Saltar para o conteúdo principal

Publicidade

Publicidade

 
 
  Siga a Folha de S.Paulo no Twitter
29/06/2003 - 03h59

Peruano não sente efeitos do crescimento, diz De Soto

OTÁVIO DIAS
da Folha de S.Paulo

A população peruana, em grande parte alijada da economia formal, não sente os efeitos positivos do crescimento e não identifica no presidente Alejandro Toledo um líder capaz de traçar um rumo para o país. É o que diz o economista peruano Hernando De Soto, 61, diretor do Instituto da Liberdade e Democracia, em Lima.

"Para que as pessoas tenham otimismo, precisam sentir que o governo está abrindo uma estrada. Toledo não tem um plano", afirmou à Folha de S.Paulo.

De Soto é um dos economistas mais respeitados do momento no mundo, principalmente devido às teses defendidas no livro "O Mistério do Capital" (edit. Record, 308 páginas, 2001), no qual ele sustenta que o caminho para melhorar a vida dos mais pobres nos países em desenvolvimento é a legalização de suas propriedades.

Segundo De Soto, o patrimônio imobiliário dos pobres é um "capital morto" porque não tem documentação formal e não pode ser usado em transações legais, como, por exemplo, como garantia em empréstimos bancários.

De Soto foi assessor do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), mas pediu demissão na época do autogolpe (1992). Por meio de seu instituto, assessora governos de diversos países, entre eles o do presidente Vicente Fox, no México.

Folha de S.Paulo - A economia peruana está crescendo cerca de 5% desde o ano passado. Por que o presidente Toledo não está sendo capaz de capitalizar essa boa notícia?

Hernando De Soto - Em primeiro lugar, não há um sentimento de que ele seja o pai do crescimento. Ninguém realmente atribui a ele o crescimento, mas à manutenção de políticas macroeconômicas que já haviam sido implementadas no começo dos anos 90. Em segundo lugar, os bons números macroeconômicos não são sentidos pelos cidadãos nas ruas. O setor informal é muito grande. Para as pessoas que estão fora do sistema formal, muitas das medidas do governo, boas ou más, não têm efeito direto. Só sentirão se o governo asfaltar uma rua, oferecer água tratada. Finalmente, os peruanos sentem a necessidade de um líder que tenha um rumo claro. Toledo não sabe o que quer, não consegue se comunicar, e mesmo que tente fazer isso, quase 90% dos peruanos dizem que não acreditam nele.

Folha de S.Paulo - Não é muito simplista dizer que as pessoas comuns não sentem o crescimento? Se não houvesse crescimento, seria muito pior.

De Soto - Para que as pessoas tenham otimismo, precisam sentir que o governo está abrindo uma nova estrada. Toledo não tem um plano. Além disso, do ponto de vista das pessoas mais pobres, a situação não está melhor, mas pior. Até mesmo nos EUA, 75% de todos os novos negócios começam a partir da obtenção de algum tipo de crédito tendo como garantia uma propriedade: imóveis, terras ou máquinas. A liquidez começa por aí. No Peru, o custo de obter um papel para comprovar uma propriedade dobrou desde que Toledo chegou ao poder. Em média, uma pessoa leva 145 dias para colocar seus papéis em ordem. O governo Toledo não deu atenção a um aspecto importante do subdesenvolvimento, que é o custo da legalidade ou da legalização. E isso aconteceu como resultado de uma série de medidas cujo objetivo era a descentralização. Mas não se calculou o custo-benefício dessas medidas. É muito fácil dizer "prefeitos devem ter mais poder, comunidades indígenas devem ter mais autonomia". Autonomia significa que o cidadão não receberá mais água tratada da autoridade central. Reduzir o tamanho do Exército pode ser bom, mas, se isso acontece numa região de selva onde há presença do Sendero Luminoso, os terroristas ocupam mais espaço. Toledo não tem experiência em administração, não compreende as consequências de suas ações. O resultado de suas medidas, grosso modo, foi trazer mais inconveniências à vida das pessoas comuns.

Folha de S.Paulo- Um problema dos países latino-americanos é a dificuldade de os governantes entregarem à população, no prazo de seus mandatos, ao menos parte das promessas que fizeram quando candidatos. Como resolver esse dilema?

De Soto - O problema de qualquer político em qualquer lugar do mundo é administrar as expectativas. Muitas das coisas só são possíveis a médio ou a longo prazo. O chefe de Estado precisa ter capacidade de dizer: ''Prometi quatro coisas básicas. Informarei vocês sobre como elas estão progredindo e como mudarão a vida de vocês no futuro''. No Peru, não há nenhuma informação sobre o que está acontecendo a longo prazo. Com exceção do ajuste fiscal, da estabilidade da moeda, do crescimento econômico, não há mais nada. Toledo inaugura parte de uma estrada aqui, parte de um hospital lá, mas não há uma tendência de longo prazo. Não há um rumo. Nos anos 80, o Peru não cresceu. Nos anos 90, cresceu em média 4,5%, apesar do terrorismo e dos descalabros do governo Fujimori. Havia uma tendência clara na direção de uma economia de mercado, de mais investimento privado, o país caminhava por uma estrada específica. Hoje, a sensação é de que não há governo.

Folha de S.Paulo - O sr. diz que as pessoas sentem falta de uma liderança forte, como a de Fujimori?

De Soto - As pessoas fazem uma distinção. Elas não sentem falta de Fujimori, cujo governo terminou em frangalhos, mas sentem falta de liderança. Num país como o Peru, com instituições deficientes, é importante um presidente que leve as coisas adiante, que conduza uma boa equipe, que determine rumos. Qualquer país em desenvolvimento precisa de uma pessoa que saiba o que quer. Isso não significa autoritarismo.

Folha de S.Paulo - O sr. vê, portanto, um problema na personalidade de Toledo como origem da crise no Peru?

De Soto - Sim. Algumas pessoas chegam ao poder para mudar o país. Toledo passa a impressão de que, depois que chegou à Presidência, já conseguiu o que queria. Ele chegou ao poder para ser presidente e quer desfrutar. Transmite uma sensação de frivolidade. Perde muito tempo no círculo dos coquetéis, da badalação. Tira férias muito longas, é conhecido por chegar duas horas atrasado em seus compromissos. E mente, mente abertamente. Disse que havia sido empregado do Banco Mundial. Não havia. Que era professor da Universidade Harvard. Não era. Mentiu sobre a paternidade de sua filha. Pequenas coisas. Na política, a mentira é mais letal do que qualquer outra coisa.
 

Publicidade

Publicidade

Publicidade


Voltar ao topo da página