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06/06/2003 - 10h52

Análise: Paz no Oriente Médio é uma questão de pontos de vista

SAMUEL FELDBERG
especial para a Folha Online

Talvez seja coincidência, mas o novo ciclo de negociações entre israelenses e palestinos inicia-se no aniversário da Guerra dos Seis Dias, que geraria o impasse da maneira como hoje o conhecemos. Em junho de 1967 os israelenses se tornariam senhores de uma ampla população palestina, que viriam a governar durante 36 anos.

Ao longo deste período foram consideradas todas as alternativas para uma solução do problema, desde a anexação total do território pelos israelenses, e da consequente absorção de milhões de palestinos no Estado judeu, até a separação unilateral com a criação de uma fronteira física que gerasse espontaneamente um Estado palestino.

Sucederam-se situações de cooperação e de conflito, anos de relativa integração com uma enorme participação da mão de obra palestina no crescimento econômico israelense, alternados de períodos de total bloqueio desta interação.

A infra-estrutura entretanto criou uma realidade que não pode ser negada, e assim como a energia gerada em Israel é consumida nos territórios palestinos, a água vital a Israel origina-se dos aquíferos no subsolo palestino.

O que realmente mudou, e muito, foi o entorno. O conflito, ainda que importante para os que nele estão envolvidos, é de dimensões modestas no contexto do Oriente Médio.

Já não é um conflito árabe-israelense clássico, do período da Guerra Fria, capaz de gerar uma intervenção soviética ou um alerta nuclear norte-americano; o suprimento de petróleo da península Arábica depende da relação de forças entre os inimigos às margens do golfo Pérsico e não mais dos critérios políticos da Liga Árabe; tornou-se uma guerra civil, entre dois povos relativamente pouco numerosos e numa área geograficamente pouco importante neste mundo balístico em que vivemos.

Mas ainda é um conflito que move paixões, tem a capacidade de canalizar a emoção dos milhões de despossuídos do mundo árabe, que através dele podem ventilar seu descontentamento contra as elites que os controlam.

E agora está aí também um Iraque ocupado. Os Estados Unidos, pela primeira vez na história, estão fisicamente presentes em grande escala no coração do Oriente Médio.

Muito ainda se discutirá sobre as justificativas para atacar o Iraque, as consequências do 11 de setembro, a existência ou não de armas de destruição em massa e uma ameaça terrorista plausível. Mas o fato incontestável é a presença de um amplo contingente de tropas norte-americanas na região, uma clara mensagem a regimes como os do Irã e da Síria, cercados por todos os lados pelos norte-americanos ou seus aliados.

Este é o grande quadro. No âmbito da disputa mais limitada entre israelenses e palestinos estão duas populações civis, certamente fartas da carnificina que se estende por mais de cinco décadas, mas envolvidas por complicadores que tornam uma negociação extremamente difícil.

Do lado palestino, a nomeação de um primeiro ministro engajado no processo de paz deve representar a garantia de um avanço na etapa inicial. Os principais obstáculos estarão representados não só por Arafat [Iasser, presidente da Autoridade Nacional Palestina] e sua figura dominante [um Fidel Castro regional, que talvez tenha de desaparecer do cenário para gerar uma mudança de paradigma], mas também pelo grupo que ele representa, assim como no Iraque não desaparecerá do dia para a noite a burocracia baathista nem a elite sunita que governou o país durante tantas décadas.

Outro fator importante que tem de ser levado em conta é a transformação de grupos terroristas em importantes elementos do mosaico da sociedade palestina. Um grupo como o Hamas não pode ser visto unicamente sob a ótica do terrorismo.

Muitos palestinos, desencantados com a atuação corrupta da Autoridade Nacional Palestina, voltaram-se para a estrutura oferecida por esta organização, beneficiando-se de escolas, clínicas, distribuição de alimentos, e ajuda financeira.

Apesar de o braço militar da organização ser o responsável pela maioria dos atentados suicidas, pode tornar-se extremamente custoso, no que se refere ao prestígio político do novo governo palestino, combater o segmento militar desta estrutura, vista como monolítica pela maioria da população.

Do lado israelense desapareceu o pluralismo. O partido trabalhista, tradicional defensor das negociações de paz está em frangalhos, tendo trazido Shimon Peres de volta para liderá-lo --numa clara indicação de que não há uma nova geração disponível para a tarefa.

Ariel Sharon, o "buldozer", o símbolo maior das conquistas israelenses [dos primórdios do Estado até a Guerra do Líbano, nos anos 80] assim como do programa de assentamentos que tanto dificulta a solução do problema, tornou-se a única esperança de um acordo negociado, embora ainda tenhamos que descobrir quanto de sua disposição deriva da pressão do presidente dos EUA, Georg W. Bush.

Talvez todo o espetáculo que presenciamos tenha sido somente o preâmbulo de mais um período de estagnação. Alguns comentaristas apostam na hipótese de que, havendo a certeza da continuação dos atentados terroristas --que nem israelenses nem palestinos podem evitar--, Sharon estaria se dispondo a negociar para poder oportunamente demonstrar que com os palestinos a negociação é impossível.

Certamente o desmantelamento de dezenas de "novos assentamentos" não será problema, já que foram instalados justamente como fichas de barganha.

Os dois povos estão sem dúvida interessados, senão na paz, pelo menos em um período de calmaria, que permita recuperar as forças, chorar os mortos, lamber as feridas.

Talvez seja necessário mais que a visita de um presidente norte-americano, obviamente já em campanha eleitoral, para que as duas partes efetivamente disponham-se a conviver lado a lado.

Samuel Feldberg é cientista político do Grupo de Análise de Conjuntura Internacional da USP (Universidade de São Paulo)


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