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15/04/2003 - 06h07

EUA ''bagunçam'' cenário internacional, diz analista

MÁRCIO SENNE DE MORAES
Enviado especial da Folha de S.Paulo a Washington

Para as relações internacionais, o desmantelamento do sistema multilateralista criado após a Segunda Guerra é mais grave que a ofensiva contra o Iraque, já que fará com que a cena internacional entre num período de grande incerteza, em que até alguns dos mais próximos aliados dos EUA passarão a desconfiar dos verdadeiras interesses de Washington em relação à política global.

A análise é de James Rosenau, 78, um dos precursores do estudo das relações internacionais, professor na Universidade George Washington e autor de mais de 30 livros sobre o tema.

Leia, a seguir, a entrevista que deu à Folha, em seu escritório em Washington.

Folha de S.Paulo - Questões domésticas influenciaram o governo americano a dar início à guerra no Iraque?

James Rosenau - Muitos falam da influência do lobby judaico ou dos representantes da indústria do petróleo, mas não sei bem como o Iraque passou a ser uma prioridade do governo. O país nunca foi mencionado na campanha presidencial, em 2000, quando George W. Bush defendia o multilateralismo, a aliança com a Europa e esforços internacionais dentro da ONU. A maioria dos analistas diz que os atentados de 11 de setembro de 2001 mudaram totalmente o jogo político nos EUA. Como isso mudou as coisas não está claro para mim.

Fala-se sobre a ligação entre o regime iraquiano e os ataques terroristas, mas não consigo ver qual é esse elo. Não tenho informações privilegiadas sobre as decisões tomadas na Casa Branca, mas não creio que os grandes grupos de interesse tenham persuadido o governo a enviar centenas de milhares de soldados para travar a guerra contra Saddam Hussein.

Por outro lado, há indivíduos que desempenharam um papel crucial nessa questão. O secretário da Defesa [Donald Rumsfeld], o subsecretário da Defesa [Paul Wolfowitz] e o vice-presidente [Dick Cheney], que têm uma formação intelectual parecida, aparentemente sempre defenderam a intervenção militar contra o regime iraquiano. Não quero falar em teoria da conspiração, mas devo dizer que estou surpreso com a grande mudança da política externa americana. Isso não só em relação ao Iraque, mas também no que se refere ao conceito de ataque preventivo etc.

Folha de S.Paulo - Como essa nova linha do governo dos EUA influenciará o 'mundo turbulento' descrito em suas principais obras?

Rosenau - Ela torna a política mundial uma bagunça. Espero que ataques preventivos não sejam estendidos a outros países. Isso só agravaria o já preocupante quadro atual. O pós-guerra no Iraque será muito complicado, e não creio que os dirigentes americanos venham a querer aplicar essa política com frequência.

Sobre as relações internacionais, estou mais preocupado com o desmantelamento do sistema multilateralista criado após a Segunda Guerra do que com a ofensiva no Iraque, embora qualquer conflito tenha aspectos terríveis. Se os republicanos continuarem no poder e suas diretivas políticas forem mantidas, entraremos num período de muita incerteza, visto que a política externa da única superpotência do planeta incomoda profundamente até seus aliados.

Folha de S.Paulo - Esse fenômeno constitui uma tendência duradoura?

Rosenau - Para mim, o mundo está sofrendo uma desagregação de autoridade há muito tempo. A cena internacional tem cada vez mais atores não-estatais em seu seio, que tomam parte do poder dos Estados, o que, a longo prazo, é uma limitação para os EUA. Não creio no equilíbrio de poder entre os grandes países, já que eles não mais controlam totalmente a evolução política internacional.

Assim, os Estados tornam-se mais fracos. Não digo que eles não mais existirão nem que suas funções perderão importância, mas é irrefutável que a situação é complexa, pois os Estados são menos capazes de controlar os fluxos de idéias, crimes, dinheiro etc.

Ora, com isso, fatos aparentemente anódinos, como o advento da internet, têm uma influência extremamente grande na política internacional. Trata-se de um mundo muito diferente do que existia durante a Guerra Fria. É interessante ver como os protestos contra a guerra se expandiram por todo o mundo graças ao alcance global da internet.

Folha de S.Paulo - Então uma guerra ao terrorismo internacional liderada por um Estado é fadada ao fracasso?

Rosenau - É difícil imaginar que essa suposta guerra possa ter sucesso dessa forma. Afinal, o terrorismo não é apenas composto por ataques monumentais, como os de 2001. A maioria dos atentados é bem mais simples, e, com uma frequência bastante preocupante, os ataques suicidas se tornam cada vez mais populares. É impossível focalizar os esforços dos Estados em cada suicida em potencial.

O que ocorreu com o regime do Taleban, no Afeganistão, foi um grande passo para reduzir a força de uma rede terrorista que parecia suficientemente organizada para cometer atentados monumentais. Porém, com certeza, a Al Qaeda ainda existe, e há diversos outros grupos terroristas dispostos a realizar ataques contra alvos nos EUA ou em outros países.

Acredito que o século 21 venha a ser um período em que atentados terroristas periódicos se tornarão uma realidade incontornável.

O jornalista Márcio Senne de Moraes viajou a convite do governo dos EUA

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