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03/07/2003 - 13h40

Análise: A hora da Itália na presidência da UE

JULIE SCHMIED
especial para a Folha Online

Foi uma estréia difícil para a presidência italiana, como pôde ser observado pelo Parlamento Europeu frente à apresentação sob críticas e alguns protestos, feita pelo primeiro-ministro Sílvio Berlusconi, do programa de trabalho na União Européia (EU) para este segundo semestre de 2003.

A palavra de crítica do difícil momento político por que passa o primeiro-ministro italiano veio de um Parlamentar Europeu, ao solicitar que "não se misturassem questões políticas internas italianas com os objetivos internacionais em discussão no Parlamento do bloco europeu".

A ênfase do texto de Berlusconi recaiu, naturalmente, no caráter simbólico desta presidência italiana, em razão da histórica assinatura dos Tratados de Roma, que estabeleceram a Comunidade Econômica Européia (CCE) e a Comunidade Européia de Energia Atômica (Euratom), assinados pela Itália, França, Alemanha, Bélgica, Holanda e Luxemburgo, em 21 de março de 1957.

Ela é simbólica porque, concluída a Conferência Intergovernamental (CIG) a ser realizada entre outubro e dezembro, durante a presidência da Itália da UE, os Tratados Originários, de quase 50 anos, deverão ser substituídos pelo Tratado Constitucional da UE.

Mas a jornada para entrada em vigor da alcunhada "Constituição Européia", ou "Novo Tratado de Roma", como se referem agora os italianos, é mais longa ainda.

Seus trabalhos de elaboração se originaram com o estabelecimento do mandato e instruções para uma Convenção Européia sobre o Futuro da Europa, definidos no Conselho Europeu de Laeken (Bélgica), em dezembro de 2001.

Os trabalhos da Convenção Européia se desenvolveram durante cerca de 15 meses, na sede do Parlamento Europeu em Bruxelas, sob a presidência do ex-presidente francês Valléry Giscard d'Estaing.

O resultado dessa etapa foi o "rascunho" ou texto de trabalho para a CIG, que recebeu a acolhida de todos os Estados-membros no recente Conselho Europeu de Tessalônica (Grécia).

Apesar da sua acolhida simbólica e política por parte dos chefes de Estado ou de governo da UE, muitos pontos ainda precisam ser costurados até se obter um consenso, que resulte na unanimidade de assinatura, prevista para ocorrer possivelmente com a adesão dos dez novos países, no dia 1º de maio de 2004. Mas ainda restará a posterior ratificação por 80% dos Estados-membros (pelo menos 20 dos 25) com um referendo ou consulta nacional.

O complexo processo de ratificação pode se prolongar por até 18 meses para a entrada em vigor do novo tratado, com direito a muito debate político e a eventuais surpresas, como já ocorreu no passado. Enquanto isto, regem na UE as regras definidas pelo Tratado de Nice, de 2001.

Possivelmente em razão da particular complexidade desta CIG, a presidência italiana decidiu antecipar para este semestre a norma definida em Nice, de que, a partir de 2004, as cúpulas normais do Conselho Europeu passariam a ser realizadas em Bruxelas.

Os demais aspectos que receberam importância pela presidência italiana se concentram na necessidade do relançamento da União Européia como fator de crescimento e prosperidade, contando com a moeda única, o euro, como elemento de estabilidade, e a continuação da estratégia de Lisboa para o fortalecimento e a competitividade da economia européia.

Para tal, merecerão ênfase: o reforço da estrutura da rede transeuropéia, no campo dos transportes; o exame da sustentabilidade do sistema europeu de pensões e seguridade social; e a modernização do mercado de trabalho --aspectos que exigem pronta ação frente ao desafio da adesão dos dez novos países.

O contexto europeu recebeu a atenção italiana com a proposta de se dispor de um continente com um papel mais ativo na cena mundial. Prossegue o debate político por dispor de uma resposta européia mais unificada na política externa e de segurança comum.

É reconhecida pela presidência italiana a dificuldade dos países aderentes, de antigo julgo soviético, em atender às exigências estratégicas da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte).

Importa o prosseguimento das negociações para a adesão à UE da Bulgária e Romênia, em 2007; o incentivo a que a Turquia persiga a adoção de mudanças para o futuro processo de adesão; e o desenvolvimento dos Acordos de Associação e Estabilização com os países dos Bálcãs ocidentais (Croácia, Sérvia e Montenegro, Bósnia-Herzegóvina, Macedônia e Albânia) para fortalecer suas propostas de adesão à UE.

Também é reconhecida a necessidade de se desenvolver a iniciativa de uma Europa mais extensa, com a solidificação de relações de cooperação com os países vizinhos, de quem mais diretamente depende a segurança do continente.

O texto do primeiro-ministro italiano também destacou, dentre outros aspectos, a importância das relações transatlânticas, dizendo respeito não só ao relacionamento entre a UE e os Estados Unidos, mas também com a América Latina --uma oportuna e promissora lembrança para nós.

Trata-se, portanto, de mais um trabalhoso e complexo semestre para a União Européia vencer, desta vez sob a luz da presidência Italiana.

O que os cidadãos europeus não devem esquecer é que a presidência da UE está agora liderada por um país comunitário, a Itália, o que vai além da figura política de Silvio Berlusconi, chefe de governo italiano.

Ou seja, em um patamar está a política da UE, em outro os problemas internos do governo italiano --com seu polêmico premiê. Assim, os europeus não devem obstaculizar um processo de integração de cinco décadas, frente a incidentes que podem ser superados pela via diplomática.

Julie Schmied é professora de relações internacionais e direito internacional da Universidade de Brasília (UnB)
 

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