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26/05/2003 - 09h04

Artigo: Censura só faz crescer o perigo das epidemias

MOACYR SCLIAR

Entre as muitas coisas que emergem neste nosso mundo de emergentes estão as novas enfermidades: a doença dos legionários, a doença pelo vírus Ebola, a Aids, a infecção pelo hantavirus, a hepatite C, e, agora, a síndrome respiratória aguda grave, Sars, uma doença viral de transmissão respiratória com uma letalidade relativamente alta e capaz de se disseminar pelo planeta.

Como ocorreu com outras viroses que passam de animais para os seres humanos, a presente epidemia teve origem na China. E isso representa um duplo problema. Em primeiro lugar, a enorme população em risco. Em segundo lugar, a política do governo chinês em relação ao assunto.

Epidemias são embaraçosas para governos. E causam grandes dificuldades. No final do século 19 o Brasil não podia exportar seu principal produto, o café, porque os navios estrangeiros aqui não aportavam. E não aportavam por causa das pestilências, sobretudo a febre amarela. Contra a qual, contudo, havia o que fazer: o combate ao mosquito, objeto de uma campanha desencadeada por Oswaldo Cruz (que enfrentou a oposição de muitos médicos).

Quando se trata de administrações autoritárias a situação é diferente. Em 1974 o Brasil viu-se às voltas com uma epidemia de meningite meningocócica que, nos primeiros momentos, semeou o pânico. Notícias a respeito foram censuradas, o que só resultou em boatos, em desorientação e em mais pânico.

Na China, uma lei de 1996 classifica doenças altamente infecciosas como segredo de Estado.

Quando surgiram os primeiros casos, na província de Guangdong, o Departamento de Saúde da área recebeu do governo central mensagem a respeito. Como tal mensagem vinha com o rótulo de "altamente confidencial", ninguém pôde abri-la nem tomar providências.

A isso, acrescenta o "Washington Post", seguiram-se as férias do Ano Novo chinês e, sobretudo, a posse de uma nova direção do Partido Comunista, caracterizando um período de transição no qual notícias da epidemia seriam "desestabilizadoras". Felizmente um alerta aos jornalistas partiu do respeitado médico Jiang Yaniong, antigo diretor de um hospital que trata sumidades como o premiê Deng Xiaoping, que escreveu a respeito a jornalistas. O próprio Comitê Político do Partido exigiu um "relato honesto" da situação, e aí as providências começaram a ser adotadas, com um atraso que, segundo a OMS, pode ter sido bastante deletério.

Conclusão: em matéria de epidemias, como de resto em tudo que interessa ao público, o segredo pode não apenas ser contraproducente, como perigoso. As pessoas têm o direito, e o dever, de se proteger. As pernas curtas da mentira, neste caso, conduzem, e com rapidez paradoxal, ao desastre.

Moacyr Scliar, escritor e médico especializado em saúde pública, é autor, entre outros, de "A Paixão Transformada - História da Medicina na Literatura" (Companhia das Letras)
 

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