _que seria resgatado dois anos depois, na famosa retirada de Saigon.

Há pelo menos uma grande consequência que a sombra daquele 29 de março na Ásia projeta sobre o dia de hoje no deserto iraquiano: a profissionalização das Forças Armadas americanas.

Foi depois da Guerra do Vietnã que os EUA abandonaram o recrutamento obrigatório para suas fileiras militares e passaram a trabalhar apenas com soldados voluntários, pagos para combater.

Tal opção é ainda hoje motivo de discussão. No começo deste ano, por exemplo, um deputado americano sugeriu que se voltasse ao sistema de recrutamento. Ao que o secretário da Defesa dos EUA, Donald Rumsfeld, respondeu dizendo que os recrutas não haviam adicionado "nenhum valor, nenhuma vantagem às Forças Armadas americanas em qualquer época".

O presidente da associação Vietnam Veterans of America, Thomas Corey, considerou-se insultado.

"O secretário deveria saber que a Guerra do Vietnã não poderia ter continuado por dez anos sem o serviço de americanos que aceitaram sua obrigação militar como cidadãos deste país".

Além da profissionalização das tropas, o Vietnã serve como parâmetro para outras discussões à mesa dos americanos agora.

Por exemplo: a importância de manter o apoio da opinião pública mesmo depois que os corpos dos soldados começam a ser entregues aos seus pais.

Nesse quesito, aliás, a Guerra do Vietnã foi uma carnificina, se comparada ao que acontece hoje: no final do governo de Lyndon Johnson, morriam em média 40 americanos por dia, número não atingido ainda em dez dias de conflito no Iraque, ao menos segundo os anúncios oficiais.

Há ainda a questão sobre quanto tempo esperar por uma vitória militar e, depois, quanto tempo manter as tropas longe de casa, ocupando o país ("Não temos a intenção de ficar lá por muito tempo", repetia ainda ontem o secretário Rumsfeld).

O Vietnã também foi campo de fertilização da "teoria do dominó", ancestral da tese agora defendida pela administração Bush.

Como relata Kissinger em seu livro, a teoria nasceu em um documento datado de fevereiro de 1950, quatro meses antes do início da Guerra da Coréia.

"Predizia que, se a Indochina caísse, Mianmar e Tailândia cairiam em seguida e que 'o balanço do Sudeste Asiático estaria em grave prejuízo'", escreve o ex-secretário.

Hoje, a administração Bush inverte a equação: afirma que, se Saddam cair, todo o Oriente Médio poderá ser varrido por uma onda democrática.

Kissinger avança ainda numa outra análise sobre a teoria daquela guerra, e de novo suas palavras encontram ressonância neste conflito. Combater no Vietnã, diz ele, tinha "a menos óbvia correlação com as batalhas anteriores em relação aos conceitos de segurança nacional".

Fantasma

Com todos os problemas, o governo americano foi à guerra. E, 30 anos depois, a documentação da CIA cataloga o Vietnã da seguinte maneira: "Tipo de governo: Estado comunista".

Se não foi boa para os EUA, aquela guerra também não ajudou muito o Vietnã.

O que o Iraque agora diz temer _que os EUA arrasem seu país_ aconteceu no Vietnã. Depois da guerra, pouco sobrou do país.

Ainda hoje, mesmo rodeado por vizinhos que deram o salto do desenvolvimento, o Vietnã tateia a parede para escalar uma recuperação: é apenas o 109º colocado em desenvolvimento humano no mundo, segundo o ranking do índice IDH, da ONU.

Entre os americanos, a fixação com o que aconteceu no Vietnã é recorrente. Um rápido exercício ajuda a dimensioná-la: na Amazon, mais famosa livraria virtual do mundo, uma pesquisa com a palavra "Vietnã" encontra 4.686 referências; para o termo "Iraque", são 1.284.

Mas o momento de se livrar dessas reminiscências está próximo, opina Michael Peters, 56, vice-presidente executivo do Council on Foreign Affairs. "Assim que essa geração do Vietnã morrer, isso vai acabar junto", diz Peters, ele mesmo um ex-combatente no Vietnã _esteve lá de 1969 a 1970.

"A geração do Vietnã já não é mais dominante no governo americano. O principal nome é o Colin Powell, que lutou no Vietnã. Condoleezza Rice não é parte daquela geração. Rumsfeld, Cheney, o próprio Bush, eles não lidaram diretamente com a guerra. Quando Powell for embora, acabou para essa geração", afirma.

Do lado de fora do governo, o movimento pacifista também enxerga mudanças grandes nesses 30 anos. "O que é impressionante, nesta guerra, é a velocidade com que se formou a polarização, foi muito mais rápido do que na Guerra do Vietnã", diz Steve Aulc, 56, coordenador da United for Peace and Justice e veterano militante das manifestações pacifistas. "Na época de Nixon [presidente dos EUA ao final da Guerra do Vietnã], as pessoa tinham um grande um senso prático. Agora há uma parte muito importante de ideologia", opina.

Era o que havia, aliás, por trás da atitude americana no Vietnã, conforme define Kissinger ao tentar explicar como o país se meteu na guerra: "Tudo começou com grandes aspirações".

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