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29/06/2003 - 05h04

Muçulmana faz humor do terror em Londres

LEONARDO CRUZ
da Folha de S.Paulo

Típica muçulmana, a britânica Shazia Mirza, 27, ora todos os dias em direção a Meca, não bebe, não fuma e usa o hijab, véu tradicional que cobre os cabelos, parte do rosto e os ombros. Outro hábito, no entanto, a diferencia das demais muçulmanas: quase todas as noites, ela sobe ao palco de alguma casa de espetáculos e diz: "Boa noite. Meu nome é Shazia Mirza. Ao menos, é isso o que está escrito na minha licença de piloto de avião".

Shazia é um caso singular no circuito humorístico britânico, majoritariamente masculino. É a única comediante muçulmana em cena em seu país e provavelmente a única no mundo a se apresentar com o hijab. Seu sucesso no Reino Unido começou alguns meses após o 11 de Setembro, quando transformou o terrorismo em um dos temas de seus shows, arrancando risos da platéia com frases como: "Não se preocupe, senhor. Não vou explodi-lo". "Percebi que as pessoas viam graça em ouvir uma muçulmana fazendo piadas sobre terrorismo. Atraí pelo inusitado", afirmou Shazia, em entrevista por telefone à Folha de S.Paulo.

Além do "humor suicida", a comediante aborda aspectos da cultura muçulmana dos quais discorda e faz troça sobre as restrições às mulheres. "Estou muito feliz de estar aqui, porque meu pai deixou que eu saísse de casa à noite. Mas não vou demorar. Ele acha que isto aqui é uma biblioteca", costuma dizer também no começo de seus espetáculos.

Esse estilo chamou a atenção da mídia britânica, especialmente após Shazia ser escolhida, em 2001, a revelação do Festival de Comédia de Londres, o principal do gênero no país. Após uma turnê pelo Reino Unido, já em 2002, ela foi convidada para uma apresentação especial de "Os Monólogos da Vagina", de Christie Tiller, no Royal Albert Hall. "Precisavam de um depoimento de uma vagina muçulmana", Shazia justifica.

No fim do ano passado, escreveu e apresentou na rede britânica BBC o show "Dez Coisas Que Você Sempre Quis Saber sobre o Islã (Mas Tinha Medo de Perguntar)". Neste ano, levou seu espetáculo a Alemanha, França, Holanda, Bélgica e Dinamarca. E, no mês passado, apresentou-se no Comic Strip, um dos principais palcos de Nova York para comediantes, por onde já passaram Eddie Murphy e Jerry Seinfeld.

Origens

Filha de paquistaneses radicados em Birmingham, Shazia cresceu em uma família muçulmana de crenças rigorosas. Não podia sair de casa à noite, usar saias curtas ou namorar. Durante a adolescência, tomou gosto pelo teatro em peças na escola. Descobriu que tinha talento para provocar risos, mas foi proibida de continuar a atuar.

Seu pai, um vendedor de carros, queria que ela tivesse uma "profissão decente" para arrumar um marido. Para atender esses desejos, Shazia graduou-se em bioquímica pela Universidade de Manchester e tornou-se professora de ciências em uma escola londrina.

Com o salário de professora, a jovem voltou a estudar interpretação, sem contar nada à família. "Tive de estudar teatro em segredo, para evitar problemas em casa", relembra a humorista, que começou a se apresentar profissionalmente em meados de 2000.

Shazia relata que hoje em dia sua família aceita sua profissão, mas ainda há membros da comunidade muçulmana que reprovam seu trabalho. "Já recebi algumas ameaças. São fundamentalistas que acreditam que eu não devia fazer o que faço por ser mulher", diz.

Ela conta que, durante um espetáculo em Londres, teve o palco invadido por três homens que a acusavam de ser "desgraça para o Islã". Em uma apresentação na Dinamarca, ganhou a companhia de dois guarda-costas, depois de ter recebido mensagens de que seria morta se pusesse os pés no palco.

Ela afirma que tais reações são descabidas e que nunca desrespeitou o islamismo. "É a minha religião, jamais iria negá-la ou transgredi-la", sustenta Shazia, acrescentando que nunca faz piadas sobre o Alcorão. Mas ela não vê problemas em relatar às suas platéias o resultado de sua peregrinação à Meca:

"Estava fazendo minhas orações, quando senti uma mão no meu traseiro. Disse a mim mesma: 'Shazia, este é um lugar sagrado. Deve ser a mão de Deus".
 

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