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20/04/2003 - 08h15

Saddam Hussein deixou vazio estatístico

JOÃO BATISTA NATALI
da Folha de S.Paulo

Impossível saber exatamente se os sunitas representam 20% ou 35% da população iraquiana. O PIB do país é hoje uma grande incógnita. Não se tem uma idéia precisa sobre as taxas de inflação.

Saddam Hussein deixou o Iraque com um enorme vazio estatístico. Foi algo deliberado. O ex-ditador desmontou, a partir de 1987, o órgão estatal equivalente ao IBGE. Seu argumento: as informações poderiam cair nas mãos do inimigo -na época, o Irã.

Mas há também um motivo inconfessável. A partir do embargo comercial, em vigor desde agosto de 1990, com a resolução 661 do Conselho de Segurança, parte da economia interna funcionou com base no contrabando.

Quantificar esse comércio seria passar recibo em nome do crime organizado, que só funcionou por seus vínculos com o clã tribal e com a família de Saddam.

As incertezas começam pela demografia. O anuário da CIA (serviço norte-americano de inteligência) calcula a população em 24 milhões. A ONU forneceu neste mês estimativa menor, de 23,2 milhões, mais 1,1 milhão vivendo no exterior. O Censo de 1997 não foi realizado. As projeções têm base metodológica frágil.

Quanto à economia, há pouco mais de sete anos Adnan al Kudsi, presidente da Federação das Indústrias do Iraque, dizia à Folha que 85% das fábricas do país estavam fechadas por falta de matéria-prima. Com consequências inevitáveis, explosão da miséria, do desemprego e do empobrecimento da classe média. Mas não há porcentagens disponíveis.

Há algumas pistas. Nos sete primeiros anos do embargo, os salários foram multiplicados por 200, mas os preços o foram por 8.000.

Em 1968, só 53 famílias tinham patrimônio avaliado em mais de US$ 3 milhões. Elas já eram 3.000 em 1989, segundo Faleh Jabbar, da Universidade de Londres. Ocorreu um crescimento vertiginoso da iniciativa privada, a partir de programas de obras públicas financiados pelo petróleo, cujo preço deu um grande salto em 1974. Mas esse topo milionário da pirâmide desabou. E arrastou as demais camadas de renda.

Quanto ao câmbio, em 1982 um dinar iraquiano comprava US$ 3,10. Na semana passada, comprava-se US$ 1,00 com 3.500 dinares. Certos produtos de luxo só estavam disponíveis em dólar. A elite próxima a Saddam perdia os pudores do exibicionismo. Alguns rodavam em Mercedes do ano, mesmo com a proibição da importação de automóveis.

O PIB (total de riquezas produzidas) seria hoje de US$ 59 bilhões, segundo a CIA, ou de US$ 28 bilhões, segundo a revista "The Economist". E a renda per capita teria caído em duas décadas de US$ 4.200,00 para algo em torno de US$ 300,00.

A subnutrição tornou a população mais vulnerável a moléstias. A expectativa de vida, que já esteve acima dos 70 anos, é hoje de 66 anos para homens e 68 para mulheres, segundo os EUA. A mortalidade infantil, de 57,6 por mil nascidos vivos, é praticamente o dobro da registrada no Brasil.

O programa Petróleo por Comida, gerido pela ONU, permitia a cada iraquiano uma ração diária de mil calorias importadas, a metade que a dieta ideal. Muitos comiam bem mais que isso pela reativação da produção agrícola em terras férteis (11% do solo iraquiano), mas também porque entrou muito trigo e enlatados de contrabando pela fronteira da Turquia.

Um comerciante de classe média ganha US$ 100 mensais. Mas 1 kg de café custa US$ 46.

Durante os quase 13 anos de embargo, o comércio só poderia ser feito oficialmente pela fronteira com a Jordânia. Um visto de saída para um iraquiano custava US$ 100. Ruechid, última cidadezinha jordaniana na estrada para o Iraque, abastecia com medicamentos, refrigerantes, pneus e roupas de grife a elite do regime deposto.

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