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Censo étnico divide opiniões na França
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RAFAEL CARIELLO
da Folha de S.Paulo
Embora não tenha ainda uma proposta exata sobre como fazê-lo, o governo Nicolas Sarkozy pretende introduzir modificações em uma lei francesa que proíbe perguntas sobre origem étnica, cor da pele e religião em censos e pesquisas públicas nacionais.
O objetivo da legislação a ser modificada, cuja versão atual data do final dos anos 70, é garantir o princípio republicano de igualdade perante o Estado e a lei, além de evitar qualquer possibilidade de classificação de grupos minoritários a partir de estatísticas oficiais.
Sarkozy afirma, no entanto, que a mudança é necessária para que a França seja capaz de "medir a diversidade da sociedade" e os efeitos sociais do preconceito étnico no país, e que só pode fazer isso permitindo que os entrevistados declarem, de algum modo, sua origem -e os efeitos que experimentam, na procura de trabalho ou na relação com a polícia, por exemplo, por causa disso.
Uma equipe comandada por Yazid Sabeg, "comissário da diversidade" no governo, estuda há 15 dias modelos para coletar estatísticas oficiais sobre o tema. Sabeg anunciou, no início de março, que pretende apresentar uma lei, baseada nos resultados da comissão, que permita ao governo fazer as perguntas necessárias sobre origem e preconceito no país.
A França é um país com grandes levas recentes de imigrantes, além de outras, ao longo do século 20, de moradores de ex-colônias, e portanto crescentemente multicultural.
Os que se opõem às medidas dizem que elas ferem o princípio fundamental da sociedade e do Estado francês, de igualdade perante a lei independente de origem, credo ou cor. O grupo SOS Racisme, de apoio a imigrantes, reunia até a noite de sexta 109 mil pessoas num abaixo-assinado na internet contra a "estatística étnica".
Precedente
Grupos como esse argumentam também que exemplos passados da história europeia, como censos que serviram para a discriminação e perseguição de judeus, evocam os riscos que tais pesquisas trazem. Há ainda ideias identitárias que opõem o republicanismo francês ao "comunitarismo" multicultural anglo-americano. "A França não deve se converter num mosaico de comunidades", declarou uma integrante do governo Sarkozy, Fadela Amara, ministra de Assuntos Urbanos.
"De fato, historicamente, os europeus temem que pesquisas desse tipo possam reforçar o estigma sobre alguns grupos", diz o historiador Manolo Florentino, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Ele, no entanto, vê nesse tipo de enquete um instrumento de pesquisa social necessário --como no caso brasileiro, em que a autodeclaração de cor em levantamentos do IBGE permite medir diferenças de renda média entre negros e brancos.
"Esse é um debate típico de uma situação multicultural recente", explica, argumentando que outros países europeus já fizeram o caminho que levou de uma ideia mais ou menos homogênea de nacionalidade, em que perguntas desse tipo fariam menos sentido, para um multiculturalismo de fato.
Para Florentino, o argumento de que a existência das pesquisas pode ferir um igualitarismo ideal da sociedade francesa é "uma posição que parece divorciada da realidade". "Não é assim que se enfrenta o multiculturalismo, que é real", diz.
O também historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor na Universidade de Paris, afirma que é possível traçar uma relação entre o debate francês e as discussões no Brasil sobre cotas no ensino público para afrodescendentes, cujos opositores também levantam a bandeira dos perigos de se criar divisões artificiais numa sociedade relativamente integrada.
Ele lembra que é preciso fazer uma distinção: a sociedade brasileira nunca se aproximou de um modelo de fato meritocrático e republicano.
Obviamente sensível aos traumas europeus com classificações étnicas, o comissário da diversidade francês declara que uma coisa é certa: ninguém será obrigado a se classificar. As pesquisas serão baseadas, diz Sabeg, em princípios de autodeclaração, liberdade de participação e anonimato.
Para a antropóloga Lilia Schwarcz, professora da USP, "o grande problema" é a forma que essa pesquisa pode vir a ter. "Como se mede o grau de etnicidade e raça sem introduzir a ideia de que os homens são diferentes?", pergunta. "Em princípio, não sou contra pesquisas, até porque isso seria uma forma de obscurantismo, mas fico preocupada com a sua forma de aplicação e de análise. Não digo que não funcionem, mas também não são mágicas."
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